domingo, 25 de junho de 2023

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Desafio do novo PAC é evitar os erros do antigo

O Globo

Acreditar no Estado ‘indutor’ do desenvolvimento ou que há dinheiro para tudo é o caminho do fracasso

O governo prevê lançar no início de julho um novo PAC, sigla para Programa de Aceleração do Crescimento, que traz péssimas memórias aos brasileiros. Lançado em 2007, no segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o PAC original foi um fracasso. Não deu início à expansão rápida e sustentada da economia, com melhorias significativas na infraestrutura. Foi marcado por projetos mal concebidos, obras inacabadas, corrupção e desperdício do dinheiro público, tudo reunido numa sigla que tinha muito de marketing e pouco de sensatez econômica.

De novo no Planalto, o PT volta à carga. Os detalhes do novo programa ainda não foram divulgados, mas o mínimo a esperar é que não repita os erros do passado. As carências da infraestrutura brasileira estão todas mapeadas. Estradas esburacadas, portos ineficientes, malha ferroviária exígua, carências no saneamento básico e deficiências na mobilidade urbana. Para reverter a situação, o país teria de elevar os investimentos nos próximos anos para mais que o dobro do 1,71% do PIB registrado no triênio entre 2019 e 2022.

Claro que o setor público tem a contribuir. Com as prioridades corretas e atenção especial à execução, deveria, de acordo com análise da consultoria Inter.B, elevar sua participação do atual 0,6% do PIB ao ano para perto de 1%, com foco em projetos de alto retorno social. Mas é fundamental o governo entender que o grosso do dinheiro terá de vir do setor privado, já responsável pela maior fatia dos investimentos. Atrair empresas e investidores privados não é apenas um imperativo diante das agruras fiscais do país. É também desejável por ser mais eficiente. O ideal, para a Inter.B, é que o percentual privado chegue a pelo menos 2,8% do PIB nos próximos anos.

Para que isso ocorra, o governo precisa cuidar de seu papel principal: aprimorar a regulação, assegurar estabilidade jurídica e respeito a contratos. É indispensável fortalecer a autonomia e independência das agências reguladoras, com blindagem contra interferências políticas. Obras de infraestrutura demandam enorme quantidade de capital e demoram a dar retorno. Por isso a previsibilidade é o item mais importante para o investidor. Em países onde as regras mudam ao sabor do governante, o risco afugenta o capital.

Assim como no velho PAC, o BNDES deverá ter papel relevante no novo. O governo acertaria se aumentasse a participação dele como facilitador nas concessões e privatizações de estados e municípios. Muitos governos locais não têm corpo técnico capacitado para tocar projetos. O BNDES também deveria apoiar a participação dos mercados de capitais nos financiamentos. Há, por fim, espaço para melhorias nas parcerias público-privadas, exigindo mais rigor nos estudos.

A participação da iniciativa privada nos investimentos em infraestrutura saiu de 43% em 2010 para 63% em 2022, segundo a Inter.B. Em telecomunicações, o capital privado já responde por quase tudo, e em energia por 80%. Em saneamento está em apenas 20%. Em rodovias, não muito melhor: 23%. Elevar esses percentuais e melhorar a governança do investimento público deveria ser a prioridade do governo. Mas acreditar no Estado como “indutor” do desenvolvimento ou apostar que há dinheiro no Orçamento para financiar toda sorte de obra levará o novo PAC ao mesmo destino do velho: o fracasso retumbante.

Sete anos depois do plebiscito, fracasso do Brexit é eloquente

O Globo

Seu maior símbolo é Boris Johnson, ejetado da política depois de enredar o Reino Unido numa teia de mentiras

Sete anos depois de os britânicos terem aprovado em plebiscito a saída da União Europeia (UE), o Brexit, o símbolo mais eloquente do fracasso da empreitada é o ex-premiê Boris Johnson, que perdeu o cargo, renunciou ao mandato no Parlamento e foi ejetado da política, depois de enredar a si mesmo e ao Reino Unido na teia de mentiras sobre festas que promoveu em plena pandemia. Mentiras, ele também contou aos montes na campanha pelo Brexit. Defensores do divórcio da UE prometiam baratear a luz e a comida, derrubar a inflação, retirar entraves de pequenos negócios e devolver bilhões aos serviços de saúde.

Resultados? A conta de luz média subiu de £ 1.200 para £ 2.300, alta bem superior à de outros países afetados pela guerra na Ucrânia. O preço das refeições subiu mais de 60% acima da inflação (8% nos últimos 12 meses). O lucro da empresa que Johnson usava como exemplo de negócio que desabrocharia se liberto das amarras da UE caiu 61%. Motivo de orgulho para os britânicos, o National Health Service (NHS), inspiração para o SUS, enfrenta dificuldades com a escassez de médicos e enfermeiros, pois milhares decidiram voltar para seus países europeus.

Reportagem do GLOBO mostrou os efeitos nefastos do isolamento. O Reino Unido tem enfrentado crises de desabastecimento e racionamentos. Faltam legumes na prateleira dos supermercados. O mau tempo e o custo da energia se tornaram a explicação canônica, mas falta também mão de obra do continente para trabalhar na agricultura, afugentada pela burocracia criada para afastar estrangeiros.

A economia britânica passou a patinar. Prevê-se para este ano crescimento de 0,6%, o mais baixo dos países ricos. A perspectiva é desanimadora. Em uma década, estima David Lawrence, do think tank Chatham House, o PIB será ultrapassado por Brasil, Coreia do Sul e Indonésia. As projeções agendam para 2038 a ultrapassagem do PIB per capita britânico pelo polonês. Detalhe: a imigração da Polônia despertava a xenofobia dos que votaram pelo Brexit.

Que era péssimo negócio para o Reino Unido sair do gigantesco mercado europeu, os números nunca deixaram de mostrar. Em 2021, os 27 países da UE somavam PIB de US$ 16,8 trilhões, com população de 450 milhões. Isolados, os britânicos têm um mercado de 67 milhões, e o PIB caiu com o Brexit, flutuando ao redor de US$ 2,8 trilhões. Enquanto Ursula von der Leyen é a segunda a ocupar a presidência da Comissão Europeia desde o plebiscito, o primeiro-ministro Rishi Sunak é o quinto inquilino do número 10 em Downing Street. Crises políticas britânicas são tão frequentes que ninguém tem mais paciência de acompanhar.

Mesmo que nem todas as mazelas da economia e da política britânicas possam ser creditadas ao Brexit, é indiscutível que o isolamento do Reino Unido torna tudo mais difícil. A começar pelo futuro político de Sunak e seu Partido Conservador, que enfrentam eleições gerais no ano que vem — e onde hoje não falta quem diga que o Brexit foi um “desastre”. Ao menos, agora estão dizendo a verdade.

Bolsonaro no TSE

Folha de S. Paulo

Julgamento é desafio ante oscilações nas decisões do Judiciário sobre política

A relação dos tribunais superiores com a regulação da política brasileira não prima pela estabilidade.
Cortes vorazes instituíram a verticalização de candidaturas —depois revertida— e a fidelidade partidária.

Proibiram o financiamento empresarial de campanhas e fulminaram uma cláusula de barreira aprovada no Congresso Nacional.

O cumprimento de pena após condenação em segunda instância, que afeta políticos processados por corrupção, foi declarado inconstitucional em 2009, constitucional em 2016 e inconstitucional em 2019. As três decisões foram do Supremo Tribunal Federal.

O STF não vira problema na miríade de temas que a vara federal de Curitiba absorvera desde a deflagração da Lava Jato, em 2014, mas mudou de ideia em 2021, com repercussões para políticos, como o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que haviam sido condenados.

O Tribunal Superior Eleitoral agora julga se Jair Bolsonaro (PL) transgrediu os limites da Presidência em 2022. A corte guarda o precedente de ter absolvido Michel Temer (MDB) em 2017 diante de abundantes evidências de abuso do poder econômico na campanha de 2014, da qual ele saiu vitorioso como vice de Dilma Rousseff (PT).

Abundantes também são as provas de que Bolsonaro atuou, em julho do ano passado, para desacreditar as instituições eleitorais brasileiras aos olhos da comunidade internacional. Para isso valeu-se da prerrogativa de chefe de Estado ao chamar diplomatas estrangeiros para a patuscada em Brasília.

Uma das diferenças entre os dois casos é que Temer foi julgado enquanto estava sentado na cadeira presidencial e após indicar dois dos sete ministros do TSE. Bolsonaro, destronado, enfrentará um corpo de juízes há pouco reformado por pessoas as quais hostilizou sistematicamente quando governava.

As vendas que cegam a efígie da Justiça deveriam bastar como garantia de que ambos os julgamentos terão se baseado exclusivamente nos autos. Vale, para tanto, um exercício contrafactual hipotético: Jair Bolsonaro seria julgado do mesmo modo, e com as mesmas chances de derrota, caso tivesse vencido a eleição do ano passado?

É sempre delicada a intervenção de um Poder não eleito, como a Justiça, nos destinos de políticos populares, como Lula e Bolsonaro.

O veredicto das urnas seria o caminho ideal. Condenações togadas produzem mártires para grossas fatias do eleitorado, estimuladas a abonar demagogos que explorem o sentimento de frustração.

Entretanto, uma vez que choques entre a lei e lideranças plebiscitárias são inevitáveis num Estado democrático de Direito, que se apliquem as normas com impessoalidade e previsibilidade.

Atrás do prejuízo

Folha de S. Paulo

Juros disparam na Turquia e na Argentina após experimentalismo contra inflação

Diante das críticas desinformadas ao Banco Central e do risco de que proliferem no país teses exóticas a respeito da condução da política monetária, convém ter em mente as experiências fracassadas de governos que se afastaram do bom senso no controle da inflação.

Dois exemplos notáveis são a Argentina, bem conhecida dos brasileiros, e a Turquia, cujo autocrata Recep Tayyip Erdogan tomou para si o poder de determinar a taxa de juros, com resultados desastrosos.

A fragilidade histórica da Argentina deriva da combinação de ampla dolarização e escassez de divisas. Sem um regime fiscal e monetário crível, o país há décadas depende de financiamento externo.

O modelo se equilibra quando há aumento dos preços das exportações e sobras que podem ser direcionadas para a economia doméstica. Ao menor sinal de virada, porém, acentua-se a fuga de capitais e fica mais difícil sustentar o governo cronicamente deficitário.

Nos últimos anos, as políticas populistas de Alberto Fernández tornaram o quadro ainda pior. A incapacidade de realizar reformas internas foi completada com experimentalismo monetário.

Despesas públicas passaram a ser financiadas com emissão de moeda. A inflação disparou e já atinge mais de 100% ao ano, e os juros recentemente tiveram de subir a 97%.

A deterioração econômica da Turquia é um pouco mais recente. No poder há duas décadas e recém-reeleito, Erdogan de início respeitava a tradicional autonomia do banco central e mantinha uma política fiscal responsável.

Diante da deterioração das condições de crescimento econômico, contudo, passou a alimentar a tese de que os juros altos seriam os culpados. Fez mais: interveio nas decisões e demitiu dirigentes da autoridade monetária.

A lira turca, como resultado, perdeu valor rapidamente, e a inflação no país está na casa dos 40% anuais.
Erdogan ensaia agora algum retorno à ortodoxia e não se opôs a um brusco aumento dos juros na semana passada de 8,5% para 15%, ainda muito abaixo da inflação. Pode ser pouco e tarde.

Nos dois casos ficam evidentes as consequências das aventuras —instabilidade econômica, fuga de capitais e inflação.

No Brasil, felizmente, a institucionalização da gestão monetária se mostrou robusta, e a estabilidade da moeda resistiu a uma eleição polarizada e às incertezas da troca de governo.

O Foro de SP nunca decepciona

O Estado de S. Paulo

Documento defende mais poder ao Estado e alinhamento às autocracias.

O 26.º encontro anual do Foro de São Paulo (FSP) – uma organização de partidos da esquerda latinoamericana marxista cuja secretaria executiva está a cargo do PT – foi programado para o fim do mês em Brasília com intenções óbvias: o Foro quer prestigiar o presidente Lula da Silva, e Lula quer prestigiar o Foro.

Na Declaração do encontro predomina o entusiasmo por uma “mudança favorável na correlação de forças”, em que “amplas frentes democráticas e progressistas se reagrupam e novas forças surgem em cena, baseadas nas ideias coincidentes que o FSP propõe”. Com efeito, 12 dos 19 países da América Latina – responsáveis por 92% da sua população e 90% de seu PIB – são atualmente governados pela esquerda. Mas é característico de uma organização que já nasceu retrógrada – o Foro foi fundado por Lula e Fidel Castro em reação ao ocaso da União Soviética – que a leitura desse cenário seja completamente negacionista.

Primeiro, por ignorar o pêndulo político. Os votos à esquerda resultam, sobretudo, da insatisfação com os incumbentes de direita que haviam subido ao poder após a insatisfação com os incumbentes de esquerda. Mas a nova Constituinte do Chile ou as tendências eleitorais na Argentina mostram que o pêndulo segue oscilando. Depois, porque o Foro ignora as diversidades da esquerda. Lideranças mais ventiladas, como o ex-presidente uruguaio José Mujica ou o jovem presidente chileno, Gabriel Boric, estão longe de terem “ideias coincidentes” com o Foro e não hesitam em chamar regimes celebrados por ele, como o da Venezuela ou da Nicarágua, por aquilo que são: ditaduras militares comandadas por clãs familiares. Mais relevante do que a incapacidade do Foro de compreender a nova “onda rosa” é sua incapacidade de reconhecer o papel da velha “onda rosa” nas mazelas da região.

Abastecidos pelo boom das commodities, os governos esquerdistas promoveram generosas políticas distributivas, mas sem investir em reformas e nas condições de um crescimento sustentável, como educação, produtividade e diversificação econômica. O fim do ciclo escancarou a hemorragia fiscal. Na última década o PIB per capita latino-americano ficou estagnado e a desigualdade se acentuou. As perspectivas de crescimento são medíocres se comparadas a economias emergentes como as da Ásia. Segundo o Índice da Democracia do grupo Economist, nos últimos 20 anos a América Latina foi a região onde a democracia mais retrocedeu no mundo. Só três pequenos países (Costa Rica, Uruguai e Chile) são “democracias plenas”; cerca de metade da população vive em regimes “híbridos” ou “autoritários” – dos quais os mais despóticos são justamente os que Foro celebra por sua “firmeza e avanços”: Cuba, Venezuela e Nicarágua.

Para a surpresa de ninguém, o Foro não sugere outros caminhos além de mais governo, estatais, gastos, protecionismo e intervenção no mercado – como se essas políticas não tivessem relação com a mixórdia atual. Mas onde o Foro se esmera em detalhes é na acusação aos inimigos políticos. Para ele, o inferno são os outros, mais exatamente os EUA. Abundam recriminações ao “imperialismo”, ao “colonialismo”, ao “neoliberalismo”, ao “grande capital”. Na sessão sobre A luta pela paz e a democracia, o Foro explica como o Ocidente é culpado pela guerra na Ucrânia. A China representa “um fator de estabilidade e equilíbrio”, por sua “defesa dos princípios do direito internacional” e porque sua diplomacia “avança no mundo e aumenta sua influência para a paz”.

Eis a receita do Foro: mais poder ao Estado; menos liberdade econômica; apoio a agressões aos direitos humanos e às instituições democráticas, desde que perpetradas por regimes de esquerda; antagonismo às democracias liberais do Ocidente; e alinhamento ao eixo autocrático sino-russo.

A América Latina precisa de uma esquerda oxigenada, com a democracia no coração, os pés firmes no presente e os olhos fixos no futuro. Mas não é o que se verá em Brasília. Os companheiros de Lula prosseguem a passos largos sua jornada ao passado, de braços bem abertos ao autoritarismo.

O dever coletivo do STF

O Estado de S. Paulo

Acusa-se Moraes de instaurar uma ‘ditadura judicial’, mas o colegiado do STF avalizou suas decisões. Logo, é preciso cobrar desse colegiado que controle a atuação do ministro

Têm sido cada vez mais frequentes as críticas à atuação do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), na relatoria dos inquéritos abertos para investigar as ameaças contra a Corte e as instituições democráticas. Os questionamentos apontam, nas decisões do ministro, erros e incompreensões sobre o Direito e sobre as próprias circunstâncias vividas no País – afinal, se ao longo do governo de Jair Bolsonaro a democracia pareceu estar sob risco, o que poderia justificar medidas excepcionais, hoje não há ameaças que fundamentem decisões desse tipo.

No entanto, uma crítica que focalizasse exclusivamente na pessoa de Alexandre de Moraes seria injusta. Verdade seja dita, até agora a 1.ª Turma e o próprio Plenário do STF têm confirmado suas decisões. Ou seja, os órgãos colegiados do Supremo têm manifestado um apoio irrestrito ao ministro. Nas circunstâncias concretas da campanha eleitoral do ano passado, essa atitude de ratificação generalizada foi importante, mas agora pode gerar o efeito contrário, com o enfraquecimento da autoridade do STF e da própria defesa do regime democrático.

O Supremo não pode ignorar que, agora, a realidade é inteiramente diferente. Para começar, não estamos mais em ano eleitoral, e, portanto, a legislação específica para o período de campanha, que serviu para fundamentar muitas intervenções do Judiciário, sobretudo nas redes sociais, só fazia sentido no contexto eleitoral, pois era preciso proteger a igualdade de condições entre os candidatos. Agora, o cenário factual e normativo é outro.

Medida especialmente desproporcional de Alexandre de Moraes, por exemplo, foi o recente bloqueio, decretado de ofício, de todas as redes sociais de um podcaster, como resposta a manifestações críticas à Justiça Eleitoral e ao próprio Moraes. Além do equívoco em si – no Estado Democrático de Direito um juiz não tem a atribuição de moderador do debate público –, a decisão é mal fundamentada, com presunções que fazem lembrar abusos típicos de regimes autoritários (ver editorial Não se defende a democracia com censura, de 17/6/2023).

Também suscitou grande preocupação a decisão de Alexandre de Moraes estabelecendo o que o Google e outras empresas poderiam dizer sobre o projeto de lei relativo à regulação das redes sociais. Neste espaço, advertimos que a medida se baseava em uma “profunda incompreensão do papel do Judiciário no Estado Democrático de Direito” (ver editorial O sr. Moraes não é juiz do debate público, de 4/5/2023).

Até aqui, a resposta a quem acusava o ministro Alexandre de Moraes de impor uma suposta ditadura judicial no País foi lembrar a vigência do duplo grau de jurisdição. Ou seja, todas as decisões do ministro estiveram e estão sujeitas à revisão do colegiado do STF, seja pela 1.ª Turma, seja pelo Plenário. O poder de Alexandre de Moraes nunca foi ilimitado. Sempre esteve sob a supervisão da Corte. É assim que funciona no Estado Democrático de Direito.

Agora, recordando a plena vigência da garantia do duplo grau de jurisdição, é preciso afirmar a responsabilidade dos outros ministros do STF pelo controle da atuação do relator dos inquéritos das ameaças à Corte e dos atos antidemocráticos. O Supremo não pode fechar os olhos ao que vem ocorrendo. Da mesma forma que a diligência de Alexandre de Moraes foi fundamental, no ano passado, para a proteção do regime democrático, é essencial que a Corte seja diligente em sua tarefa de controle da legalidade e constitucionalidade das decisões monocráticas. Não se defende a democracia com atropelos judiciais nem com decisões judiciais mal fundamentadas. A proteção da democracia passa por um constante e irrevogável compromisso com a Constituição.

Parte importante da tarefa de controle que compete agora ao STF consiste em assegurar o fim dos inquéritos abertos, com a conclusão das investigações e a revisão das medidas judiciais neles proferidas. Trata-se de passo importante para a normalidade democrática, que demanda efetivo respeito à legalidade e às garantias e liberdades individuais. É hora de o Supremo agir.

A diplomacia se move

O Estado de S. Paulo

A guerra na Ucrânia continua, mas a engrenagem da negociação parece ter desemperrado

Em tempos de guerra, a ponderação de Carl von Clausewitz é recorrentemente lembrada: “A guerra é a continuação da política por outros meios”. Mas o inverso também vale: “A política é a finalização da guerra por outros meios”.

No palco, o drama segue o previsto. A Rússia recebe recursos de exportações redirecionadas fora do Ocidente, tem mais poder de fogo e mantém demandas injustas e maximalistas: neutralidade da Ucrânia e cessão de territórios. A Ucrânia leva vantagem no moral, faz progressos contraofensivos e mantém demandas justas, mas irrealistas: que a Rússia devolva os territórios tomados em 2022 e 2014, responsabilize-se por seus crimes e os compense. Uma guerra longa está contratada.

Nos bastidores, porém, as engrenagens diplomáticas parecem se mover. Em julho, haverá uma cúpula da Otan. Antes, autoridades da Ucrânia e seus aliados articulam uma possível “cúpula da paz” para discutir, também em julho, o plano de paz da Ucrânia. Os participantes podem incluir países neutros como Índia, Brasil e até a China.

De volta ao palco, os aliados mantêm seu apoio à Ucrânia “até onde for necessário”. A China mantém sua ambígua “neutralidade pró-Rússia”. O “Sul Global” segue inamovível a distância do conflito.

Mas a diplomacia ao menos está sendo ventilada. Moscou já foi forçada desde o início a adotar um Plano B mais custoso (econômica, militar e geopoliticamente) que a vitória fulminante inicialmente planejada e acaba de enfrentar uma rebelião armada. Kiev tem capital moral, mas sua economia agoniza. Ambos já perderam 100 mil soldados cada. China e Índia deixaram claro a Putin que excessos não serão tolerados. Se não em público, em privado os ocidentais se perguntam até onde é necessário ir, com diferentes respostas. E ninguém quer uma escalada para além da Ucrânia e muito menos com a Otan, ou seja, uma 3.ª Guerra.

Quase 90% dos ucranianos querem que o país continue lutando. Seu destino, porém, depende não só da coragem de seus soldados, mas de fatores que não controla: a ousadia de Putin e a resiliência do Ocidente. Para apoiadores mais fervorosos, qualquer conversa sobre diplomacia soa a apaziguamento. Mas há um dilema incontornável no conflito entre a legitimidade e a força. A causa ucraniana é justa, e a justiça demanda rendição incondicional da Rússia. Mas a Rússia é forte, e a paz dificilmente será conquistada sem concessões. Quais? A Crimeia e/ou territórios em Donbass? A integração na Otan? E quais garantias a deixariam satisfeita após a debacle do memorando de Budapeste, de 1994, quando Rússia, EUA e Reino Unido prometeram segurança à Ucrânia em troca da cessão de suas ogivas à Rússia? São questões que sempre estiveram no ar. Mas agora parece haver disposição para investigá-las.

A diplomacia se aquece para entrar no palco. O erro seria acreditar que ela excluiria o apoio militar à Ucrânia. Ajudá-la com armas para que avance na batalha dará mais força à sua mão numa mesa de negociação. A paz ainda está distante e uma paz plenamente justa é utópica. Mas não se pode poupar esforços para atingir uma paz a menos injusta possível.

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