O Estado de S. Paulo
Além do assassinato de Marielle em si, a falta de solução para o crime enlameia a reputação do País
No prédio de número 64 na rua Gitschiner,
em Berlim, há um mural para homenagear a vereadora brasileira Marielle Franco e
lembrar seu assassinato em março de 2018. De lá, caminha-se 20 minutos pelo
bairro boêmio de Kreuzberg e se chega à Marielle-Franco-Platz. Há espaços
públicos com o nome de Marielle em Paris, Florença, Amsterdam e Buenos Aires.
Em Lisboa, onde moro, há um mural em homenagem a Marielle no Monsanto, o maior
parque da cidade.
A repercussão internacional do assassinato de Marielle foi um dos pretextos jurídicos para que a investigação saísse do Rio de Janeiro e passasse à alçada federal, no início deste ano. Nesta semana, em delação premiada, o ex-policial Élcio de Queiroz confirmou que o crime havia sido planejado, acusou o miliciano Ronnie Lessa de ser o executor e revelou detalhes fundamentais para que a Polícia Federal chegue ao mandante.
A delação e suas repercussões ganharam
espaço na imprensa internacional. Assassinatos de políticos em democracias
causam comoção mundo afora. “O crime mostra o que núcleos de poder autoritários
são capazes de fazer para suprimir uma voz no debate público”, diz o jornalista
Eugênio Bucci, colaborador do Estadão e entrevistado no minipodcast da semana.
Para Bucci, para além do assassinato em si,
a falta de solução para o crime enlameia a reputação do Brasil. “O fato gera
uma incerteza que é ruim para a democracia”, diz Bucci, que acaba de lançar um
livro justamente sobre este tema – a incerteza.
Num dos capítulos da obra, Bucci faz uma
diferenciação entre a investigação policial e a jornalística. O jornalismo se
alimenta de entrevistas e fontes públicas, enquanto a polícia dispõe de um
arsenal bem mais vasto de ferramentas de apuração.
Na investigação sobre o assassinato de
Marielle, a polícia – mesmo com o poder de interrogar, apreender documentos e
grampear telefones com a autorização da Justiça – ainda não esclareceu o fundamental.
Se nem sempre consegue ter respostas, o jornalismo vem cumprindo sua missão de
fazer as perguntas que ficaram no ar, mantendo-as vivas dentro do debate
público. Quem mandou matar Marielle? E por quê?
A delação de Élcio de Queiroz é
contribuição fundamental para que se desvende o mistério. Ela está disponível
na íntegra no blog de Fausto Macedo, conhecido por anexar relatórios policiais
às reportagens produzidas por sua equipe. Vale ir à página do Estadão conferir
essa colaboração virtuosa entre investigação jornalística e investigação
policial – e esperar os próximos passos na elucidação do crime que envergonha o
Brasil.
*Escritor, pesquisador do Observatório da Qualidade
da Democracia na Universidade de Lisboa e professor da Faap
Verdade.
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