quarta-feira, 28 de junho de 2023

Nilson Teixeira - Difícil tarefa do economista de mercado

Valor Econômico

Incontáveis fatores imprevisíveis influenciam os fundamentos e fogem do alcance dos modelos

Os economistas de mercado que trabalham com análise de conjuntura têm sido acusados de má-fé com o governo de esquerda por terem previsto no fim de 2022 uma inflação mais alta e um crescimento mais baixo para este ano. De fato, a maioria dos analistas julgava que a eventual vitória do atual presidente seria acompanhada de medidas que contribuiriam para maior inflação e desaceleração mais expressiva da atividade. Apesar de reconhecer claro viés político por parte de alguns analistas, prefiro crer que a maioria errou suas projeções devido à leitura equivocada sobre a dinâmica da economia.

A capacidade preditiva dos economistas sobre diversas variáveis econômicas é baixa, mesmo quando o time é competente, bem formado e utiliza modelos e instrumentos sofisticados. A subjetividade - apelidada de arte por muitos - é determinante em muitas ocasiões, pois incontáveis fatores imprevisíveis influenciam os fundamentos e fogem do alcance dos modelos.

Há vários exemplos. A robustez das projeções de inflação para prazos superiores a três meses é baixa. Não se trata apenas da incerteza sobre a magnitude e a defasagem dos canais de transmissão das políticas monetária e fiscal. A previsão da inflação mensal está sujeita à elevada volatilidade da variação dos preços de bens e serviços, aos recorrentes choques que alteram a sazonalidade dos preços, à demora de atualização dos índices de preços para adequação da cesta de consumo da população e às interferências do governo em diversos preços da economia. Esses fatores explicam, em grande parte, as mudanças de previsão dos últimos seis meses.

Após uma sequência de meses em que a inflação superou o consenso, acelerando a mediana das expectativas de inflação IPCA para 2023 do Focus até 6% no fim de abril, houve reversão dessa dinâmica, com os números mensais recentes passando a ser menores do que as previsões. Assim, a mediana para este ano diminuiu para 5,1%, com alguns participantes da pesquisa do já mencionando inflação abaixo de 4,5%.

A instabilidade da inflação explica, em parte, a razão de a divulgação de um número para o mês corrente diferente do previsto alterar as projeções dos anos seguintes. Por exemplo, a projeção da inflação IPCA em 2026 do Focus aumentou de 3,2% no fim de 2022 para 4% no fim de março por conta de inflação corrente mais elevada e da maior incerteza fiscal. A partir de então, os números mais favoráveis para os preços e a leitura de que os cenários fiscais mais extremos são menos prováveis contribuíram para o recuo da projeção de inflação IPCA em 2026 para 3,7% em 23 de junho.

A capacidade preditiva para a atividade também é baixa. É usual que as projeções para o ano corrente até meados do 2º trimestre sejam distantes dos números finais - os analistas só projetam com maior precisão após a divulgação dos números do 1º trimestre e de indicadores antecedentes para o 2º trimestre. Apesar de não ser um problema exclusivo do Brasil, os modelos para a atividade local são frágeis por conta de: séries de dados curtas; indisponibilidade de estatísticas abrangentes, com escassez de informações detalhadas por setor, em particular de serviços; desconhecimento sobre o funcionamento dos diversos canais de transmissão de políticas públicas sobre a atividade; excessivo número de choques estruturais; e incerteza sobre o crescimento potencial da economia.

Após permanecer abaixo de 1% por um tempo prolongado, a divulgação de indicadores de atividade de março e abril contribuiu para a elevação do consenso das projeções de crescimento do PIB do Focus para o ano em 0,3 ponto percentual. Depois da divulgação dos números do 1º trimestre, o consenso acelerou para 2,2%, com alguns participantes da pesquisa mencionando valores acima de 2,5%.

O trabalho do economista de mercado precisa envolver o acompanhamento da conjuntura econômica e política de forma detalhada e, ao mesmo tempo, a construção e manutenção de modelos de projeção sofisticados para inflação, atividade, contas fiscais e balanço de pagamentos, bem como para trajetórias das taxas de juros e de câmbio. Isso sem considerar que, muitas vezes, a demanda é pela cobertura não apenas da economia brasileira como também de outros países e regiões.

Assim, os percalços no desenvolvimento desse trabalho podem estar sendo erroneamente confundidos como uma má fé dos economistas com as propostas do governo de esquerda. As composições quase sempre muito enxutas dos times de analistas da maioria das instituições que participam do debate conjuntural abrem espaço para um certo ceticismo por parte de técnicos e políticos associados ao governo sobre manifestações enfáticas por parte da maioria dos economistas de mercado, ainda mais quando é razoável assumir que times pequenos não conseguem desenvolver modelos de previsão complexos para diversas áreas e, ao mesmo tempo, acompanhar a conjuntura de vários países de forma profunda.

Apesar de não ser possível esperar robustez a todo instante de suas previsões nos mais variados assuntos e mercados, é equivocado desqualificar a opinião desses profissionais. Economistas, mesmo que solitários, mas com muitos anos de formação e de dedicação, podem prover análises profundas e de qualidade em assuntos específicos.

Em suma, o trabalho do economista que trabalha com análise de conjuntura e elaboração de previsões está sempre sujeito a críticas. Um exemplo é a tradução equivocada dos erros das projeções de crescimento e de inflação para 2023 como sendo uma má fé com as propostas da esquerda. Como é quase impossível cravar as projeções, mesmo que para prazos relativamente curtos, críticas, mesmo que distorcidas, conseguem ter ressonância. Essa confusão, porém, está ligada ao desconhecimento sobre os obstáculos enfrentados pelos analistas, como também à alguma má vontade. Enfim, mesmo com todas as dificuldades, o trabalho do economista de mercado pode ser muito instigante intelectualmente e passível de muito aprendizado.

*Nilson Teixeira, Ph.D. em economia

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