Correio Braziliense
Agenda de direitos humanos e pautas
identitárias não terão vez na base governista ampliada. Nesses quesitos, o
governo só poderá avançar administrativamente
Com o fim do recesso do Congresso e do
Judiciário, a política nacional retoma seu curso com dois fatos relevantes na
largada. Primeiro, a conclusão do processo de aprovação do novo arcabouço
fiscal e da reforma tributária, que ainda dependem de votações na Câmara e no
Senado, respectivamente. Segundo, a retomada dos trabalhos do Judiciário, que
tem na ordem do dia a conclusão do chamado inquérito das fake news, que
investiga os responsáveis pela tentativa de golpe de Estado de 8 de janeiro, a
cargo do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes.
É neste contexto que o presidente Luiz
Inácio Lula da Silva negocia a incorporação do Centrão ao governo, o que
provocará um realinhamento de forças na Esplanada, sob a égide da velha
“política de conciliação”. Também é neste cenário que o novo ministro do
Supremo, Cristiano Zanin, tomará posse, na quinta-feira. Será o principal
interlocutor de Lula nos bastidores da Corte. Em outubro, o ministro Luiz
Roberto Barroso assumirá a presidência do STF, no lugar da ministra Rosa Weber,
que se aposentará. É adversário figadal do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Voltemos às mudanças na Esplanada. Lula finge desconhecer o Centrão, mas a tese de que não existe é apenas um subterfúgio de narrativa. O acordo com o PP, de Ciro Nogueira (PI), e o Republicanos, do deputado Marcos Pereira (SP), sob a liderança do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), é uma aliança com um partido conservador e oligárquico, de um lado, e os setores evangélicos ligados ao bispo Edir Macedo, líder da Igreja Universal do Reino de Deus.
Essa aliança isola Bolsonaro no Congresso e
bloqueia o surgimento precoce uma candidatura de centro-direita robusta para
2026, no caso a do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, que pode
trocar o Republicanos pelo PL de Valdemar Costa Neto, partido de Bolsonaro.
A coalizão preserva as práticas
fisiológicas e patrimonialistas do Congresso, uma das faces do nosso iberismo,
e mais uma vez resgata a velha “política de conciliação” que uniu liberais
(“luzias”) e conservadores (“saquaremas”) no Império, a partir do gabinete do
Marques do Paraná (1853), o mineiro Honório Hermeto Carneiro Leão. Seu objetivo
era conciliar as ações políticas dos dois partidos do Império, o Conservador e
o Liberal, em torno de interesses comuns — no caso, a manutenção da escravidão,
que somente foi abolida em 1888.
Para o notável historiador cearense
Capistrano de Abreu, a “política de conciliação” era um “termo honesto e
decente para qualificar a prostituição política de uma época”. Capistrano se
dedicou ao estudo do Brasil colonial. Sua obra Caminhos Antigos e Povoamento do
Brasil ainda hoje explica muita coisa sobre a nossa formação política e
cultural.
São Paulo
Mas essa não é a opinião dominante na
política nacional. Conservador e monarquista, o político e diplomata
pernambucano Joaquim Nabuco escreveu duas obras monumentais: O Abolicionismo
(1883), fruto de suas pesquisas no British Museum, de Londres, e os três
volumes de Um Estadista no Império (1897-1899), dedicada ao seu pai, o
conselheiro Nabuco de Araújo, autor de um dos mais célebres discursos da
história do Senado — “A ponte de ouro”, no qual se coloca em oposição aos
liberais na província de Pernambuco, mas aceita participar do gabinete de
maioria liberal de Paraná, por lealdade ao imperador Dom Pedro II.
Nabuco justifica assim a “política de
conciliação”: “O reformador em geral detém-se diante do obstáculo; dá longas
voltas para não atropelar nenhum direito; respeita, como relíquias do passado,
tudo que não é indispensável alterar; inspira-se na ideia de identidade, de
permanência; tem, no fundo, a superstição chinesa — que não se deve deitar
abaixo um velho edifício, porque os espíritos enterrados debaixo dele
perseguirão o demolidor até a morte”.
Isso é recorrente na nossa política, que
arrasta as correntes do passado. O patrimonialismo, cuja mais nova versão é o
Orçamento Secreto, parece uma fatalidade.
O acordo de Lula com Centrão garantirá sua
governabilidade e apoio às reformas econômicas que contam com amplo apoio
empresarial. Entretanto, representará um bloqueio a mudanças mais profundas e
estruturantes, que dependam de aprovação pelo Congresso. A agenda de direitos
humanos e social e as pautas identitárias não terão vez na base governista
ampliada. Nesses quesitos, o governo só poderá avançar administrativamente, mas
sem contrariar a maioria do Congresso.
No Império, “luzias” e “saquaremas”
dividiam o gabinete, juravam lealdades ao imperador e se digladiavam nas
províncias em disputas pelo poder. É o que vai acontecer com o PT e seus
aliados, e o Centrão nas eleições municipais. O melhor exemplo é o caso da
Prefeitura de São Paulo. Lula fez um acordo com Guilherme Boulos (PSol) para
receber seu apoio nas eleições passadas. Agora, terá que apoiá-lo.
Candidato à reeleição, o prefeito Ricardo
Nunes (MDB) busca o apoio de Tarcísio e Bolsonaro para remover a candidatura de
Ricardo Salles (PL-SP) e se tornar única opção à direita nas eleições da
capital paulista.
Ufa!
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