domingo, 2 de julho de 2023

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Narcodesmatamento representa maior desafio na Amazônia

O Globo

Relatório da ONU faz alerta sobre aliança entre facções criminosas, garimpeiros ilegais e desmatadores

O Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes (Unodc) faz um alerta enfático em seu último relatório sobre as conexões entre traficantes e criminosos que operam na Amazônia devastando o meio ambiente. Combater o “narcodesmatamento” — resultado do cultivo, produção e tráfico de drogas — e o “narcogarimpo” — exploração ilegal de minérios pelas facções criminosas — tornou-se o principal desafio dos governos da região, sobretudo o Brasil.

O cenário é preocupante por se tratar de vasta área com presença limitada do Estado, rica em recursos naturais, em que traficantes de drogas atuam ao lado de desmatadores, grileiros de terra, garimpeiros ilegais e contrabandistas de madeira, animais e plantas nativas. Essa indústria cresce movida à base de corrupção de agentes públicos e aliciamento de políticos. Uma nova e perigosa dinâmica na criminalidade da região resulta da entrada na Amazônia do crime organizado brasileiro, representado pelas facções oriundas de estados como Rio ou São Paulo, cuja ação é mapeada em detalhe no relatório.

Ao buscar uma visão abrangente da criminalidade amazônica, o relatório mostra como o tráfico se diversificou. Depois de ocupar áreas para cultivo e processamento industrial da cocaína, entrou na extração ilegal de madeiras, no garimpo e no contrabando de animais e plantas nativas, enquanto cria negócios para lavar o dinheiro obtido. O lucro do tráfico, afirma o relatório, destina-se à abertura de pastos para criação de gado e plantio de soja ou palma para a obtenção de óleo. Tais atividades ajudam na lavagem de dinheiro, também realizada em pequenos e médios negócios de fachada fora da Amazônia.

De acordo com o relatório, ao mesmo tempo que o crime organizado recicla os lucros obtidos no tráfico investindo em atividades agrícolas e minerais, o dinheiro serve para instalar a infraestrutura de pistas de pouso clandestinas e estradas ilegais, que destroem a floresta e a biodiversidade. Com mais de 1.100 rios, sem contar afluentes, a Amazônia oferece facilidades para escoar a droga produzida na Bolívia, Colômbia e Peru, onde se origina quase toda a cocaína consumida no mundo. Para deslocamentos mais rápidos, a região dispõe de 2.986 pistas de pouso privadas, das quais 58%, ou 1.731, não aparecem nos registros oficiais.

O relatório chama a atenção também para a contaminação do solo e do lençol freático pelos produtos químicos usados em abundância na produção da cocaína, como acetona ou ácido sulfúrico. Há, portanto, uma eficiente máquina de destruição em operação na Amazônia, que passou a ter no tráfico uma pródiga fonte de financiamento.

Um dos segmentos mais ativos dessa indústria da destruição é a mineração, não só de ouro, mas de outros minérios como cassiterita, grafite, manganês ou tungstênio. A crise humanitária que aflige o povo ianomâmi, cuja reserva no Brasil foi invadida por garimpeiros capitalizados, é apenas uma mostra do poderio das organizações que passaram a atuar na região. O relatório também cita a invasão da reserva dos mundurucus. Entre 50% e 90% das duas etnias padecem de envenenamento pelo mercúrio usado nos garimpos.

Cabe ao Brasil, que abriga a maior parte da Amazônia, fazer bom uso do relatório. Fica claro pelo documento que ajuda externa será fundamental para o Estado retomar controle da região. O “narcodesmatamento” é apenas a face visível de um enorme problema.

Rebelião dos mercenários não afetou campo de batalha na Ucrânia

O Globo

Apesar do abalo político de Putin, Exército russo mantém vantagem defensiva diante de avanço ucraniano

A rebelião dos mercenários do Grupo Wagner, que, liderados pelo polivalente Yevgeny Prigojin, chegou a 200 quilômetros de Moscou na semana passada antes de dar meia-volta, despertou entre os analistas uma constatação quase unânime: ficou mais fraca a liderança de Vladimir Putin sobre a intrincada teia política que ele armou para governar a Rússia sem ser desafiado.

Putin sofreu, com o levante de Prigojin, as consequências de sua tática contumaz para evitar ameaças: fomentar rivalidades internas para preservar seu poder de arbitrá-las. O alvo declarado dos mercenários não era Putin, mas os líderes militares que Prigojin há muito critica como incompetentes para alcançar a vitória na Ucrânia (em particular o ministro da Defesa, Sergei Shoigu, e o chefe do Estado-Maior, Valery Gerasimov).

Depois de perder 20 mil soldados na captura de Bakhmut dos ucranianos, Prigojin foi surpreendido pela obrigação de ter de registrar todo o seu contingente no Exército russo, do contrário deixariam de receber — a afiliação formal a um exército é anátema para os mercenários, cujas pegadas estão não apenas na Ucrânia, mas também na África e no Oriente Médio. A obrigação foi o estopim que levou à rebelião. Seriam insondáveis as consequências do êxito da marcha dos mercenários.

Seriam, pois na prática Prigojin foi exilado na Bielorrússia, seus desafetos continuam nos cargos, e até o momento a elite russa continua a apoiar Putin. A rebelião não durou 24 horas, e a especulação sobre as consequências políticas para Putin ocupam mais espaço na imprensa, nos sites e nas redes sociais que no dia a dia da população russa.

Enquanto isso, a ofensiva ucraniana que era prometida para a primavera no Hemisfério Norte como lance decisivo para o fim da guerra se estenderá pelo verão, sem perspectiva de que o objetivo — a retomada do sul do país e da ligação terrestre com a Península da Crimeia — será atingido. O avanço das tropas da Ucrânia tem sido lento e esbarra nas características inóspitas de um terreno plano, repleto de minas, trincheiras e vegetação, sob a qual os russos disfarçam suas defesas. Não há elevações nem posições estratégicas que permitam consolidar as conquistas, e as batalhas urbanas prometem ser no mínimo tão sangrentas quanto foi a de Bakhmut.

Toda guerra é, ao fim e ao cabo, vencida pela infantaria. Na Ucrânia não será diferente. O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, conta com armamento e apoio do Ocidente para persistir, mas encontra mais dificuldades do que esperava, iludido talvez pelo papelão dos russos no início da guerra diante da resistência tenaz dos ucranianos. Não se sabe ainda que lado levará a melhor, nem se tem ideia do efeito da nova realidade política trazida a Putin pela rebelião de Prigojin. Por enquanto, porém, o efeito no terreno de batalha foi nulo. A guerra continua dura, será longa, e ninguém arrisca dizer quem vencerá.

Ainda o censo

Folha de S. Paulo

Envelhecimento exigirá políticas para evitar fuga de cérebros e atrair migrantes

A queda do ritmo de crescimento da população é tendência universal. A transformação não foi diferente no Brasil, embora tenha sido mais rápida do que na média mundial a partir de 2000. Os primeiros dados do censo indicam que a mudança demográfica se acelerou, em grau parcialmente imprevisto.

Pesquisas do IBGE estimavam uma população de pouco mais de 214 milhões de habitantes em 2022. O censo, como se sabe, contou 203 milhões. Embora ainda não se conheçam os números por faixa etária, entre outros, é quase certo que o envelhecimento populacional é agora mais veloz. Há consequências mais e menos óbvias.

O número de idosos que dependem de pessoas em idade ativa tende a aumentar, com impactos na Previdência, no sistema de saúde e na tributação. Se a taxa bruta de natalidade (o número relativo de nascimentos por ano) cai abaixo da taxa de mortalidade, a população diminui, claro, a não ser que o saldo da migração seja positivo. Esperava-se que o Brasil chegasse a esse ponto na segunda metade da década de 2040. Pode acontecer bem antes, pelo que se vê.

A fecundidade total no Brasil já estava próxima à do terço dos países com as taxas mais baixas, embora a razão de dependência (de idosos pela população ativa) ainda estivesse na média mundial.

A população brasileira já cresce menos que a de boa parte das nações desenvolvidas —por atrair menos imigrantes. Essa tendência parece mais acentuada.

A formação de mão de obra se torna assunto ainda mais urgente. Nos últimos anos de bom crescimento econômico, no final da década 2001-10, era notória a escassez de trabalhadores qualificados.

É possível que tal problema volte a se repetir, em escala maior, se o PIB voltar a crescer de modo duradouro, com uma população que envelhece mais rápido. Evitar a fuga de cidadãos desesperançados e atrair trabalhadores estrangeiros devem ser tema de política pública.

A transição demográfica é influenciada por melhorias de renda, urbanização e ampliação de direitos como educação, saúde e proteção social. Mudanças culturais, a condição social das mulheres, relações familiares e entre gêneros também têm importância, assim como a desigualdade.

No Brasil, é ou era especialmente relevante a gravidez precoce, indesejada e desassistida entre as mais pobres e menos escolarizadas.

É preciso melhoria acelerada na educação, com novo planejamento para a escola básica, e atenção na fuga de cidadãos e cérebros, na imigração, na igualdade de direitos reprodutivos, nas questões previdenciárias. O Brasil trata com descaso suas deficiências estruturais, e o tempo vai se encurtando.

Meta mantida

Folha de S. Paulo

CMN acerta ao abandonar ideia, aventada por Lula, de inflação mais alta em 2026

Foram corretas as deliberações do Conselho Monetário Nacional sobre o sistema de metas de inflação, que baliza a política monetária.

Ao afastar pressões pela adoção de caminhos fáceis, o CMN fixou em 3% a meta para 2026, com intervalo de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo. São os mesmos parâmetros já vigentes para os próximos dois anos.

A única alteração aprovada foi aperfeiçoar o período de verificação do cumprimento da meta.

Em vez da regra atual que fixa a referência no ano-calendário (de janeiro a dezembro), válida desde o advento do sistema em 1999, a partir de 2025 o horizonte será contínuo —a trajetória da inflação será acompanhada em janelas móveis de 12 meses que não se encerram em 31 de dezembro de cada ano

Ademais, a autoridade monetária ainda precisa enviar uma carta ao ministro da Fazenda, caso a inflação não alcance a meta. Falta apenas determinar se o BC enviará o documento ao final do ano, como ocorre agora, ou se uma nova periodicidade será adotada.

Pode-se dizer que a decisão do CMN foi a melhor que se poderia esperar, na medida em que fortalece a institucionalidade do sistema e não afronta a autonomia do BC.

Louve-se não ter havido mudança nas metas de 2024 e 2025, definidas no governo anterior. A continuidade da gestão técnica e o respeito a decisões de Estado é fundamental para a credibilidade do regime.

Também houve acerto ao não elevar a meta para 2026, a despeito de cobranças até do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Seria péssimo render-se à retórica oportunista, embora seja pertinente um debate sereno a respeito da meta mais adequada para o país.

Fazê-lo no calor de disputas políticas e num momento em que a inflação ainda está distante do desejado seria contraproducente, uma vez que elevaria expectativas inflacionárias, dificultando a queda sustentável dos juros.

A deliberação do CMN afasta o fantasma da aventura na política monetária e gera impacto positivo no mercado financeiro. Na sexta (30), dia seguinte à decisão, os juros de médio e longo prazo recuaram e houve valorização do real.

É provável que as expectativas para a inflação continuem a cair, última condição necessária para que tenha início já em agosto um ciclo de cortes na taxa Selic. Mais um testemunho de que seriedade e sensatez nas decisões econômicas costumam trazer bons resultados.

A teoria da relatividade de Lula

O Estado de S. Paulo

Para o Einstein petista, democracia é conceito ‘relativo’, e a Venezuela é uma democracia porque realiza ‘mais eleições que o Brasil’. É um deboche com os que sofrem sob o tacão de Maduro

A Venezuela realiza “mais eleições que o Brasil”, logo é um país democrático. Eis o postulado da esdrúxula “teoria da relatividade democrática” formulada pelo presidente Lula da Silva.

Relativizando as barbaridades perpetradas pelo ditador Nicolás Maduro e debochando do sofrimento do povo venezuelano, há décadas privado de tudo sob o tacão do regime chavista, nosso genial Einstein petista afirmou, em entrevista à Rádio Gaúcha, no dia 29 passado, que “o conceito de democracia”, ora vejam, “é relativo”.

Para Lula, a bem da verdade, deve ser mesmo. Afinal, gente da estirpe de Maduro, Hugo Chávez, Daniel Ortega e Fidel Castro, por exemplo, é tida pelo petista, há tempos, como a quintessência do democrata, pois eles encarnam, em sua visão autoritária, as legítimas aspirações do “povo”. Nesse sentido, democracia, para Lula, pode ser qualquer regime que se coadune com seus valores e dogmas ideológicos, ainda que uma prisão ilegal aqui, um fechamento de jornal ali ou uma execução sumária de opositor acolá sejam inevitáveis, fatos da vida.

Entretanto, para qualquer democrata genuíno, em qualquer lugar do mundo, a democracia é o que é – sem relativismos. É a supremacia da vontade popular; é a liberdade de ser e agir nos limites da lei, que vale para todos; é a intransigência com qualquer forma de arbítrio. Mas, como não é nem nunca foi um democrata genuíno, Lula segue o manual da esquerda retrógrada, aquela que considera “democratas” todos os tiranos que se apresentam como adversários do “imperialismo estadunidense” – impostura em nome da qual se justifica toda sorte de repressão interna. Aos pobres habitantes dos países comandados pelos ditadores companheiros de Lula, resta apenas o direito de votar em eleições fajutas.

Não há que falar em democracia, de fato, quando aos cidadãos é vedado o direito de influenciar os rumos de seu país por meio do sufrágio universal, com voto direto e secreto. Mas há outras garantias e liberdades democráticas tão fundamentais quanto essa, como, por exemplo, as liberdades de expressão, a liberdade de imprensa e a existência de meios legais que permitam a participação da oposição na disputa eleitoral, com paridade de armas. Nada disso, contudo, existe na Venezuela.

Menos de 24 horas depois de Lula classificar a Venezuela como um país “democrático”, o regime de Maduro proibiu Maria Corina Machado de registrar sua pré-candidatura à eleição de 2024. Se a eleição fosse limpa, Maria Corina seria, segundo todos os prognósticos, a mais forte ameaça à permanência de Maduro na presidência. Como a eleição não será limpa, Maduro não teria com o que se preocupar – mas o ditador venezuelano, zeloso quando se trata de se aferrar ao poder, parece que não quer dar a menor chance para o azar.

Com um misto de desfaçatez e escárnio, Lula desafiou os que chamam o governo da Venezuela pelo que é – uma ditadura implacável – a visitar o país e “fiscalizar” as eleições. “Se não tiver eleição honesta, a gente fala”, disse o petista. Ora, essa fiscalização já foi feita por organismos internacionais, como a Organização dos Estados Americanos (OEA), e por instituições independentes da sociedade civil de uma série de países verdadeiramente democráticos, inclusive o Brasil. Até a ONU, por meio de seu Conselho de Direitos Humanos, já atestou que a ditadura do “companheiro” Maduro “não cumpre, de maneira nenhuma, as condições mínimas para a realização de eleições livres e confiáveis” na Venezuela.

É lamentável, triste até, que o presidente da República submeta o Brasil à vergonha de condescender com um regime tão nefasto quanto o comandado por Nicolás Maduro, sobretudo no contexto em que um ex-presidente, Jair Bolsonaro, acaba de ser condenado à inelegibilidade por oito anos justamente por seus desabridos ataques à democracia brasileira. Mas Lula é irremediável. Resta aos verdadeiros democratas do País conviver com sua retórica de botequim até que um presidente que nutra lídimo apreço pelos valores democráticos volte, enfim, a despachar no Palácio do Planalto.

A chance de aperfeiçoar o ensino médio

O Estado de S. Paulo

Freio na reforma dá oportunidade para refletir sobre a vantagem de articular o ensino médio ao ensino técnico, receita de sucesso em países desenvolvidos, como mostra estudo de Stanford

Nas últimas décadas o ensino no Brasil avançou do ponto de vista quantitativo, mas qualitativamente deixou a desejar. No ensino fundamental, ainda que a formação em seus dois pilares, língua e matemática, seja medíocre, a universalização foi praticamente conquistada. Já no ensino médio as taxas de permanência e proficiência seguem sofríveis. Os brasileiros amargam os últimos pelotões nas avaliações internacionais e a produtividade do trabalho se afasta cada vez mais da dos países desenvolvidos – sem falar nos déficits de cidadania.

A reforma do ensino médio de 2017 enfrentou esses problemas modernizando o setor conforme a experiência internacional: uma matriz curricular mais flexível e baseada em competências e habilidades. Mas, encorajados pela volta do PT ao governo, os críticos pressionam por sua revogação. O Ministério da Educação (MEC) suspendeu a reforma e abriu uma consulta pública.

Resgatar um sistema manifestamente fracassado seria um intolerável retrocesso. Mas convém aproveitar o freio de arrumação para aprimorar o novo modelo. O problema é que não há como mensurar sua eficácia. Ele começou a ser implantado em 2022, em meio a uma crise nacional (a afasia e a anomia do MEC de Jair Bolsonaro) dentro de uma crise global (a pandemia). Nessas circunstâncias, convém escrutinar a experiência internacional. Com esse propósito, pesquisadores da Universidade Stanford compararam os modelos de 11 países, entre eles economias avançadas e vizinhos latino-americanos, todos com desempenho superior ao do Brasil.

Os dados mostram que a reforma está no rumo certo ao promover a flexibilização – o modelo anterior é mais rígido que o dos outros países. Os mesmos dados, contudo, mostram que ela pode ter sido excessiva. Nas outras nações o mais comum é a divisão dual do currículo, com uma trilha acadêmica e outra técnica. Em alguns países ricos e educados, como Alemanha e Suíça, os alunos são canalizados a elas já no fundamental, o que mostra que a flexibilidade não é condição necessária para a alta proficiência e a baixa evasão. Por outro lado, o único país com mais flexibilidade que o novo modelo brasileiro, a Argentina, tem taxas ruins de conclusão e desempenho, o que sugere que a flexibilidade tampouco é suficiente.

Na verdade, as evidências comprovam que a característica mais importante dos sistemas com altos níveis de proficiência e conclusão é a cobertura da educação profissional e tecnológica (EPT) articulada no ensino médio.

Até os anos 70 prevalecia no Brasil o sistema dual, acadêmico e profissionalizante. Mas o primeiro era superestimado e o segundo, subestimado. O currículo pensado com vista ao ingresso dos filhos das elites nas universidades consolidou uma excessiva rigidez e abstração. Ao mesmo tempo, o ensino técnico foi marginalizado. Hoje, só 9% dos alunos que concluem o ensino médio estão em cursos profissionalizantes, enquanto nos países da OCDE a média é de 38%. Ainda assim, segundo o Inep, os brasileiros que cursam o ensino médio articulado à educação profissional têm desempenho superior em língua e matemática e taxas menores de repetência e evasão.

O Brasil tem ilhas de excelência, como o Sistema S ou o Centro Paula Souza, mas insuficientes para satisfazer a demanda. A médio prazo, a experiência internacional mostra que o ideal é integrar a EPT como opção no ensino médio regular. Para isso, será preciso criar um ecossistema de monitoramento e avaliação, uma boa formação de docentes e gestores e maior participação do setor produtivo – adequado a essa modalidade de ensino. Mais a fundo, é preciso desmoralizar a cultura bacharelesca que fomenta o desprestígio e a defasagem do ensino técnico.

Esse estigma explica, em boa parte, o erro de foco tanto dos detratores da reforma como de seus apoiadores. Os primeiros concentram as críticas justamente nas suas virtudes, como a flexibilização. Já os segundos frequentemente negligenciam o maior potencial da flexibilização: o revigoramento e a integração do ensino técnico. É isso que deveria estar no centro das atenções do MEC.

Hermenêutica criativa

O Estado de S. Paulo

Ao inventar a figura do juiz de garantias ‘opcional’, Luiz Fux reitera agressão à competência do Congresso

Em 2019, o Congresso aprovou importante aperfeiçoamento do sistema de Justiça penal, aprimorando a separação que deve existir entre a fase de investigação e a processual. A Lei 13.964/2019 estabeleceu que um juiz deve cuidar da investigação criminal e outro, do julgamento. Ela não criou nenhum cargo nem gerou despesas adicionais. Com a figura do juiz de garantias, o Legislativo apenas fez uma redistribuição de funções, de forma a assegurar maior imparcialidade às decisões judiciais. O juiz que autoriza as provas não deve ser o mesmo que as avalia na sentença.

No entanto, esse aperfeiçoamento ainda não foi implementado. Proferida em janeiro de 2020 pelo ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), uma liminar suspendeu os efeitos de parte da lei. A decisão foi uma agressão às competências do Legislativo. Sem apresentar nenhum fundamento constitucional para a suspensão – afinal, a figura do juiz de garantias, pelo contrário, fortalece o que dispõe a Constituição sobre a necessária imparcialidade do magistrado –, o ministro alegou que a medida aprovada pelo Congresso ensejava uma “completa reorganização da Justiça criminal do País”.

De fato, a Lei 13.964/2019 poderia ter previsto um tempo para a implementação do juiz de garantias. Mas o que fez o ministro Luiz Fux, sem respaldo na Constituição, não proporcionou nenhum prazo de transição. Ele apenas suspendeu a medida, por discordar dela.

Agora, mais de três anos depois da liminar, o STF começou a julgar o tema. E, uma vez mais, o ministro Luiz Fux surpreendeu. Sem dispor de argumentos para barrar a figura do juiz de garantias, o relator da ação propôs que a adoção do dispositivo da Lei 13.964/2019 seja opcional para cada localidade.

Ora, ou bem a figura do juiz de garantias é inconstitucional, e nesse caso não seria aceitável nem em sua forma “opcional”, ou bem é constitucional, e então deve ser adotada conforme expresso na lei que a implantou. O meio-termo proposto pelo ministro Luiz Fux é uma improvisação que não está prevista nem na lei nem na Constituição. Trata-se somente da inclinação inconfessável do ministro de fazer do STF, a todo custo, instância política revisora da vontade do Congresso.

Para piorar, a criação interpretativa do ministro Fux foi feita sob o argumento de que a implementação do juiz de garantias trará novos gastos aos tribunais. Não há nenhuma evidência nesse sentido, até porque o juiz de garantias não gera nenhum trabalho adicional. Trata-se de uma redistribuição de funções. No entanto, na ausência de outros argumentos, Luiz Fux, o mesmo cujas liminares concedendo auxíliomoradia a todos os juízes custaram aos cofres públicos mais de R$ 1 bilhão entre 2014 e 2018, mostrou-se preocupado com as finanças da Justiça.

O julgamento foi suspenso por um pedido de vista do ministro Dias Toffoli e deverá ser retomado após o recesso do STF, na sessão de 9 de agosto. Que o restante do colegiado, atendo-se às competências da Corte, não queira redigir as regras processuais penais. Isso é atribuição do Congresso.

Centro-Oeste muda a cara do Brasil

Correio Braziliense

Desde 2010, o número de cidadãos que vivem no Centro-Oeste avançou, em média, 1,2% ao ano, mais que o dobro da média nacional, de 0,52% — a menor da história, segundo o IBGE

Os dados do Censo de 2022 confirmaram o Centro-Oeste como a nova fronteira econômica do Brasil. Não por acaso, a região tem atraído cada vez mais habitantes, destoando das demais áreas do país, que veem a população estagnar ou mesmo encolher. Desde 2010, o número de cidadãos que vivem no Centro-Oeste avançou, em média, 1,2% ao ano, mais que o dobro da média nacional, de 0,52% — a menor da história, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Esse processo de interiorização do Brasil, dizem especialistas, é irreversível. Além de trabalho, as pessoas estão buscando melhores condições de vida.

O Centro-Oeste está sendo impulsionado pelo agronegócio, que cresce a taxas expressivas ano a ano. O Brasil figura entre os três principais produtores de alimentos do mundo e é na região que está a maior área agricultável do planeta. Para sustentar o plantio e a colheita, os produtores têm sido obrigados a investir cada vez mais na tecnologia e na contratação de mão de obra especializada. Em determinadas cidades, há falta de trabalhadores, ao contrário do que ocorre nas periferias das grandes cidades, em que o desemprego encosta nos 10% e a violência é uma rotina que atormenta as famílias.

Dois dos principais exemplos de debandada da população são Salvador, que, em uma década, perdeu quase 10% de sua população, e Rio de Janeiro, que encolheu em quase 110 mil habitantes. Essas capitais estão entre as mais violentas do país e as que ostentam índices de desocupação acima da média nacional. Em contrapartida, duas das quatro cidades que mais cresceram em termos populacionais estão no Centro-Oeste — Senador Canedo (Goiás), onde o número de habitantes avançou 84,3%, e Sinop (Mato Grosso), com salto de 73,4%. Os outros dois municípios ficam em regiões produtoras de grãos: Luís Eduardo Magalhães (Bahia), que ganhou 79,5% a mais de moradores, e Fazenda Rio Grande (Paraná), com alta de 82,3%.

O agronegócio não movimenta apenas o campo. Com a renda gerada pelo plantio, toda a economia dos municípios produtores de alimentos se movimenta, puxando, sobretudo, o setor de serviços, com especial destaque para o comércio. O impacto também se irradia pelo setor público, que é obrigado a ampliar o quadro do funcionalismo para atender a demanda maior por serviços. É aí que reside o principal desafio das administrações: garantir que, com o afluxo maior de pessoas, as condições de vida que todos valorizam não se degradem. Saúde, educação, infraestrutura e segurança exigem cada vez mais investimentos.

Encravada na região, Brasília também se beneficia do potencial agrícola, registrando os maiores índices de produtividade de grãos por hectare do país. A cidade já é a terceira do Brasil em termos populacionais, atrás apenas de São Paulo e do Rio de Janeiro. É fundamental, portanto, que o Congresso mantenha os repasses para o Fundo Constitucional do Distrito Federal. Qualquer alteração na transferência de recursos por parte da União significará menor capacidade do governo local de garantir atendimento em hospitais, postos de saúde, escolas e bem-estar social. A geografia do Brasil mudou e isso deve ser levado em conta pelos gestores.

 

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