O Globo
Estamos a repetir fórmulas do passado que
fracassaram, com estímulos setoriais e regionais, enquanto deveríamos cuidar da
educação e da produtividade
Há uma brincadeira entre economistas de
que, quando se faz previsões para o governo Lula, é preciso acrescentar o fator
“sorte”. Esse chiste surgiu pelo fato de os dois mandatos anteriores do
presidente terem se beneficiado bastante do quadro externo.
Sem dúvida, o ciclo mundial na primeira década deste século foi excepcional. A entrada da China na OMC, no final de 2001, impulsionou o comércio mundial, que passou a crescer a um ritmo de 7% ao ano, produzindo a valorização das commodities, o que beneficiou bastante o Brasil.
Posteriormente, a crise global de 2008-09 beneficiou relativamente os países emergentes, que não estavam no epicentro do colapso. Diferentemente de crises externas anteriores, ela teve natureza desinflacionária, permitindo a adoção de estímulos econômicos.
Foi a deixa para o forte ativismo do
governo, por meio de expansão fiscal e creditícia, em meio ao relaxamento
monetário. O resultado foi o crescimento, em parte artificial, de 7,5% do PIB
em 2010, elemento-chave para a eleição de Dilma.
O quadro internacional atual pode não ser
tão benigno como no passado, mas não há do que se queixar. O crescimento
mundial morno ajuda na contenção da inflação, no mundo e aqui — vide a
descompressão da inflação no atacado —, o que fortalece o cenário de corte de
juros pelo Banco Central em breve.
Ao mesmo tempo, dá-se sustentação ao
comércio mundial. E a desaceleração da China pouco afeta o consumo das
famílias, o que ajuda a agropecuária brasileira.
Internamente, o governo começa com
surpresas na atividade econômica, em grande medida por conta do desempenho da
agropecuária, com alta de 21,6% no seu PIB no primeiro trimestre em relação ao
trimestre anterior, contribuindo com cerca de 1,5 ponto percentual na alta de
1,9% do PIB total. Trata-se do melhor início de governo no passado
recente, reforçando a fama de sortudo de Lula.
Enquanto isso, o PIB da indústria caiu 0,1%
e dos serviços subiu apenas 0,6%, o que poderia ter sido pior, não fosse os
ganhos indiretos vindos do agro.
O presidente não colherá todos os frutos
políticos do bom momento da economia, pois as regiões mais dinâmicas, do agro,
têm maior participação de eleitores fiéis a Bolsonaro.
Esse não é um quadro que vai se alterar
facilmente, pois dependeria de políticas públicas mais acertadas. O gráfico a
seguir mostra a dinâmica do PIB agro vis-à-vis o restante da economia.
O agro tem tido ganhos de produtividade
muito acima dos demais setores (taxa média de 5,5% ao ano entre 1995-2022, ante
0,2% de serviços e -0,4% da indústria*), sendo a elevada exposição à
concorrência internacional um incentivo à modernização e à inovação.
Isso em meio a um quadro de uso menos
intensivo de mão de obra — a baixa qualidade do capital humano prejudica a
produtividade da economia — e de menor impacto da cumulatividade e da
complexidade tributária no setor. Cabe lembrar que o grande sucesso do agro
dependerá cada vez mais do cuidado com o meio ambiente.
A diferença entre os setores produz
desigualdades regionais. Nos últimos 20 anos, o Centro-Oeste cresceu 90% e o
Nordeste, 54%. Já nos últimos dez anos, 21% e 6%, respectivamente. Nesse
período marcado por duas recessões, as regiões agroexportadoras exibiram
resiliência, sofrendo menos com as oscilações da demanda interna.
Nordeste e Centro-Oeste foram submetidos a
políticas públicas bastante distintas. No Nordeste, foram feitos subsídios à
manufatura, que remontam à criação da Sudene, apesar das limitações de capital
humano, mercado consumidor e insumos. O Centro-Oeste, contando com as pesquisas
da Embrapa para o cultivo de grãos, pôde desenvolver suas vantagens potenciais.
Estamos, porém, a repetir fórmulas do
passado que fracassaram, com estímulos setoriais e regionais, enquanto
deveríamos cuidar da educação e da produtividade.
Que possamos contar com a sorte.
(*) Observatório da Produtividade Regis
Bonelli.
Muito bom o artigo.
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