O Estado de S. Paulo
Bolsonaro remoeu seu 7 a 1 praticamente sozinho, a lamentar a traição dos ‘comunistas do PL’
Pouco antes das eleições de 2018, o
economista Bernard Appy fez um tour pelos comitês dos principais candidatos à
Presidência. Ele queria mostrar um projeto de reforma tributária desenvolvido
após uma extensa pesquisa das melhores práticas internacionais. Appy ficou
otimista. A recepção entre os candidatos, à esquerda e à direita, foi
entusiástica, com uma única exceção: Jair Bolsonaro.
Bolsonaro ganhou a eleição e a reforma
tributária, essencial para destravar o Brasil, sumiu da agenda de discussões –
enquanto temas disparatados como a eficácia da cloroquina e o risco de o Brasil
se tornar comunista poluíam o debate público. Appy continuou a defender seu
projeto em textos publicados aqui no Estadão. Com a eleição de Lula, ganhou um
cargo no governo – num momento em que a reforma tributária, finalmente, saiu do
papel.
O que faz com que um assunto entre e saia do debate público? “Reformas estruturais demoram a amadurecer. Temas ficam na prateleira, e voltam por impulso da sociedade ou de alguma liderança”, diz o cientista político Sérgio Fausto, diretor executivo da Fundação Fernando Henrique Cardoso. Ele é o entrevistado no minipodcast da semana.
Para Fausto, a reforma tributária ficou
esquecida entre 2018 e 2022 pelas próprias características de Bolsonaro. “Foi
um governo muito pouco produtivo do ponto de vista legislativo, estava mais
preocupado em fazer agitação sobre temas morais”, diz ele. “As duas principais
reformas de seu governo, a previdenciária e o marco do saneamento, ocorreram
muito mais por causa da liderança congressual.”
Essa situação mudou, segundo Fausto.
“Existe uma clareza na área econômica, comandada pelo ministro Fernando Haddad,
que não se vê em todas as áreas do governo.” Essa clareza possibilitou que a
reforma tributária voltasse à pauta, com apoio à esquerda e à direita – como em
2018: “Há de se reconhecer o papel do presidente da Câmara, Arthur Lira, e do
governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, que teve uma postura
construtiva”.
A liberação caudalosa de emendas, como
sempre e infelizmente, ajudou a lubrificar o mecanismo. Bolsonaro remoeu seu 7
a 1 praticamente sozinho, a lamentar a traição dos “comunistas do PL” –
expressão que, proferida no plenário da Câmara, provocou uma explosão de
gargalhadas. O temor do fantasma vermelho expõe ao ridículo os adultos que
cultivam tal superstição, equivalente à crença infantil no homem do saco.
O episódio mostrou que a política, com seus
vícios e virtudes, tem uma contribuição a dar na resolução dos problemas da
vida real. Para isso, precisa deixar as assombrações de lado.
Escritor, pesquisador do Observatório da Qualidade
da Democracia na Universidade de Lisboa e professor da Faap
Artigo curto e direto,sem arrodeios.
ResponderExcluir