Correio Braziliense
A consolidação da aliança de Lula
com Lira em torno da política econômica fortalece o ministro da Fazenda,
Fernando Haddad, que era atacado por setores do próprio PT
O encontro do ministro da Fazenda, Fernando
Haddad, com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, na manhã de hoje, definirá
se o projeto de reforma tributária aprovado na Câmara será modificado ou não,
pois isso depende do perfil do parlamentar indicado para relatar a matéria. No
primeiro caso, a reforma terá que voltar à apreciação da Câmara. Em princípio,
o Senado é a Casa onde a relação entre os estados ocorre de igual para igual,
uma vez que todos têm três representantes. Desde o Império, sustenta o pacto
federativo. Isso favorece os governadores que não gostaram dos termos da
reforma e podem tentar mudar alguma coisa.
O pomo da discórdia são os incentivos fiscais concedidos, no texto aprovado pela Câmara, para atender aos lobbies de vários setores, com destaque para os transportes, o agronegócio e a saúde privada. Bernard Appy, secretário extraordinário do Ministério da Fazenda para a reforma tributária, comemorou a vitória do governo na Câmara, mas não esconde a expectativa de que o Senado reveja exceções que possam reduzir a carga tributária para todos. Segundo ele, sem as exceções, a carga tributária ficaria abaixo de 25%.
“Não tenho que dizer o que o Senado deve ou
não mudar. Mas, se você me perguntar o que eu gostaria que ficasse diferente,
diria que gostaria de menos exceções do ponto de vista setorial. Mas é
importante a gente entender que, ainda assim, o avanço é brutal. A gente tem um
sistema absurdamente complexo. Do jeito que saiu, mesmo com as exceções, é um
sistema infinitamente mais simples do que o atual”, justificou.
Segundo Appy, houve completa desoneração
das exportações e de investimentos, com a eliminação da cumulatividade que
prejudica a competitividade da produção nacional, e a eliminação de todas as
distorções alocativas na logística de transportes. O ideal era que as exceções
ficassem restritas à saúde, à educação e aos alimentos, mas a reforma não seria
aprovada na Câmara.
O ótimo é inimigo do bom. Esse é o xis do
problema, qualquer mudança nas exceções fará a reforma voltar para Câmara e
embananar sua aprovação final. Isso somente não ocorrerá se Rodrigo Pacheco e o
presidente da Câmara, Arthur Lira, chegarem a um acordo sobre essas alterações.
No modelo de reforma, quanto mais exceções, mais conflito distributivo, porque
a carga tributária será a mesma, e isso acaba por provocar a elevação de
alíquotas. Outras questões polêmicas, como o Conselho Federativo e os fundos
estaduais, além da Zona Franca de Manaus, também serão debatidas no Senado. A
prioridade do governo é aprovar a reforma no começo do próximo semestre
legislativo.
Centrão
O principal saldo político da reforma foi
atrair o Centrão para a base parlamentar do governo Lula e isolar o
ex-presidente Bolsonaro (PL), a ponto de seu partido ter uma dissidência de 20
deputados na votação em plenário. No Senado, também haverá dissidências. A
consolidação da aliança de Lula com Lira em torno da política econômica também
fortalece o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que era atacado pelo lobby
financeiro e por setores do próprio PT, mas cresceu nas negociações.
A aprovação do voto de qualidade a favor da
União no Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf), negociada por
Haddad, teve a interferência direta do presidente Lula, que pediu a Lira para
garantir a votação. O governo, agora, pode desempatar decisões que somam R$ 70
bilhões somente neste ano em causas milionárias. A quantidade de processos
parados à espera de julgamento no Carf já superou, em valor, a marca de R$ 1
trilhão. Esses processos aguardam decisões há mais de 10 anos. A média
histórica de julgamentos parados no Carf era de R$ 600 bilhões. O Carf julga
casos em que o contribuinte não concorda com autuações tributárias, seja pessoa
física ou jurídica.
A relação de Lula e Lira melhorou muito,
porém, nunca será um mar de rosas. Na questão econômica, há mais convergência e
diálogo. Em outras áreas, porém, a fricção deve continuar, principalmente na
questão ambiental e nas pautas identitárias. Mesmo que o Centrão ocupe mais
espaços na Esplanada dos Ministérios, as diferenças programáticas entre as
forças de esquerda que apoiam Lula desde sempre e os novos companheiros de
viagem são muito grandes. A tendência de Lula é deixar o pau quebrar no
Congresso e cuidar dos avanços nessas áreas em termos administrativos, que são
da água para o vinho se comparados ao governo Bolsonaro.
A propósito, o isolamento de Bolsonaro no
Congresso o enfraquece, mas não muda a sua base eleitoral originária. Tanto é
assim que o governador Tarcísio de Freitas (SP), de São Paulo, com quem o
ex-presidente da República estava agastado, ontem jurou fidelidade ao seu
padrinho político. Na quinta-feira, Tarcísio havia posado para fotografia ao
lado ministro Fernando Haddad, seu adversário eleitoral em São Paulo; na sexta,
foi criticado por Bolsonaro, numa reunião com a bancada do PL, por apoiar a
reforma. Pressionado pelos bolsonaristas, que o acusavam de traição, o
governador de São Paulo tratou de se reaproximar do ex-chefe.
O Brasil tem jeito.
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