terça-feira, 4 de julho de 2023

Míriam Leitão - Poucos poderes do inelegível

O Globo

Bolsonaro pode ter pouca capacidade de transferir votos e muita dificuldade de atravessar os longos anos de ostracismo eleitoral

Cinco ex-governadores de São Paulo tentaram a presidência. Todos perderam. Paulo Maluf, Mário Covas, Orestes Quércia, José Serra e Geraldo Alckmin. A ideia de que Tarcísio Gomes de Freitas tem chance de vencer em 2026 por ser governador de São Paulo e se receber as bençãos do inelegível é prematura e contra os fatos. A hipótese de que Bolsonaro seja capaz de ir de capitão a cabo eleitoral depende de inúmeros fatores, mas o mais importante deles é o desempenho do governo do PT.

No Brasil, sempre houve extrema direita. Bolsonaro não inventou nada. Afinal este é o país em que a extrema direita deu um golpe, passou 21 anos no poder, cometeu inúmeros crimes e, ao sair, nenhum dos seus criminosos foi punido. E até hoje existem aberrações como a proposta de Tarcísio de Freitas de homenagear Erasmo Dias, para emular quem louvava o torturador Brilhante Ustra. O que Bolsonaro representou de novidade foi quebrar o princípio de que para ser eleito é preciso caminhar para o centro. O princípio permanece em vigor. A eleição de 2018 foi um ponto fora da curva, que não tem explicação simples.

O fenômeno da transferência de voto é um dos mais imprevisíveis que existem na política. O que é possível, mas não garantido, é o incumbente, num momento de alta popularidade, transferir votos. Foi o que se viu com o presidente Lula em 2010 em favor da ex-presidente Dilma Rousseff. O ex-presidente Fernando Henrique não foi capaz. Mas é fácil imaginar que alguém que estará no limbo eleitoral, por oito anos, terá muito mais dificuldade de transferir votos.

Lula sobreviveu à perda de poder, aos processos e à prisão, mas teve com ele um partido organizado, uma militância engajada e a grande aprovação ao sair. Bolsonaro fez um governo ruim, administrou mal a crise da pandemia, manteve sua militância mobilizada com discursos de ódio e uma máquina de fake news montada no Palácio. O ex-presidente nunca foi um agregador, nem pessoa de partido político. Está no nono partido. Conseguiu sair até daquele com o qual chegou ao poder. Como político, a única lealdade que demonstrou foi em relação à sua família.

Há muita superestimação da capacidade de Bolsonaro de permanecer determinante na política. Nada em sua trajetória indica isso. Ele era político periférico, com ligações com o submundo do Rio de Janeiro e que chegou à presidência em circunstâncias específicas.

É prematuro fazer qualquer análise sobre o futuro político de Bolsonaro, tendo ele tantos processos e um longo período de ostracismo pela frente. Os primeiros sinais não foram bons para ele. Não houve comoção entre seus seguidores com sua inelegibilidade. Não houve sinais — e a política é o jogo dos sinais — de apoio por parte dos principais líderes políticos da direita.

O eleitorado de direita procurará algum candidato oposto ao do PT. Será tanto maior a chance desse grupo, quanto pior for o desempenho da terceira administração Lula. Até agora há bons resultados em algumas áreas, apesar das declarações destoantes do presidente da República. Na política externa, permanece a ambiguidade em relação aos regimes autoritários, como o da Venezuela e o da Nicarágua. É notável o esforço de aumentar o relacionamento com os países vizinhos, seja os do Mercosul, seja os países amazônicos. Será inútil se não houver um projeto claro. Será contraproducente se for para defender governos autoritários. Falta visão estratégica à política externa.

A economia tem surpreendido positivamente. O ministro Fernando Haddad teve conquistas importantes que podem ser medidas diariamente. Ontem, por exemplo, o Focus mostrou que a expectativa mediana do mercado para os juros do final do ano caiu para 12%. Nas próximas quatro reuniões do Copom, os juros vão cair 1,75 ponto percentual. O arcabouço que ele teria que divulgar agora está praticamente aprovado. O déficit público, que no começo do governo estava previsto em 2,3% do PIB, será em torno de 1%.

No combate ao crime e na defesa dos direitos humanos, a Terra Indígena Yanomami é um exemplo. A força-tarefa do governo Lula fez o que parecia impossível na retirada dos garimpeiros ilegais e levou o socorro aos indígenas. Impôs a força do Estado em território entregue ao crime pelo governo anterior. Há muitos desafios pela frente em várias áreas. O que definirá o futuro será o desempenho de Lula, e não a suposta força do inelegível.

 

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