O Globo
A perseverança do BC atenuou os riscos
inflacionários, o que se reflete também na queda das expectativas de inflação
O nível de incertezas em relação ao cenário
econômico se reduziu desde a eleição de Lula, após as muitas ameaças de
retrocesso em avanços de governos passados. O céu não é de brigadeiro, longe
disso, mas tensões foram aliviadas.
Até o cenário internacional desanuviou.
Havia grande preocupação com a inflação elevada no mundo, temores de um longo
ciclo de alta de juros pelo Fed e de recessão nos EUA, e posteriormente, a
quebra de instituições financeiras causou sobressaltos. O quadro mudou.
O arcabouço fiscal, apesar de não convencer analistas quanto à volta dos superávits primários, reduziu o temor de descontrole das contas públicas, que fora alimentado pela PEC da transição, ao esticar em demasia o aumento de gastos.
Ao mesmo tempo, os Poderes contribuem para
conter riscos. O Judiciário acena com decisões para elevar a arrecadação – algo
não necessariamente bom para o ambiente de negócios –, enquanto o Congresso
limita o retrocesso em relação às reformas aprovadas.
Há também a materialização de esforços do
passado. Nos últimos anos, o comportamento do PIB tem surpreendido
positivamente.
Há razões para acreditar que o potencial de
crescimento do país aos poucos se recupera, impulsionado por acertos na
política econômica desde 2016, principalmente as reformas estruturais. Não por
acaso, as estimativas do mercado para o crescimento do PIB no longo prazo estão
na casa de 2%, um avanço em relação ao passado recente.
A surpresa com o PIB do primeiro trimestre,
ainda que puxado pela agropecuária, mostra uma maior resiliência da economia, o
que abriu o caminho para a mudança de perspectiva da nota de crédito do país
pela S&P.
Dos muitos indicadores avaliados pelas
agências de rating, o crescimento econômico (e o PIB per capita) tem papel
central, enquanto indicadores fiscais, ainda que muito importantes, não têm o
enorme peso imaginado — tampouco o arcabouço fiscal tem as características para
mudar o jogo.
Vale lembrar que o crescimento do PIB acaba
favorecendo as contas públicas, pois contribui para o aumento da arrecadação e
a redução de despesas, como as de seguro-desemprego ou aquelas associadas a
serviços públicos que são substituídos pelo setor privado. Indiretamente,
beneficia os indicadores medidos como proporção do PIB (déficit, dívida).
A menor percepção de risco por parte de
investidores e o aumento do potencial de crescimento econômico são boas
notícias para o BC, pois reduzem o risco inflacionário.
Já a inflação, seu recuo recente é mais do
que bem-vindo. Ainda que o pior tivesse ficado para trás, com a descompressão
no mercado global de commodities, havia razões para a cautela. Primeiro porque
o repasse da desinflação no atacado ao consumidor ocorria de forma muito lenta,
em um contexto de margens deprimidas no varejo, decorrentes de pressões de
custo nos anos anteriores.
Segundo, a inflação de serviços estava
muito teimosa, em meio a maiores reajustes salariais e medidas do governo que
estimulam o consumo.
Terceiro, o comportamento da taxa de
câmbio, descolado do que seria o esperado, refletia os ruídos da política e o
risco de leniência fiscal. Tudo isso em um quadro de descolamento das
expectativas de inflação em relação às metas, causado pelo governo, o que
poderia intensificar o repasse de pressões de custos ao consumidor.
A perseverança do BC atenuou os riscos
inflacionários, o que se reflete também na queda, ainda que modesta, das
expectativas de inflação para o médio e longo prazo.
Abre-se, assim, a porta para o início do
corte de juros. O comportamento da economia mostra que o remédio aplicado
(juros) tem funcionado, considerado o tempo necessário para fazer efeito. E a
redução das incertezas aumenta a confiança do BC nos modelos de projeção de
inflação, que apontam para sua queda, dando mais segurança para uma
reorientação da política monetária.
Quanto ao timing para iniciar o corte de
juros, isso depende do julgamento do BC quanto a ser ou não adequado
surpreender os mercados e iniciar o corte agora, sem ter feito sinalização para
isso. Não dá para descartar surpresas. Seria uma forma de indicar sua confiança
na estratégia de relaxamento, em meio a novos elementos no cenário, dentro e
fora do país.
Mas o mais importante é saber quão longe
irá o corte de juros, um jogo ainda a ser jogado. Dependerá das escolhas do
governo, não do BC.
Então tá!
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