O Globo
O Brasil saiu do bloqueio para a cooperação
federativa e deu a largada na maior reforma econômica em três décadas
A reforma tributária apenas começou, mas o
passo concluído na madrugada da sexta-feira tem uma dimensão maior do que se
imagina num primeiro momento. O Brasil saiu do bloqueio para a cooperação
federativa nessa matéria. Deu a largada na maior reforma econômica em três
décadas. Esta é uma reforma diferente das outras, em todos os pontos. Um deles
é o fato de não ter tido a origem no Executivo. Apesar disso, na lista dos
vencedores dessa histórica votação está o ministro Fernando Haddad que entendeu
o espírito do momento.
O grande vencedor da semana é o presidente
da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, que sentiu a tendência do plenário, a
maturidade do debate e conduziu o esforço para a superação dos obstáculos. A
escolha da pauta central da semana foi feita por ele apesar dos resmungos de
articuladores políticos do Planalto que preferiam que fosse seguida a ordem que
imaginavam a melhor. Se tivesse feito isso, Lira teria perdido o momento do
quórum para a votação de uma emenda constitucional. Na sexta-feira, a Câmara
aprovou o texto-base do Carf .
A reforma veio vindo no tempo, sendo discutida, adiada e descartada, reapresentada. Primeiro na Constituinte, depois com o projeto do presidente Fernando Henrique, em seguida com o do presidente Lula no primeiro mandato. O economista Bernard Appy saiu do Ministério da Fazenda, do qual participou como secretário, entre 2003 e 2008, para a formulação desse projeto. Criou um centro de estudos e formulou a reforma que chegou ao Congresso em 2019 através da Emenda 45, do deputado Baleia Rossi. Desta forma, Rossi e Appy estão também na lista dos vencedores.
Houve a chance de encaminhar essa questão
no começo do governo Bolsonaro. Havia vontade pessoal do então presidente da
Câmara, Rodrigo Maia, de levar adiante. A chance foi desperdiçada por aquele
governo. O Ministério da Fazenda de então nunca se envolveu na articulação,
criou ruídos, e apresentou um projetinho unindo PIS e Cofins. O que Paulo
Guedes queria mesmo era o retorno da CPMF, por isso não se empenhou. A
sabedoria de Haddad foi tratar como prioridade, nomear Bernard Appy para tratar
exclusivamente do assunto e envolver-se no diálogo com o presidente Arthur
Lira.
Lira por sua vez criou um grupo de trabalho
sob o comando do deputado Reginaldo Lopes. Esse GT e o relator Aguinaldo
Ribeiro foram conversar com setores, estados, empresas e municípios. Nesse
diálogo, o projeto foi amadurecendo e sendo alterado. Na lista dos vencedores
entrou, na reta final, o governador de São Paulo, Tarcísio Gomes de Freitas,
que mostrou capacidade de entender a hora política. A briga no PL foi fato
lateral no grande acontecimento da semana, mas nela quem mostrou incapacidade
política foi Jair Bolsonaro. Ele deu mais um passo para o seu isolamento político.
Na reforma há uma longa estrada pela
frente. É preciso votar no Senado, aprovar as leis complementares para definir
cada ponto que ficou para legislação ordinária e preparar o país para a
transição de modelo. Depois virá a proposta de mudança nos impostos sobre
renda. Será outra complexa etapa porque a ideia é cobrar mais tributos dos
acionistas do que das empresas, com a criação do imposto sobre dividendos.
O ministro Fernando Haddad disse, na
entrevista que me concedeu recentemente, que esta não era apenas uma reforma,
mas uma “constituinte tributária”, porque afinal o país está começando a sair
do sistema que foi implantado pelos militares. Argumentei que ela será lenta
demais, e só começará a valer ao fim do atual mandato presidencial. Ele respondeu:
“o tempo passa. A gente pensa que não passa, mas passa. Se a gente tivesse
feito no Fernando Henrique ou Lula, estaríamos discutindo a fase dois agora”.
Há diversas portas econômicas abertas pela
reforma. Uma delas é que apesar de ser implantada só daqui a alguns anos, ela
já melhora o ambiente para os investimentos agora. Quem for implantar um
projeto de anos de maturação já estará calculando a estrutura de custos com a
nova forma de pagar impostos. Há uma janela aberta para a transição da Zona
Franca de Manaus para uma economia mais voltada para as vocações da região,
corrigindo as distorções do modelo atual. Há chance de reduzir o gasto
tributário com a cesta básica, focando o benefício nos mais pobres. É o começo.
No meio do caminho é que veremos o quanto o Brasil pode evoluir ao entrar em
uma estrutura tributária mais lógica.
Tomara que dê certo.
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