O Globo
Isso acontecerá quando ele descer do
palanque
Lula exagerou
na dose quando chutou o balde ao atacar as restrições que a União Europeia quer
impor a compras de produtos agropecuários da Amazônia e
do Cerrado brasileiro. As restrições foram concebidas para um país que tinha
uma diplomacia inerte. Países se relacionam com países, não com governos. Até
as pedras sabiam que um boicote às exportações de grãos e carnes estava na
esquina, e o governo de Pindorama prestigiava, por palavras e atos, a facção
agrotroglodita de seu empresariado.
Desde agosto do ano passado sabia-se que os
grãos e a carne brasileira poderiam vir a sofrer restrições para entrar na
Europa. Tratava-se, entre outras coisas, de antecipar de 2030 para 2025 a meta
de desmatamento zero no Cerrado, de onde sai o grosso das exportações de grãos.
Saiu uma recomendação para que, a partir de 2024, não se comprem produtos
colhidos em áreas desmatadas depois de 2020.
Se esse assunto for entregue a um terceiro-secretário recém-formado pelo Instituto Rio Branco, ele entregará em poucos dias uma planilha capaz de orientar uma negociação para desfazer o enrosco. Se o assunto ficar como está, na pura marquetagem, os interesses do outro lado, comovidos, agradecerão.
Dizer que o Brasil protege suas matas é
repetir o discurso de Bolsonaro, copidescado pelo tenente-coronel Mauro Cid.
Denunciar o gesto da União Europeia como protecionismo, além de chover no
molhado, legitima artificialmente o pleito de quem busca a proteção. A soja
francesa é bastante subsidiada, e é mais fácil recolocar os Bourbons em
Versalhes do que levar um presidente francês a brigar com seus agricultores. O
problema é que, mesmo subsidiada, falta competitividade internacional a essa
produção.
O negociador brasileiro pode escolher dois
caminhos. No primeiro, Bolsonaro e Lula (até agora) cantaram o Hino Nacional.
Como lá os hinos são outros, o efeito será nulo. O outro é baixar a bola,
começando a conversar.
Na sua passagem por Paris, Lula disse que
“não é possível que haja uma carta adicional fazendo ameaças a um parceiro
estratégico”. Possível é, tanto que elas estão aí. Também é possível
negociá-las, mas isso deve ser feito numa mesa, não num palanque.
Na União Europeia, como no Brasil, a defesa
do meio ambiente está na agenda política dos governantes. O governo de
Bolsonaro não disse uma só palavra enquanto a ameaça estava no forno. O governo
de Lula nada tem a ver com seu discurso, e não se conversa com a linguagem
usada até agora.
Não há dúvida de que o agronegócio
brasileiro (noves fora os agrotrogloditas) pode se entender com a União
Europeia. É apenas questão de tempo. Lula poderia ter começado a tratar desse
assunto na sua viagem à COP27, realizada no ano passado no Egito. Não há registro de
que isso tenha acontecido. Nos dias em que lá esteve, reiterou seu compromisso
com o meio ambiente.
O discurso neobolsonaresco dos últimos
meses é um tiro no pé, pois, a partir dele, qualquer concessão parecerá recuo,
e limitações estão implícitas na própria plataforma eleitoral do atual governo.
O Itamaraty e o agronegócio brasileiro têm
quadros suficientes para se sentar com os europeus em busca de um acordo. A
conta do impasse não é de Lula, a menos que ele atravesse a rua para escorregar
nele.
Muito bom.
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