O Estado de S. Paulo
Promulgada a Carta de 1988, revelou-se o que o povo queria. Nela está determinado e descrito o seu desejo. Se o poder emana do povo, ele é a autoridade primeira
Todo poder emana do povo, diz a
Constituição federal. E daí a inevitável pergunta: onde está a vontade do povo?
Respondo: está na Constituição. Ela é produto da sua vontade. Melhor me
expresso: em 1987, o povo, milhões de pessoas, não pôde se reunir em praça
pública para dizer como se reconstituiria o Estado brasileiro. Por isso,
designou representantes que compuseram a Assembleia Constituinte. Eram, na
época, deputados e senadores. Todos constituintes. Todos agindo em nome do
povo. Promulgada a Constituição em 5 de outubro de 1988, revelou-se o que o
povo queria. Nela está determinado e descrito o seu desejo. Se o poder emana do
povo, ele é a autoridade primeira, inicial, inauguradora.
As autoridades designadas pelo titular do poder são constituídas e, por isso, secundárias. E, porque secundárias, devem prestar obediência à vontade primeira, que, como dito, está expressada na Carta Magna de 1988. Daí porque a desobediência à Constituição pelas autoridades constituídas (secundárias) é agressão à vontade do povo (primária). Portanto, obedece-se ao povo quando se cumpre rigorosamente o texto constitucional.
Não é sem razão também que o povo, que pode
exercer diretamente o poder, por meio de plebiscito, referendo e iniciativa
popular para projetos de lei, o exerce indiretamente por meio de órgãos:
Legislativo, Executivo e Judiciário. Disse: exercerão em meu nome, serão
independentes (significa: terão competências próprias, orçamento e
administração próprios), mas harmonizarão suas atividades. Assim, toda vez que
há desarmonia haverá inconstitucionalidade, porque se desobedece à vontade
primeira.
Também assim ocorre com o tema da paz. O
preâmbulo (de pré ambulare), ordem escrita que os constituintes tiveram de
obedecer, determina que o Estado a ser criado seja comprometido “(...) na ordem
interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias (...)”. E, no
seu artigo 4.º, VII, ao tratar das relações internacionais, estabeleceu como
princípio a “solução pacífica dos conflitos”. Mais ainda, quando cuida dos
artefatos nucleares, fixa, no artigo 21, XXIII, “a”, que “toda atividade nuclear
em território nacional somente será admitida para fins pacíficos e mediante
aprovação do Congresso Nacional”. Ou seja: nada de beligerância com Estados
estrangeiros. Paz.
No plano interno, o preceito que estabelece
serem “todos iguais perante a lei (...)” (artigo 5.º, caput) também se pauta
pela ideia da paz. Ou seja: unam-se todos, porque são iguais. Por acaso
significa que não pode haver embate de ideias, divergências conceituais e até
ideológicas? Não! O debate de ideias é concepção que decorre do artigo 1.º,
segundo o qual o Brasil é “(...) Estado Democrático de Direito (...)”. Na
democracia, é indispensável a oposição, ao lado da situação. Aquela fiscaliza,
controla, critica, impedindo o poder único. Este, contudo, é o conceito
jurídico de oposição. Mas o que se pratica é o conceito político. Ou seja: se
eu perdi a eleição, devo destruir os que venceram. Isso ocorre na União, nos
Estados e nos municípios. E de há muito. Não é isso que o povo determinou aos
agentes políticos, uma vez que tal conduta fere a concepção democrática de
oposição, cujo dever é fiscalizar para aprimorar a governabilidade.
Como, de resto, todo novo governo, se
nascido da oposição, quer destruir o governo anterior. Não reconhece nunca o
seu lado positivo. Pode criticar eventuais equívocos, mas esta não há de ser a
tônica marcante do mandato. Dou exemplos: custa reconhecer que o presidente
Sarney, com seu equilíbrio e sua maturidade, foi um dos artífices da
redemocratização? E que o presidente Collor incentivou a melhoria do setor
automobilístico? E reconhecer o presidente Itamar, com o Plano Real, engendrado
pela equipe de FHC? E este, com a Lei de Responsabilidade Fiscal e as reformas
de Estado? Depois, o presidente Lula, que tornou visíveis a miséria e meios de
combatê-la, a que deu sequência a presidente Dilma? E o meu governo, com a
recuperação da economia, as reformas feitas, a queda da inflação e dos juros? E
o presidente Bolsonaro, que deu sequência às medidas do nosso governo?
A civilidade governamental determina essa conduta.
Lamentavelmente, não é o que ocorre. Quer-se sempre alimentar a polarização, a
radicalização. Nunca a pacificação, a harmonia, o equilíbrio. Com isso, as
autoridades secundárias ferem a ordem da autoridade primeira.
Estas considerações, modestíssimas, mas
importantes, se aplicam à ideia de que o presidente não governa sozinho.
Depende do Legislativo. Eles governam juntos. Afinal, o Executivo edita medidas
provisórias, remete projetos de lei e de emendas à Constituição. Precisa vê-los
aprovados para a execução de sua política governamental. Os membros do
Parlamento, como autoridades também constituídas, haverão de exercer sua
atividade colaborativa juntamente com o Poder Executivo.
Por tudo isso, seria bom relembrar,
repetidamente, o presidente Dutra quando perguntava, referindo-se à
Constituição de 1946: “O que diz o livrinho?”.
*Advogado, foi presidente da República
CUSTA SIM, GOLPISTA!
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