domingo, 9 de julho de 2023

Míriam Leitão - A dimensão da reforma tributária

O Globo

O Brasil saiu do bloqueio para a cooperação federativa e deu a largada na maior reforma econômica em três décadas

A reforma tributária apenas começou, mas o passo concluído na madrugada da sexta-feira tem uma dimensão maior do que se imagina num primeiro momento. O Brasil saiu do bloqueio para a cooperação federativa nessa matéria. Deu a largada na maior reforma econômica em três décadas. Esta é uma reforma diferente das outras, em todos os pontos. Um deles é o fato de não ter tido a origem no Executivo. Apesar disso, na lista dos vencedores dessa histórica votação está o ministro Fernando Haddad que entendeu o espírito do momento.

O grande vencedor da semana é o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, que sentiu a tendência do plenário, a maturidade do debate e conduziu o esforço para a superação dos obstáculos. A escolha da pauta central da semana foi feita por ele apesar dos resmungos de articuladores políticos do Planalto que preferiam que fosse seguida a ordem que imaginavam a melhor. Se tivesse feito isso, Lira teria perdido o momento do quórum para a votação de uma emenda constitucional. Na sexta-feira, a Câmara aprovou o texto-base do Carf .

A reforma veio vindo no tempo, sendo discutida, adiada e descartada, reapresentada. Primeiro na Constituinte, depois com o projeto do presidente Fernando Henrique, em seguida com o do presidente Lula no primeiro mandato. O economista Bernard Appy saiu do Ministério da Fazenda, do qual participou como secretário, entre 2003 e 2008, para a formulação desse projeto. Criou um centro de estudos e formulou a reforma que chegou ao Congresso em 2019 através da Emenda 45, do deputado Baleia Rossi. Desta forma, Rossi e Appy estão também na lista dos vencedores.

Houve a chance de encaminhar essa questão no começo do governo Bolsonaro. Havia vontade pessoal do então presidente da Câmara, Rodrigo Maia, de levar adiante. A chance foi desperdiçada por aquele governo. O Ministério da Fazenda de então nunca se envolveu na articulação, criou ruídos, e apresentou um projetinho unindo PIS e Cofins. O que Paulo Guedes queria mesmo era o retorno da CPMF, por isso não se empenhou. A sabedoria de Haddad foi tratar como prioridade, nomear Bernard Appy para tratar exclusivamente do assunto e envolver-se no diálogo com o presidente Arthur Lira.

Lira por sua vez criou um grupo de trabalho sob o comando do deputado Reginaldo Lopes. Esse GT e o relator Aguinaldo Ribeiro foram conversar com setores, estados, empresas e municípios. Nesse diálogo, o projeto foi amadurecendo e sendo alterado. Na lista dos vencedores entrou, na reta final, o governador de São Paulo, Tarcísio Gomes de Freitas, que mostrou capacidade de entender a hora política. A briga no PL foi fato lateral no grande acontecimento da semana, mas nela quem mostrou incapacidade política foi Jair Bolsonaro. Ele deu mais um passo para o seu isolamento político.

Na reforma há uma longa estrada pela frente. É preciso votar no Senado, aprovar as leis complementares para definir cada ponto que ficou para legislação ordinária e preparar o país para a transição de modelo. Depois virá a proposta de mudança nos impostos sobre renda. Será outra complexa etapa porque a ideia é cobrar mais tributos dos acionistas do que das empresas, com a criação do imposto sobre dividendos.

O ministro Fernando Haddad disse, na entrevista que me concedeu recentemente, que esta não era apenas uma reforma, mas uma “constituinte tributária”, porque afinal o país está começando a sair do sistema que foi implantado pelos militares. Argumentei que ela será lenta demais, e só começará a valer ao fim do atual mandato presidencial. Ele respondeu: “o tempo passa. A gente pensa que não passa, mas passa. Se a gente tivesse feito no Fernando Henrique ou Lula, estaríamos discutindo a fase dois agora”.

Há diversas portas econômicas abertas pela reforma. Uma delas é que apesar de ser implantada só daqui a alguns anos, ela já melhora o ambiente para os investimentos agora. Quem for implantar um projeto de anos de maturação já estará calculando a estrutura de custos com a nova forma de pagar impostos. Há uma janela aberta para a transição da Zona Franca de Manaus para uma economia mais voltada para as vocações da região, corrigindo as distorções do modelo atual. Há chance de reduzir o gasto tributário com a cesta básica, focando o benefício nos mais pobres. É o começo. No meio do caminho é que veremos o quanto o Brasil pode evoluir ao entrar em uma estrutura tributária mais lógica.

 

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