Folha de S. Paulo
Empresa acusa antiga diretoria; polícia e
CPI têm de ir fundo nessa história mal contada
Os advogados e a
nova direção da Americanas acusaram diretores e outros executivos da empresa
até 2022 de formação de quadrilha, grosso modo. A cúpula da varejista
inventaria descontos na compra de mercadorias, ocultaria dívidas, falsificaria
o cálculo do endividamento relativo, forjaria documentos e publicaria números
mentirosos de resultado, mentira que teria passado da casa de R$ 2,4 bilhões em
2021, por exemplo, no caso do lucro.
A mutreta teria contado com a anuência de auditores externos e mesmo de bancos. O conselho de administração e os ditos acionistas de referência, Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira não são envolvidos no rolo segundo essa explicação parcial e, note-se, ainda não auditada.
Essa é a versão da atual direção da
empresa, apresentada
nesta terça-feira (13) em documentos oficiais e, em parte, para a CPI
da Americanas, na Câmara, pelo atual diretor-presidente da companhia, Leonardo
Coelho Pereira.
A
história é ainda muito confusa mesmo para quem entende de balanços e,
mais especificamente, balanços de varejistas. Não há a versão da defesa dos
acusados, jogados às feras, sem mais nem menos.
Além disso, ainda não é nem mesmo a
história que está sendo levantada por um comitê independente de investigação
contratado pelo conselho de administração. Talvez mais importante, não é uma
história conclusiva e derivada de uma investigação completa de polícia,
Comissão de Valores Mobiliários, Ministério Público e da CPI da Câmara. Se o
trabalho for bem feito, em particular por uma CPI que dispense show demagógico
e incompetente contra "bilionários", melhor ainda.
Não quer dizer que bilionários não devam
entrar na dança ou mesmo na cadeia, óbvio. Mas é preciso usar os amplos
recursos oficiais de investigação a fim de produzir provas fundamentadas, a fim
de evitar falhas de processo, facilidades para a chicana da defesa de eventuais
criminosos e até futuras descondenações, por assim dizer.
Deveria ser uma obviedade. Porém, é
possível contar nos dedos quantos são os condenados por crimes financeiros. A cadeia,
não raro sem devido processo, aliás, é muita vez reservada para pobres e pretos
que furtam merrecas, por vezes apenas para comer, ou garotos pegos com
trouxinha de maconha. Vez e outra, a prisão é feita com corda no pescoço ou
numa versão atual do pau de arara.
Vamos ver batida em casa de fraudador
bilionário de empresa, mercado e trabalhadores? Perto da fraude da Americanas,
o dinheiro achado em fundilhos, malas e cofres de políticos e de seus amigos
vira troco de pinga. Em valores, até a
roubança pública da Petrobras empalidece diante da roubança privada da
Americanas.
Além de esclarecer o caso específico, todas
essas investigações deveriam servir para que se estabeleça que tipo de mumunha
pode ser criada na confecção de balanços, não apenas desta varejista na lama.
Acionistas, fornecedores e trabalhadores de quantas empresas mais estão sendo
fraudados, em maior ou menor escala? Há um modus operandi? Tem lei para mudar?
Penas para aumentar?
Ao menos pelo que diz a Americanas
"sob nova administração", executivos, auditores e instituições
financeiras podem maquiar
desde textos e fraseados de balanços ao balanço propriamente dito, para nem
falar de meras notas de operações comerciais. Em algumas situações flagradas,
publica-se uma errata e queima-se o filme, mas "vamos em frente",
"business as usual".
O fato em tela é o caso da Americanas. Se as investigações forem fundo nessa história, de modo competente, já seria um avanço. Mas os investigadores podem ir além e passar a limpo o ainda inefável mundo dos balanços.
E quem vive de rachadinha?
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