sexta-feira, 9 de junho de 2023

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Hora de decisões na reforma tributária

Valor Econômico

O Congresso tem a chance, que não deveria ser desperdiçada, de corrigir um sistema caótico

A reforma tributária deve ir ao debate do plenário da Câmara dos Deputados no início de julho, se tudo correr bem. O relator da proposta na Câmara, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), consolidou as principais propostas existentes, a PEC 45/2019, elaborada pelo Centro de Cidadania Fiscal, quando Bernardo Appy, atual secretário especial do governo Lula, era seu dirigente, e a PEC 110/2019, que corria no Senado. A parte mais difícil vem agora, já que o relatório deixou em aberto as principais questões, entre elas, a das alíquotas e seu número - pela PEC 45 seria uma apenas.

O Congresso tem a chance, que não deveria ser desperdiçada, de corrigir um sistema caótico, que demanda tempo enorme para cumprimento das normas, é injusto e desigual. Os parlamentares têm de saída um bônus: é difícil, embora não impossível, piorar um regime tributário tão ruim. Compilando-se tributos federais, estaduais e municipais, desde a Constituição de 1988 foram editadas 460 mil normas tributárias. Boa parte desta barafunda legal desagua na Justiça, congestionando-a. Há R$ 559 bilhões em litígios diversos nos tribunais, já incluídos os que questionam as inomináveis cumulatividades de impostos na base de cálculo de outros impostos. Até quando era publicado, o relatório “Doing Business” do Banco Mundial situava o Brasil nos últimos lugares entre mais de 100 nações pela dificuldade e tempo gasto para atender as obrigações legais.

No início do governo de Jair Bolsonaro, quando as duas PECs surgiram, houve real possibilidade de aprovação de uma reforma. Aconteceu então algo raro: os principais alvos da reforma, governadores e prefeitos, sempre reticentes, mostraram-se favoráveis a mudanças, enquanto o Executivo, que sempre as propôs, emperrou a tramitação porque pretendia aprovar uma CPMF modernizada.. A nomeação de Bernard Appy como responsável pelo acompanhamento da reforma indicou que o governo está empenhado na questão, e a aprovação do relatório de Ribeiro na comissão da Câmara mostrou que mudanças serão feitas. É impossível saber de antemão com que profundidade.

O governo defende alíquota única em um imposto geral de valor agregado que englobaria os federais, o ICMS estadual e o ISS municipal. As consultas do relator indicaram que se vai por um caminho diferente, o do IVA dual, com um imposto reunindo PIS-Cofins e IPI, e outro, cobrado no destino e não mais na origem, aglutinando ISS e ICMS, que ficaria a cargo de Estados e prefeituras. Politicamente, ao não interferir na questão federativa, a divisão de IVAs é mais assimilável pelo Congresso, governadores e prefeitos.

A proposta do relator inclinou-se pela PEC 110 ao admitir várias alíquota, e não só uma - sua quantidade dependerá da barganha política e da força dos lobbies. Até agora, há a possibilidade de até 5 alíquotas. Ribeiro incorporou regimes favorecidos aceitos pela Constituição, como agropecuária, agroindústria, saúde, educação, cesta básica, transporte coletivo e outros. Todo esse capítulo está em aberto.

Um dos pilares da reforma é redistribuir a carga tributária, sem aumentá-la, aliviando a indústria, a mais taxada e ampliando a fatia dos serviços e da agropecuária. Se a alíquota for única, estima-se um IVA com alíquota de 25%. O número é assustador e usado para criticar a proposta, mas trata-se apenas da carga de impostos que já é cobrada dos cidadãos. O forte lobby agropecuário no Congresso pretende manter baixa carga, e o do setor de serviços não quer pagar mais de 12%. Estudos de especialistas respeitados mostram que com alíquota única no fim das contas ninguém sairá perdendo. Mas é bem provável que os parlamentares sejam sensíveis a essas demandas setoriais.

As exceções não se esgotam aí. O Congresso aceitou incentivos fiscais dos Estados até 2032, logo o período de transição, originalmente de 6 anos (dois para entrar em vigor o IVA federal e quatro, o estadual) deve subir para 10 anos ou mais. Outra ginástica terá de ser feita para manter os criticados benefícios da Zona Franca de Manaus, prorrogados a perder de vista (2073). Cogita-se cobrar imposto seletivo (previsto para desestimular produtos nocivos à saúde e ao ambiente) de automóveis e produtos eletroeletrônicos vendidos fora da Zona Franca, para garantir as isenções a ela concedidas.

A saída para o Simples, o regime simplificado, é interessante. Será aberta a possibilidade de aderirem ao IVA, creditando-se dos impostos pagos quando da venda de seus bens e serviços a empresas. Isso não é vantajoso a quem vende diretamente a pessoas físicas mas, de qualquer forma, estimula-se parte dos que utilizam do maior benefício fiscal do país a contribuírem com maior arrecadação.

Como o governo não tem base extensa para obter 308 votos para sua aprovação, a reforma será a possível. Se for inviável a aprovação de IVA único, com alíquota única e sem exceções, o IVA dual, com três alíquotas e o mínimo de setores excetuados já seria um enorme avanço em relação ao regime vigente.

Repressão é razão da queda no desmatamento

O Globo

Governo aperta cerco contra os devastadores e colhe redução de 31% na destruição da Amazônia

Desde o início do ano, cobra-se da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, a reversão dos recordes sucessivos no desmatamento registrados no governo Jair Bolsonaro. Agora, depois de cinco meses, começam a aparecer os primeiros resultados positivos — e, como já se sabia, eles estão ligados à repressão aos destruidores da floresta. Ainda há um enorme desafio a vencer no Cerrado, mas os dados da Amazônia enfim trouxeram algum alívio.

De acordo com as imagens do sistema Deter, do Inpe, os alertas de desmatamento caíram 31% na Amazônia entre janeiro e maio, na comparação com o mesmo período do ano passado. Houve registro de solo exposto, mineração ou desmatamento numa superfície de 1.986 quilômetros quadrados, menor número desde o primeiro ano do governo Bolsonaro. No Cerrado, em contrapartida, os alertas corresponderam a uma área de 3.532 quilômetros quadrados, uma alta de 35% — e novo recorde.

Não é difícil entender o motivo para o êxito no combate à devastação na Amazônia. Desde janeiro, o Ibama aplicou 2.560 autos de infração (ante média de 917 no governo anterior), emitiu multas no valor de R$ 1,5 bilhão (quase o triplo), promoveu 1.563 embargos (128% a mais), triplicou a destruição de equipamentos usados em crime ambientais e dobrou as apreensões. Noutra frente, houve cancelamento de créditos e a identificação de áreas inscritas no Cadastro Ambiental Rural (CAR) com sobreposição a Unidades de Conservação e terras indígenas. Parte delas foi cancelada ou suspensa.

No Cerrado, a atuação do Ibama não registrou o mesmo patamar de autos de infração, apreensões, multas e destruição de equipamentos visto na Amazônia. Dos dez municípios que mais contribuíram para o desmatamento na região, seis estão na Bahia, e 77% da área corresponde a imóveis com registro no CAR. O Ministério do Meio Ambiente (MMA) atribui aos estados a responsabilidade por fiscalizar a remoção da vegetação.

Os resultados da Amazônia mostram que, se não houver cooperação dos estados na repressão, será impossível conter a devastação no Cerrado para cumprir a meta de desmatamento zero prometida para 2030. É evidente que, depois da política destrutiva do governo Bolsonaro, qualquer tentativa de colocar a casa em ordem traria resultado imediato. O grande teste do governo Lula na área ambiental começará agora. Depois da apresentação da nova versão do Plano de Ação para a Preservação e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm) por Lula e Marina, o desafio é colocá-lo em prática.

O desenho do programa, que prevê o envolvimento de vários ministérios, exige capacidade de negociação política e gestão. No Congresso, grupos contrários à preservação já mostraram força ao esvaziar poder do MMA e fazer avançar a pauta antiambiental. Ao que parece, a atual legislatura não se deu conta da importância da questão para o futuro não apenas da economia brasileira, mas de todo o planeta. Num país do tamanho do Brasil, é impossível atingir o objetivo de zerar o desmatamento em 2030 sem a cooperação de todos.

Existência de quase 10 milhões de analfabetos envergonha o Brasil

O Globo

Combate ao analfabetismo avança lentamente — e não será cumprida meta de erradicá-lo até 2024

A cada ano, o analfabetismo no Brasil diminui. Em 2016, era de 6,7%. Três anos mais tarde, tinha caído para 6,1%. Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), do IBGE, divulgados na quarta-feira mostram que a taxa de 2022 ficou em 5,6%. Um avanço, portanto. Mas, como acontece com quase todos os índices de educação no Brasil, a melhora se dá em câmera lenta. A meta do Plano Nacional de Educação (PNE) — erradicar o analfabetismo até 2024 — não será cumprida.

O Brasil ainda tem 9,6 milhões de analfabetos com 15 anos ou mais. O Nordeste é onde vive mais da metade, com destaque para Piauí (onde a taxa é 14,8%), Alagoas (14,4%) e Paraíba (13,6%). A título de comparação, no Rio a taxa é 2,1%, em São Paulo e Santa Catarina 2,2% e no Rio Grande do Sul 2,5%. O maior contingente de analfabetos, diz Adriana Beringuy, coordenadora no IBGE, são idosos que não tiveram acesso à escola na infância e juventude.

Infelizmente, mesmo as crianças hoje na escola têm enfrentado dificuldades na alfabetização. Cinquenta e seis por cento dos alunos do segundo ano do ensino fundamental não tinham capacidade básica de leitura nem de escrita ao final de 2021. É bom lembrar que o Brasil foi o segundo país onde as escolas ficaram mais tempo fechadas durante a pandemia. Enquanto profissionais da saúde e da segurança pública cumpriam seus deveres, professores, amparados por sindicatos poderosos, abandonaram seus alunos mesmo depois de comprovada a falência das tentativas de ensino à distância.

Por isso não foi surpresa o desempenho de crianças brasileiras do quarto ano do ensino fundamental na edição de 2021 do Estudo Internacional de Progresso em Leitura (conhecido pela sigla Pirls). Entre os 65 países, o Brasil ficou na 59ª posição, atrás de países como Turquia e Uzbequistão. Mais de metade das crianças brasileiras não é alfabetizada na idade certa, e apenas 43% já aprenderam a ler aos 8 anos.

Quando o assunto são as carências na educação, é comum o debate ser contaminado pela sensação de derrota. Mas o Brasil tem vários exemplos de municípios e estados que obtiveram bons resultados. Por diferentes motivos, Sobral (CE), Espírito Santo e Pernambuco são citados com mais frequência, mas casos de sucesso estão espalhados por todo o país. Como costuma dizer o professor do Insper Ricardo Paes de Barros, é preciso reproduzir modelos bem-sucedidos em lugares com características semelhantes.

Para erradicar o analfabetismo, seria bem-vinda uma aliança suprapartidária no Congresso Nacional de representantes dos estados mais afetados (Piauí, Alagoas e Paraíba), em parceria com o MEC e os respectivos governos estaduais, para apoiar e acompanhar políticas de alfabetização com o objetivo de acabar com essa vergonha. É inaceitável que, em plena era digital, tanta gente ainda viva nas trevas.

Alívio na inflação

Folha de S. Paulo

Combinação de fatores externos e domésticos facilita queda dos juros em breve

A inflação ao consumidor medida pelo IPCA ficou em 0,23% em maio, abaixo das expectativas de analistas. Confirmam-se os sinais positivos recentes que devem levar o Banco Central a iniciar um ciclo de cortes de juros em breve.

A variação do índice em 12 meses caiu a 3,94%, menor patamar desde outubro de 2020. Trata-se de melhora expressiva ante os 11,73% acumulados em período correspondente de um ano atrás.

O resultado decorre de uma combinação de queda de cotações de matérias-primas no atacado, barateamento de combustíveis e reversão de altas em bens industriais. A valorização do real ante o dólar contribuiu para esse processo.

A deflação de 7,55% no atacado em 12 meses, segundo o IPA-M da FGV, não deve tardar a ser transmitida mais amplamente para os consumidores. Com o mercado de trabalho estável, a pressão menor sobre preços de artigos essenciais propiciará um bom alívio para a renda das famílias neste ano.

Mesmo a reversão de parcela dos cortes de impostos sobre os combustíveis —promovidos com objetivo eleitoreiro nos últimos meses do governo Jair Bolsonaro (PL)— não deve alterar essa dinâmica.

Mais importante para a definição da política monetária é a evolução dos preços de serviços, que sempre mostram maior inércia e são mais correlacionados com a gestão econômica doméstica.

Nessa frente, ainda há razões para preocupação —as várias medidas do chamado núcleo da inflação se mantêm entre 5% e 6% anuais. Entretanto a leitura de maio do IPCA dá pistas de que também nesse setor se pode esperar uma melhora nos próximos meses.

Para tanto contribuiu a definição e a perspectiva de aprovação de uma nova regra fiscal. Embora o modelo proposto não seja suficiente para conter o avanço da dívida pública, ao menos foi reduzido o risco de descontrole de gastos, o que ajudou a valorizar o real e derrubar os juros futuros.

Com a safra de notícias mais favoráveis, que o BC deve reconhecer, o mercado já antevê juros de um dígito até meados do próximo ano.

É um progresso e tanto, cuja continuação depende de paciência, consistência e perseverança nas ações do governo. Será importante, nesse contexto, evitar o caminho equivocado de revisar para cima as metas de inflação, como chegou a sugerir o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Melhor que seja mantido o objetivo de 3% para o horizonte 2024-26, o que poderá reduzir expectativas de inflação e facilitar o trabalho da autoridade monetária.

Tensão colombiana

Folha de S. Paulo

Em meio a escândalo e obstáculos, Petro insiste em discurso persecutório

O regime presidencialista exige que o Executivo submeta suas propostas ao Legislativo e, caso o partido no governo não tenha maioria para aprová-las, é crucial formar coalizões. Não basta vencer eleições, é preciso buscar governabilidade.

Com o fenômeno da polarização política, presidentes da América do Sul, hoje majoritariamente de esquerda, têm encontrado obstáculos maiores nessa seara.

Na Colômbia, Gustavo Petro, primeiro esquerdista eleito para o comando do país, não apenas tem tido trabalho hercúleo para aprovar suas propostas como agora se vê enredado em um caso rocambolesco envolvendo abuso de poder e denúncias de corrupção de aliados.

Seu governo tem projetos para mudar regulações trabalhistas, previdenciárias, da Justiça e do sistema de saúde, mas não consegue obter apoio suficiente. O escândalo recente agrava esse quadro.

No domingo (4), vieram à tona áudios supostamente enviados pelo coordenador da campanha eleitoral de Petro e depois embaixador na Venezuela, Armando Benedetti, a Laura Sarabia, ex-chefe de gabinete da Presidência —ambos acabaram de perder os cargos.

O diplomata teria ameaçado revelar um financiamento ilegal na campanha de 15 bilhões de pesos (cerca de R$ 17 milhões) caso suas demandas não fossem atendidas.

Petro afirma que sua campanha foi legal, enquanto incita protestos populares a seu favor, como já havia feito para aprovar a reforma da saúde —o que contribui para a turbulência política e a polarização.

Ademais, diz-se perseguido pelo Judiciário e usa a temerária expressão "golpe brando" para se referir a investigações judiciais. Em comentário sobre o procurador-geral da República, Francisco Barbosa, a quem trata como adversário, afirmou ser "o chefe de Estado, portanto, chefe dele".

A aprovação de sua gestão, iniciada em agosto do ano passado, passou de 50% em novembro para 34% em maio, segundo uma pesquisa de opinião local.

Na quarta-feira (7), políticos de diversos países divulgaram um manifesto de apoio a Petro e sua tese do golpe moderado, que uniria instituições de Estado e conglomerados de mídia contra as reformas do governo. A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, esteve entre os signatários do documento.

A surrada denúncia de conspirações pouco deve contribuir para a agenda da esquerda continental, que em países como Colômbia, Chile e Brasil conquistou o poder sem que necessariamente houvesse uma adesão majoritária do eleitorado e dos partidos a suas teses.

Cultura do sigilo

O Estado de S. Paulo

Câmara, Senado e STF, ao negarem acesso às imagens do 8 de Janeiro, depreciam o direito constitucional à informação. Cada autoridade acha que, no seu caso, vale a exceção do sigilo

No dia 21 de abril, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou a quebra do sigilo das imagens do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) relativas à invasão do Palácio do Planalto no 8 de Janeiro. Segundo a decisão, “inexiste sigilo das imagens, com base na Lei de Acesso à Informação (LAI, Lei 12.527/2011), sobretudo por serem absolutamente necessárias à tutela jurisdicional dos direitos fundamentais e ao regime democrático e republicano”.

Após essa decisão, no dia 24 de abril, o Estadão solicitou, por meio da LAI, acesso à íntegra das gravações de todas as câmeras internas e externas do STF, do Senado e da Câmara. No entanto, os três órgãos rejeitaram o pedido do jornal.

Citando resoluções internas e o art. 23 da LAI, que trata das informações imprescindíveis à segurança da sociedade e do Estado, a Câmara e o Senado alegaram que a publicação das imagens poderia comprometer as investigações em andamento sobre o 8 de Janeiro, bem como a segurança das Casas Legislativas.

Após descumprir o prazo de resposta de 30 dias disposto na LAI, o STF respondeu, por meio da assessoria de imprensa, negando acesso às imagens. Segundo a nota do tribunal, seria informação protegida, disciplinada pela Resolução n.º 657/2020, sobre a segurança da Corte.

Os argumentos utilizados pelo STF, pelo Senado e pela Câmara para indeferir o pedido do jornal são semelhantes aos que haviam sido alegados pelo GSI – e que já foram rebatidos na decisão de Alexandre de Moraes de 21 de abril. Segundo o ministro, não se caracteriza a hipótese excepcional de sigilo, “não sendo possível, com base na LAI, a manutenção da vedação de divulgação de todas – absolutamente todas – as imagens verificadas na ocasião do nefasto e criminoso atentado à democracia e ao Estado de Direito, ocorrido em 08/1/23”.

O acesso à informação dos órgãos estatais é um direito constitucional. “Todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”, diz a Constituição, no art. 5.º, XXXIII.

No entanto, como se observa nas negativas do STF, da Câmara e do Senado, trata-se de um direito que ainda não é muito respeitado. Utiliza-se a exceção do sigilo para negar o acesso à informação, mesmo quando um ministro do Supremo já afirmou que o caso não se enquadra nas hipóteses excepcionais de acesso restrito.

A Constituição veio assegurar um princípio fundamental do Estado Democrático de Direito, a transparência. Os dados obtidos pelo aparato estatal, seja qual for sua esfera, não são do Estado. Regra geral, eles são de acesso público, devendo ser disponibilizados quando solicitados. Trata-se de consequência necessária do regime democrático. A informação não pertence ao Estado, como se ele pudesse decidir de forma discricionária o que mostra e o que esconde, mas à sociedade. A plena transparência do funcionamento estatal é condição para o exercício da cidadania.

No entanto, mesmo com o direito ao acesso à informação previsto na Constituição e devidamente regulamentado pelo Congresso em 2011 com a LAI, o fato é que a cultura do sigilo continua dominante. O próprio Alexandre de Moraes, que determinou a quebra do sigilo das imagens do GSI, é reticente em liberar o acesso a diversos inquéritos sob sua relatoria sobre fake news contra o STF, ameaças antidemocráticas e os atos do 8 de Janeiro. Parece que cada autoridade considera que, no seu caso específico, deve valer a exceção do sigilo, e não a regra geral da transparência.

Para quem ocupa cargo público, é sempre mais incômodo, não há dúvida, o exercício do poder à luz do dia, permitindo o controle pela sociedade. Por isso, exatamente porque haveria resistência à transparência, a Constituição estabeleceu o direito à informação. E é parte essencial da proteção da democracia defender esse direito, em todas as esferas.

Lula quer a imprensa no cercadinho

O Estado de S. Paulo

O presidente mobilizou sua equipe de segurança para dificultar o livre trabalho de jornalistas profissionais e independentes. Eis a índole daquele que veio para ‘salvar a democracia’ no País

Em menos de seis meses de governo, o presidente Lula da Silva, aquele que supostamente veio para “salvar a democracia” no País e resgatar a decência no exercício da Presidência da República, tem revelado a mesma hostilidade visceral ao trabalho da imprensa profissional e independente que seu antecessor no cargo, Jair Bolsonaro. Para fugir de perguntas após solenidades no Palácio do Planalto, mas não só lá, Lula tem mobilizado sua equipe de segurança, formada por policiais federais e agentes do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), para cercar jornalistas, literalmente, e dificultar o acesso desses profissionais a ele e a outras autoridades, mesmo após o término dos eventos oficiais.

A ojeriza de Lula à liberdade de imprensa é uma velha conhecida dos jornalistas que honram o ofício, ou seja, aqueles que não se deixam seduzir pela parolagem dos poderosos de turno e se põem diante deles com firmeza e coragem para fazer as perguntas incômodas. Mas havia a expectativa, alimentada pelo próprio Lula enquanto candidato, de que, superado o insalubre período do governo Bolsonaro, o presidente retomaria uma relação mais civilizada com os jornalistas. Em geral, não é o que tem sido visto. Lula se mostra disponível para responder às perguntas quando e de quem ele quer, como se não estivesse obrigado pela Constituição a governar com transparência quase absoluta.

Jornalistas são tolhidos no exercício da profissão pelas mais diversas maneiras – e não é de hoje. Mas, não custa lembrar, a violência maior no cerco à imprensa é sempre cometida contra a sociedade, que, ao fim e ao cabo, se vê privada das informações que governantes preferem manter ao abrigo da luz.

Nem Lula nem qualquer presidente, antes ou depois dele, têm o direito de limitar o trabalho da imprensa, seja da forma que for. A transparência no exercício do múnus público é uma obrigação constitucional que pesa sobre os ombros de qualquer servidor ou mandatário. Quem não está disposto a carregar o fardo do escrutínio incessante – ainda que firme, jamais malcriado –, que nem se aventure a ingressar no serviço público ou a disputar uma eleição. Além de se tratar de garantias asseguradas pela Lei Maior, transparência e liberdade de imprensa são atributos comezinhos do regime democrático. Voltar-se contra eles costuma ser bastante revelador sobre a alma liberticida que habita nos democratas de fancaria.

Jornalistas não são gado para serem contidos por grades, sejam elas físicas ou simbólicas. O desatino desse cercadinho imposto por Lula, do qual o País parecia estar livre passada a eleição, pôde ser testemunhado após a cúpula de presidentes da América do Sul, realizada no Palácio Itamaraty há poucos dias. Terminada a reunião, um grupo de jornalistas tentou se aproximar do ditador venezuelano, Nicolás Maduro, e foi brutalmente contido por seus jagunços, especializados em repelir jornalistas que ousam questionar o caudilho, e por agentes brasileiros. Na confusão, a jornalista Delis Ortiz, da TV Globo, foi agredida com um soco no peito desferido, segundo ela, por um agente a serviço do GSI. Mais que um absurdo, um crime que há de ser rigorosamente apurado.

A contenção é direcionada aos jornalistas. Isso fica comprovado quando se nota que o cercadinho, montado pelo GSI a pretexto de “proteger” as autoridades durante as solenidades oficiais, não impede, ora vejam, que blogueiros simpáticos ao governo, militantes petistas e apoiadores do presidente se aproximem tanto de Lula como da primeira-dama Janja da Silva e de ministros de Estado para cumprimentá-los e tirar fotos.

Não é de agora que o PT e Lula, em particular, são obcecados pela ideia de uma imprensa encabrestada. Volta e meia os petistas regurgitam seu plano de instituir no País o que chamam de “controle social da mídia”, um eufemismo nada sutil para censura. O partido jamais lidou bem com a liberdade de imprensa. O sonho dos petistas é um jornalismo sabujo, achado no chão. Bem, no que depender deste jornal, jamais o terão.

À espera de punição exemplar

O Estado de S. Paulo

Enquanto a Lei das S.A. será de novo alterada, CVM torna réu o mensageiro do rombo da Americanas

O Ministério da Fazenda enviará em breve à Câmara projeto de alteração da Lei das Sociedades por Ações, a Lei das S.A. De acordo com o Valor, a proposta visa a ampliar, com base em medidas de fiscalização e punição, a possibilidade de ressarcimento aos acionistas minoritários e debenturistas de empresas de capital aberto prejudicados por atos danosos de seus administradores e controladores.

É inevitável estabelecer relação imediata entre a medida e o caso da Americanas, o mais recente escândalo financeiro a abalar o universo do mercado acionário – e, por extensão, todo o País, que acompanhou perplexo a comunicação de um rombo estimado então em R$ 20 bilhões, feita pelo executivo Sérgio Rial, que naquele 11 de janeiro ocupava havia apenas nove dias a cadeira de presidente da empresa.

Rial chamou de “inconsistências em lançamentos contábeis” o buraco encontrado na contabilidade da Americanas e, ato contínuo, renunciou ao cargo. Parece ironia que, cinco meses depois, o executivo tenha se tornado o primeiro réu na investigação que tramita na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) sobre o caso.

A CVM entendeu que ele infringiu o parágrafo 1.º do artigo 155 da Lei das S.A. por ter comunicado de maneira imprecisa o rombo e por ter realizado uma teleconferência de acesso restrito para tentar explicar a situação que encontrara na Americanas. Rial acompanhou, de forma remunerada, a rotina da empresa desde que foi indicado ao cargo, em agosto do ano passado, mas sua meteórica e espetacular passagem como CEO começou em 2 de janeiro.

Ainda não é o desfecho do caso, obviamente, mas não deixa de provocar uma enorme frustração esse primeiro resultado apresentado pela CVM para um caso que unificou os meios jurídico e financeiro no apelo a uma punição exemplar. Sob enorme suspeita de fraude envolvendo administradores e acionistas controladores, o caso da Americanas deveria se tornar um divisor de águas.

E aí cabe questionar se o que o País precisa é de mais leis ou do simples cumprimento efetivo das leis já existentes. É claro que a dinâmica acelerada do mercado exige constantes atualizações regulatórias – até bem pouco tempo não existiam, por exemplo, as fintechs, o mercado de criptomoedas e os influenciadores digitais. A antiquada Lei das S.A. original, de 1976, foi modernizada em 2007, num processo amplamente elogiado por todo o mercado acionário. A partir daí vem sofrendo um sem-número de alterações, como o Marco Legal das Startups, de 2021, e mesmo as regras transitórias criadas durante a pandemia de covid.

A mais recente proposta de alteração será, com certeza, bem-vinda. Mas a CVM ainda está devendo uma atuação digna da alcunha de xerife do mercado financeiro. Algo que a aproxime da atuação da poderosa e temida SEC, a Securities and Exchange Commission, sua congênere nos Estados Unidos. A começar pela transparência. As investigações da SEC podem ser acompanhadas pela internet, enquanto aqui uma muralha de sigilo protege os investigados. 

O eterno dilema da doação de sangue

Correio Braziliense

Não é raro vermos campanhas lideradas pelos bancos de sangue, que esperam sempre contar com a solidariedade da população para abastecer os estoques

Junho é o mês mundial da doação de sangue e, por isso, é chamado de "Junho Vermelho". No Brasil, 3,5 milhões de pacientes precisam de transfusões todos os anos, mas menos de 2% da população tem por hábito doar sangue, porcentagem inferior ao recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) - que é de, no mínimo, 3%.

Pode parecer clichê, mas o sangue realmente salva vidas. Transplantes de órgãos, atendimentos de emergência, transfusões (inclusive em pacientes oncológicos) e procedimentos cirúrgicos, salvando pacientes vítimas de acidentes, com quadro de anemia crônica, febre amarela e complicações da dengue. Enfim, ele é fundamental em várias etapas da vida humana e as equipes médicas dependem das doações para garantir o sucesso desses procedimentos considerados complexos.

Mas os desafios são grandes. Não é raro vermos campanhas lideradas pelos bancos de sangue, que esperam sempre contar com a solidariedade da população para abastecer os estoques, quase sempre baixos. Em determinados momentos - como feriados e dias em que as temperaturas caem - é mais difícil ainda pelo fato de as pessoas viajarem ou simplesmente não saírem de casa nos dias frios, ou ainda griparem, ficando impedidas de ir até um hemocentro para doar sangue.

Embora tão importante quanto, outro fator que reduz as doações é a imunização. Dependendo da vacina, o doador vai precisar de um tempo maior de intervalo para fazer a doação. Nem todo mundo sabe, mas o ato de doar sangue pode salvar até quatro vidas. Porém, no Brasil, há apenas 14 doadores regulares de sangue para cada 1 mil brasileiros.

O corpo humano tem, em média, cinco litros de sangue. Cada voluntário chega a doar cerca de 450 mililitros (ml). Parece muito, mas o corpo recupera o sangue doado em pouco tempo. Em geral, após 24 horas o doador está completamente recuperado e pode voltar a fazer exercícios e ter uma vida normal.

Os hemocomponentes do sangue são obtidos após a centrifugação. O sangue total é classificado em fresco e estocado. O fresco é aquele que foi coletado em até oito horas, mantido em temperatura ambiente. O concentrado de hemácias dura, em média, 35 dias. Já as plaquetas duram somente cinco dias depois do fracionamento em temperatura ambiente. Pelo fato de durarem pouco, muitas vezes são as mais necessárias. O plasma fica congelado e pode durar até um ano.

Considerado um procedimento simples, rápido e seguro, a doação de sangue elimina qualquer possibilidade de contaminação, já que nenhum material usado na coleta é reutilizado.

Para os especialistas na área de saúde, faltam políticas públicas, faltam hemocentros ou postos especializados, faltam também equipamentos e investimento em insumos. Enfim, sem uma cultura da doação de sangue que possa ser incorporada às práticas sanitárias de todos os estados brasileiros, fica cada vez mais difícil contar apenas com a solidariedade e o altruísmo de alguns poucos brasileiros.

 

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