quarta-feira, 12 de julho de 2023

Luiz Carlos Azedo - Silêncio de Mauro Cid vale por mil palavras

Correio Braziliense

Durante quase seis horas, o ex-ajudante de ordem de Jair Bolsonaro negou-se a responder todas as perguntas, mesmo aquelas mais inofensivas, tipo revelar sua idade

No dia 30 de setembro de 1937, a Voz do Brasil, até hoje o programa radiofônico oficial do governo federal, anunciou uma “bomba”, como se dizia antigamente: o general Góes Monteiro, chefe do Estado-Maior do Exército brasileiro, revelou a descoberta de um plano cujo objetivo era derrubar o presidente Getúlio Vargas. O Plano Cohen supostamente era um projeto de tomada do poder pelo Partido Comunista Brasileiro, com apoio de organizações comunistas internacionais.

Seria uma nova insurreição armada, semelhante à Intentona de 1935, na qual haveria greves de operários, manifestações estudantis, libertação de presos políticos, incêndio de casas e prédios públicos, saques e depredações e eliminação de autoridades civis e militares que se opusessem à tomada do poder. No dia seguinte, diante da “ameaça vermelha”, Vargas solicitou ao Congresso a decretação do Estado de Guerra, promoveu uma intensa perseguição aos comunistas e aos demais opositores políticos, como o governador gaúcho Flores da Cunha. No dia 10 de novembro, suspendeu as eleições marcadas para 1938 e o Brasil amanheceu sob a ditadura do Estado Novo.

Nos estertores desse regime autoritário, porém, o general Góes Monteiro revelou que o Plano Cohen não passara de uma fraude, para justificar a permanência de Vargas no poder. Para dar veracidade ao plano, a cúpula militar responsável pela “descoberta” do documento deu-lhe o nome do líder comunista Bela Cohen, que governara a Hungria entre março e julho de 1919. O general contou que o documento havia sido escrito pelo capitão Olímpio Mourão Filho, na época chefe do Serviço Secreto da Ação Integralista Brasileira (AIB), que apoiava o governo Vargas.

O plano fora elaborado a pedido de Plínio Salgado, dirigente da AIB, que afirmou tratar-se de uma simulação de insurreição comunista, apenas para efeito de estudos e utilizado exclusivamente no âmbito interno da AIB. No entanto, uma cópia do documento chegou ao conhecimento da cúpula das Forças Armadas. Mourão revelaria em suas memórias que Góes Monteiro teve acesso ao documento por meio do general Álvaro Mariante, e dele se apropriou. E justificou seu silêncio diante da fraude em razão da disciplina militar a que estava obrigado.

Já Plínio Salgado, líder maior da AIB, que participara ativamente dos preparativos do golpe de 1937, mais tarde, diria que não revelou a fraude por temor de desmoralizar as Forças Armadas, única instituição, segundo ele, capaz de conter o “perigo vermelho”. O capitão Mourão, mais tarde, já general, viria a liderar o golpe militar que destituiu o presidente João Goulart, em 1964, deslocando suas tropas de Juiz de Fora (MG) para o Rio de Janeiro.

Bico calado

Cabe a pergunta: por que lembrar disso agora? Porque a história serve para melhor compreender o presente e não repetir os erros. O silêncio do tenente-coronel Mauro Cesar Barbosa Cid, o “coronel” Mauro Cid nos bastidores do governo Bolsonaro, de quem era ajudante de ordem, valeu por mil palavras na CPI que investiga os atos golpistas de 8 de janeiro.

Durante quase seis horas, negou-se a responder todas as perguntas, mesmo aquelas que não teriam nenhuma consequência negativa — tipo revelar sua idade. O silêncio foi tão eloquente que o presidente da CPI, deputado Arthur Maia (União Brasil-BA), estuda as “medidas cabíveis” contra Cid por exorbitar em relação ao habeas corpus que fora concedido pela ministra do Supremo Tribunal Federal(STF) Cármen Lúcia.

O habeas corpus garantia o direito de permanecer calado quanto a fatos que o incriminasse, não os demais. Entretanto, ao anunciar que se manteria calado, Cid revelou que já responde a oito inquéritos no Supremo Tribunal Federal: envolvimento no 8 de janeiro, no caso da falsificação do atestado de vacina de Bolsonaro, no rolo das jóias e outros presentes da Arábia Saudita, no vazamento de informações sobre inquérito da Polícia Federal (PF), nas fake news contra o STF, na organização de milícias digitais e nos demais atos antidemocráticos durante o governo passado.

O silêncio de Cid é uma estratégia duvidosa de defesa. A perícia no seu celular apreendido pela PF revelou uma minuta de decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) a ser assinado por Jair Bolsonaro, com objetivo de impedir a posse do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, e conversas comprometedoras com o então subchefe de Estado Maior do Alto Comando do Exército, coronel Jean Lawand Junior. Ambos estão muito enrolados.

Como podem se enrolar alguns que o visitaram no quartel onde está preso, com regalias de oficial superior: o ex-ministro da Saúde e deputado federal Eduardo Pazuello; o general ex-diretor de logística do Ministério da Saúde, Ridalto Lúcio Fernandes; o ex-secretário de Comunicação e advogado de Bolsonaro, Fabio Wajngarten; o ex-comandante do Exército, general Júlio César de Arruda. A lista foi fornecida pelo Ministério da Defesa, a pedido da CPI.

Nos bastidores da comissão, assessores parlamentares do Exército fizeram apenas um pedido: não “esculachar” o militar, que compareceu ao depoimento fardado, por recomendação do comando. A afirmação de que Cid era um mero estafeta de Bolsonaro é furada. Hanna Arendt, ao analisar o caso do criminoso nazista Adolf Eichmann, no seu julgamento em Jerusalém, desmontou a tese de que um burocrata que cumpre ordens criminosas não é culpado. Isso é a banalização do mal.

 

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