Valor Econômico
Presidente da Corte aposenta-se no dia 28
de setembro
Cinquenta e oito dias separam o fim do
recesso do Judiciário e a aposentadoria da presidente do Supremo Tribunal
Federal, ministra Rosa Weber, no dia 28 de setembro. Se tudo correr como o
planejado no STF, será um período intenso, com uma lista de julgamentos que
inclui a descriminalização do uso pessoal de drogas e do aborto, a
implementação da figura do juiz de garantias e o marco temporal para a
demarcação de terras indígenas.
Uma pauta que desperta paixões. O julgamento sobre a implementação do juiz de garantias, por exemplo, deve marcar, na prática, a estreia do ministro Cristiano Zanin, além de mobilizar garantistas e lava-jatistas.
Atualmente, no Brasil, o mesmo juiz atua em
todas as fases do processo. Essa nova figura, por sua vez, ficaria
exclusivamente responsável pela etapa de instrução. A sentença, de absolvição
ou condenação, estaria a cargo de outro magistrado.
Os defensores do instituto acreditam que
ele pode reduzir o risco de o juiz ficar com um olhar “enviesado”, o que é
rechaçado pelo grupo oposto. Pesa contra a ideia o custo de ampliar a estrutura
do Poder Judiciário, embora o pano de fundo da divergência seja também
ideológico.
Sua implementação está prevista em lei
sancionada em 2019 pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no escopo do chamado
Pacote Anticrime, mas ela foi suspensa por uma liminar do ministro Luiz Fux.
Após longo período em alguma gaveta do STF, o caso começou a ser julgado no primeiro
semestre deste ano. Mas foi adiado novamente depois de um pedido de vista do
ministro Dias Toffoli. Retornará à pauta no dia 9 de agosto, poucos dias depois
da posse de Zanin.
Não é o único assunto polêmico à vista.
Está prevista a retomada do julgamento que pode resultar na descriminalização
do porte de drogas para consumo pessoal no Brasil.
O caso começou a ser analisado em 2015, mas
acabou adiado por um pedido de vista. Três ministros do STF já votaram pela
descriminalização.
Outro processo que pode avançar na pauta é
a questão discutida na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental
proposta pelo Psol em 2017, a ADPF 442, em que o partido defende a
descriminalização do aborto com consentimento da gestante nos primeiros três
meses de gestação. A ministra Rosa Weber é a relatora do caso, e o levou
consigo quando assumiu a presidência. Uma demonstração da importância que dá à
questão, a qual, para a bancada evangélica, deveria ser discutida no Congresso.
Em outra frente, ela não abre mão de votar
no julgamento do marco temporal para demarcação de terras indígenas, tema
sensível para o agronegócio e também para os defensores das comunidades
tradicionais.
Ao longo do tempo, a presidente do STF deu
várias demonstrações de compromisso com a causa indígena. Em março, por
exemplo, visitou uma aldeia no Vale do Javari, Amazonas, e prometeu pautar a
ação sobre o marco temporal. Nesta quarta-feira (19), lança a primeira tradução
oficial da Constituição Federal em língua indígena. Já foi até convidada por lideranças
para passar um tempo com uma comunidade depois de se aposentar.
É de se esperar, contudo, que não deixe de
contemplar a situação dos pequenos agricultores que porventura tenham adquirido
terras posteriormente reconhecidas como território indígena. Isso não exclui a
possibilidade, por outro lado, de haver discussão em plenário sobre o método de
indenização dessas pessoas.
O julgamento do marco temporal foi
interrompido antes do recesso por um pedido de vista do ministro André
Mendonça, logo após Alexandre de Moraes manifestar-se contra a tese defendida
por ruralistas e propor novos critérios para, em sua visão, tentar pacificar os
conflitos fundiários do país.
Para Moraes, não deve prevalecer a tese do
marco temporal, segundo a qual somente as terras ocupadas por indígenas na
época da promulgação da Constituição de 1988 podem ser demarcadas. Ele
ponderou, entretanto, que o Estado deve indenizar de maneira adequada quem, de
boa-fé, comprou as terras que devem ser reconhecidas como territórios indígenas.
O problema é que há uma discussão sobre a viabilidade constitucional de se
indenizar, além das benfeitorias, a própria terra.
Independentemente do resultado obtido nesta
reta final, Rosa já deixou um legado na Corte. É conhecida a sua vontade de ver
uma mulher na cadeira que hoje ocupa, a qual já foi um dia da ex-ministra Ellen
Gracie, apesar dos sinais contrários emitidos pelo Palácio do Planalto. Segundo
o “Anuário da Justiça de 2023”, ela foi a primeira juíza do trabalho de
carreira e a terceira mulher a ocupar o cargo de ministra do STF.
Sua trajetória foi marcada pela discrição e
por limitar-se a fazer manifestações processuais. Indicada pela ex-presidente
Dilma Rousseff, foi criticada por petistas no julgamento do mensalão e, também,
quando negou um habeas corpus para Luiz Inácio Lula da Silva. Por outro lado,
construiu um currículo caracterizado pela preocupação social e visão protetiva
do meio ambiente. É o perfil técnico que lhe permite tentar emplacar uma agenda
que, inevitavelmente, mexerá com as sensibilidades do Congresso e de segmentos
da sociedade.
Muito bom.
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