quarta-feira, 21 de junho de 2023

Zeina Latif - Tudo a seu tempo

O Globo

A perseverança do BC atenuou os riscos inflacionários, o que se reflete também na queda das expectativas de inflação

O nível de incertezas em relação ao cenário econômico se reduziu desde a eleição de Lula, após as muitas ameaças de retrocesso em avanços de governos passados. O céu não é de brigadeiro, longe disso, mas tensões foram aliviadas.

Até o cenário internacional desanuviou. Havia grande preocupação com a inflação elevada no mundo, temores de um longo ciclo de alta de juros pelo Fed e de recessão nos EUA, e posteriormente, a quebra de instituições financeiras causou sobressaltos. O quadro mudou.

O arcabouço fiscal, apesar de não convencer analistas quanto à volta dos superávits primários, reduziu o temor de descontrole das contas públicas, que fora alimentado pela PEC da transição, ao esticar em demasia o aumento de gastos.

Ao mesmo tempo, os Poderes contribuem para conter riscos. O Judiciário acena com decisões para elevar a arrecadação – algo não necessariamente bom para o ambiente de negócios –, enquanto o Congresso limita o retrocesso em relação às reformas aprovadas.

Há também a materialização de esforços do passado. Nos últimos anos, o comportamento do PIB tem surpreendido positivamente.

Há razões para acreditar que o potencial de crescimento do país aos poucos se recupera, impulsionado por acertos na política econômica desde 2016, principalmente as reformas estruturais. Não por acaso, as estimativas do mercado para o crescimento do PIB no longo prazo estão na casa de 2%, um avanço em relação ao passado recente.

A surpresa com o PIB do primeiro trimestre, ainda que puxado pela agropecuária, mostra uma maior resiliência da economia, o que abriu o caminho para a mudança de perspectiva da nota de crédito do país pela S&P.

Dos muitos indicadores avaliados pelas agências de rating, o crescimento econômico (e o PIB per capita) tem papel central, enquanto indicadores fiscais, ainda que muito importantes, não têm o enorme peso imaginado — tampouco o arcabouço fiscal tem as características para mudar o jogo.

Vale lembrar que o crescimento do PIB acaba favorecendo as contas públicas, pois contribui para o aumento da arrecadação e a redução de despesas, como as de seguro-desemprego ou aquelas associadas a serviços públicos que são substituídos pelo setor privado. Indiretamente, beneficia os indicadores medidos como proporção do PIB (déficit, dívida).

A menor percepção de risco por parte de investidores e o aumento do potencial de crescimento econômico são boas notícias para o BC, pois reduzem o risco inflacionário.

Já a inflação, seu recuo recente é mais do que bem-vindo. Ainda que o pior tivesse ficado para trás, com a descompressão no mercado global de commodities, havia razões para a cautela. Primeiro porque o repasse da desinflação no atacado ao consumidor ocorria de forma muito lenta, em um contexto de margens deprimidas no varejo, decorrentes de pressões de custo nos anos anteriores.

Segundo, a inflação de serviços estava muito teimosa, em meio a maiores reajustes salariais e medidas do governo que estimulam o consumo.

Terceiro, o comportamento da taxa de câmbio, descolado do que seria o esperado, refletia os ruídos da política e o risco de leniência fiscal. Tudo isso em um quadro de descolamento das expectativas de inflação em relação às metas, causado pelo governo, o que poderia intensificar o repasse de pressões de custos ao consumidor.

A perseverança do BC atenuou os riscos inflacionários, o que se reflete também na queda, ainda que modesta, das expectativas de inflação para o médio e longo prazo.

Abre-se, assim, a porta para o início do corte de juros. O comportamento da economia mostra que o remédio aplicado (juros) tem funcionado, considerado o tempo necessário para fazer efeito. E a redução das incertezas aumenta a confiança do BC nos modelos de projeção de inflação, que apontam para sua queda, dando mais segurança para uma reorientação da política monetária.

Quanto ao timing para iniciar o corte de juros, isso depende do julgamento do BC quanto a ser ou não adequado surpreender os mercados e iniciar o corte agora, sem ter feito sinalização para isso. Não dá para descartar surpresas. Seria uma forma de indicar sua confiança na estratégia de relaxamento, em meio a novos elementos no cenário, dentro e fora do país.

Mas o mais importante é saber quão longe irá o corte de juros, um jogo ainda a ser jogado. Dependerá das escolhas do governo, não do BC.

 

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