sábado, 15 de julho de 2023

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Ideia de subsídio para ‘linha branca’ deve ser descartada

O Globo

Governo precisa arrecadar cerca de 1,5% do PIB para cumprir meta de zerar déficit no ano que vem

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva faria um serviço ao país se revisasse a ideia de criar um programa de incentivo à compra de eletrodomésticos, nos mesmos moldes do lançado em junho para a indústria automobilística e, mais recentemente, expandido. Não há por que incorrer no mesmo erro. Primeiro porque programas desse tipo têm histórico de resultados pífios. Segundo porque o país não pode se dar ao luxo de abrir mão de receitas neste momento.

Na quarta-feira, em discurso no Palácio do Planalto, Lula disse que tinha falado com o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Geraldo Alckmin, sobre uma “aberturazinha” para a linha branca. Nas palavras do presidente, “facilitar a compra de geladeira, de televisão, de máquina de lavar roupa”, “se está caro, vamos baratear”. Ontem Lula não tocou no tema em reunião com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

Mesmo quando as contas do governo estão em ordem (o que não é o caso no momento), a decisão de subsidiar a aquisição de produtos de consumo corre o sério risco de ser socialmente injusta. O programa para a indústria automotiva mostrou bem isso. Para beneficiar uma parcela remediada da população, o governo separou R$ 1,5 bilhão na primeira fase e mais R$ 300 milhões na segunda. Os compradores dos veículos (125 mil até o início de julho) têm o que comemorar. Todos os outros brasileiros, inclusive os mais pobres, não.

Agora o governo se esforça na tentativa de achar uma justificativa para os eletrodomésticos. Diz que os novos produtos consumirão menos água e energia, mas não há um plano com metas nem estratégia. Declara que é necessário estimular a indústria, esquecendo que políticas semelhantes não funcionaram antes e não funcionarão agora. No caso da venda de carros, são inexistentes os sinais de que as montadoras terão um ano fenomenal depois do subsídio bilionário. Muitos dos beneficiados somente anteciparam a decisão de compra.

Do ponto de vista político, o cálculo é distinto. Agradar à classe média é, sem dúvida, uma das metas do presidente. Programas de subsídios podem ter uma cobertura pequena do total de eleitores, mas ajudam a espalhar a sensação de que algo está sendo feito.

O problema é que essa escolha tem um preço alto para a sociedade, especialmente na atual conjuntura. No mesmo dia do discurso com referência a Alckmin no Palácio do Planalto, o Tesouro Nacional divulgou um relatório, dizendo que o governo federal precisa arrecadar R$ 162,4 bilhões extras em 2024 para cumprir a meta de zerar o déficit. A estimativa contabiliza os R$ 104,4 bilhões esperados para o ano que vem com medidas já adotadas pelo Ministério da Fazenda.

Um governo que promete ser responsável do ponto de vista fiscal e corre atrás de uma quantia equivalente a cerca de 1,5% do PIB não deveria abrir mão de tributos para permitir a troca do carro ou da geladeira que “não está gelando a cerveja bem”, como defendeu o presidente. O populismo econômico costuma provocar consequências muito mais graves que uma bebida alcoólica em temperatura ambiente.

Morte por bala perdida da oitava criança no Rio neste ano exige resposta

O Globo

Tragédias como a do menino Dijalma, de 11 anos, morto a caminho da escola, devem ter fim

O desespero demonstrado pela dona de casa Adijailma de Azevedo, ao perceber a morte do filho Dijalma, de 11 anos, vítima de uma bala perdida na cidade de Maricá, Região Metropolitana do Rio, se tornou uma cena perturbadoramente corriqueira no estado. O menino, autista, acabara de sair do conjunto habitacional onde mora e seguia de mãos dadas com a mãe para a Escola Municipal Darcy Ribeiro quando tombou no meio da rua, alvejado por um tiro disparado a esmo. Uma situação infame a que o Rio não consegue dar fim.

Parentes do menino e moradores que testemunharam a cena acusam policiais militares de terem chegado ao local atirando. Os PMs alegam que foram recebidos a tiros por criminosos locais e por isso revidaram — a viatura tem marcas de bala. Como os agentes tinham câmeras portáteis instaladas no uniforme, as imagens gravadas poderão ajudar os investigadores a esclarecer os fatos. Saber o que realmente aconteceu não mudará a tragédia que se abateu sobre a família de Dijalma, mas é fundamental que autoridades identifiquem e punam os responsáveis pelo crime. É o mínimo a fazer.

Tão chocante quanto a morte de uma criança a caminho da escola é a repetição desses episódios macabros. Dijalma é a oitava criança morta por bala perdida no Estado do Rio neste ano, segundo levantamento do Instituto Rio de Paz.

Juan Davi de Souza Faria, de 11 anos, foi atingido no quintal em Mesquita; Rafaelli Vieira, de 10, estava brincando no portão de sua casa, em São João de Meriti; Maria Eduarda Martins, de 9, participava com a mãe de um bloco de carnaval em Magé; Ester de Oliveira, de 9, voltava da escola, em Madureira; Jhenyfer de Souza, de 12, andava na rua quando começou um tiroteio entre traficantes em Itatiaia; Lohan Dutra, de 11, brincava na porta de casa, no Morro do Chapadão; Yan Marques, de 12, se divertia num aniversário em Nova Iguaçu. Para a sociedade fluminense, a repetição de mortes estúpidas de crianças e também de jovens e adultos por balas perdidas jamais será motivo para tratar dessas tragédias como algo corriqueiro. Em lugar nenhum do mundo civilizado seria.

Policiais destacados para combater o crime organizado arriscam a própria vida em embates realizados em áreas com alta densidade populacional. Também há tiroteios entre traficantes rivais. Tais constatações não podem ser usadas para acobertar os casos de despreparo policial. Não é admissível que agentes de segurança saiam atirando onde há risco de atingir inocentes.

Passou da hora de as autoridades do estado se debruçarem sobre o problema e apresentarem resultados. O governo federal continua devendo um plano para reduzir o arsenal de armas existente. Quantas mães ainda terão de chorar a morte prematura de seus filhos até que se interrompa a chuva de balas perdidas?

Imposto às claras

Folha de S. Paulo

Reforma tributária dará transparência à carga abusiva que não pode ser elevada

A definição da alíquota básica do futuro imposto sobre valor agregado será, com toda certeza, um cavalo de batalha para os adversários da reforma tributária —e, possivelmente, um motivo de dúvida até para os apoiadores da proposta.

A polêmica, já em curso, não é desprovida de fundamento. Ao que tudo indica, o novo tributo, destinado a substituir cinco hoje existentes, terá uma das maiores alíquotas do mundo, se não a maior, para a taxação de bens e serviços. Convém, no entanto, que os motivos sejam compreendidos.

A reforma substitui os atuais PIS, Cofins e IPI, federais, ICMS, estadual, e ISS, municipal, por um tributo compartilhado por todos os entes federativos, dividido em CBS, federal, e IBS, dos governos regionais.

Além disso, haverá um imposto seletivo sobre produtos nocivos à saúde e ao meio ambiente.

As alíquotas serão definidas em lei complementar, mas se estimou que, juntos, CBS e IBS resultarão numa cobrança de 25%, e isso se o cálculo já não estiver defasado. O maior percentual conhecido é o da Hungria, de 27%; entre os países mais desenvolvidos, a maioria aplica entre 5% e 20%.

É preciso ficar claro, porém, que a alíquota projetada para o Brasil leva em conta o objetivo de manter a arrecadação de hoje. Dito de outra maneira, os brasileiros já estão entre os maiores pagadores mundiais de tributos sobre a produção e o consumo.

Assim o demonstram dados oficiais. Segundo a Receita Federal, a taxação de bens e serviços consome 13,5% da renda nacional. Entre os 38 membros da OCDE, apenas Hungria, Grécia, Dinamarca, Finlândia, Letônia e Estônia apresentam cifras maiores. Na média da organização, são 10,8%.

A reforma, portanto, dará transparência a uma carga escorchante —e iníqua, uma vez que não distingue ricos e pobres— atualmente camuflada pelas normas obscuras de cinco tributos diferentes.

Ficará claro também que quanto mais exceções forem abertas na incidência de CBS e IBS, como já se aprovaram para saúde, educação, transporte, agronegócio, esporte e outros, maior será a alíquota a ser paga pelas demais atividades.

Tudo considerado, é essencial que o novo sistema de impostos e contribuições sociais seja implantado com o compromisso expresso na legislação de não elevar a já exorbitante tributação dos produtos no país —ainda que a distribuição dessa carga entre os diferentes segmentos da economia necessariamente vá ser alterada.

Mais à frente, se superada a etapa da simplificação da cobrança, há também que buscar meios de reduzir o peso da taxação regressiva do consumo na arrecadação de União, estados e municípios.

Mundo faminto

Folha de S. Paulo

Fome global avança, mas é contida no Brasil graças à transferência de renda

Além de colapsar sistemas de saúde em todo o mundo, a pandemia de Covid-19 impactou a economia global, com desaceleração brutal da atividade, desemprego e perda de renda; depois, inflação e consequente alta dos juros.

O resultado foi o aumento da fome, como mostra o relatório Estado da Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo, produzido pela Organização das Nações Unidas (ONU) e divulgado na quarta (12). O documento é um alerta para que governos implementem políticas públicas que mitiguem o flagelo.

A metodologia do levantamento considera três situações para a alimentação: a fome, caracterizada pela desnutrição; a insegurança alimentar severa, quando o indivíduo fica um ou mais dias sem comer; e a moderada, quando há redução na quantidade de comida e incerteza quanto ao seu acesso.

No ano passado, 2,4 bilhões de pessoas estavam em situação de insegurança alimentar severa ou moderada, enquanto 735 milhões passavam fome —o que representa 9,2% da população mundial. São 122 milhões de pessoas a mais em estado de desnutrição ante 2019, ano anterior à pandemia, quando a fome atingia 7,9%.

No Brasil, 4 milhões de pessoas estavam em situação de insegurança alimentar severa entre 2014 e 2016 (1,9% da população). Entre 2020 e 2022, o número saltou para 21 milhões (9,9%). Contudo, nos mesmos períodos, a fome caiu de 12,1 milhões (6,5%) para 10,1 milhões (4,7%).

Chama a atenção que o Brasil tenha sido o único país da América do Sul, exceto a Guiana, que obteve queda no índice da população que não conseguia pagar por uma dieta saudável entre 2019 e 2020, de 18,8% para 12,7%.

Os números revelam o papel dos programas de transferência de renda. Em março de 2020, o Congresso aprovou o auxílio emergencial de R$ 600. Dois anos depois, Jair Bolsonaro (PL) reeditou o benefício, por motivos eleitoreiros, sob o nome de Auxílio Brasil. Em junho deste ano, o novo Bolsa Família começou a pagar R$ 705,40 mensais, o maior valor da história.

É preciso agora manter o aprimoramento do cadastro dos beneficiários para que o dinheiro chegue a quem de fato precisa. Ademais, o programa não exime o governo de implementar uma política econômica racional no trato do gasto público, que estimule o crescimento sem inflação —medidas fundamentais para os mais pobres.

A irresponsabilidade do sr. Barroso

O Estado de S. Paulo

Coerente com a cultura que transforma os juízes do STF em celebridades, o ministro fala demais em evento da UNE e põe em dúvida sua imparcialidade, o que só interessa aos liberticidas

O sr. Luís Roberto Barroso, na condição de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), deveria ter declinado do convite para comparecer a um congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE), realizado no dia 12 passado, e por razões óbvias: tratava-se de evento eminentemente político, do tipo que deve ser evitado a todo custo por juízes – aqueles que têm de ser vistos pela sociedade como imparciais. Já que cometeu a imprudência de aceitar, o sr. Barroso deveria ter ficado calado, pois qualquer manifestação sua ali poderia ser tomada como simpatia ou antipatia por este ou aquele político – e, recordese, políticos são julgados por ministros do Supremo. Como foi ainda mais imprudente e resolveu discursar, o sr. Barroso deveria medir cautelosamente as palavras – mas, como o País soube, estupefacto, o sr. Barroso cometeu a irresponsabilidade de jactar-se de ter “derrotado o bolsonarismo”.

Ante o choque que seu comportamento causou, o sr. Barroso, em lugar de reconhecer o erro, de resto evidente para todos, tentou dizer que foi mal compreendido – ou seja, além de ignorar as interdições éticas impostas a quem exerce a magistratura, o sr. Barroso tentou responsabilizar a audiência pela confusão.

Ainda há tempo para que o sr. Barroso se retrate para valer, considerandose, em primeiro lugar, que será sob sua presidência que o Supremo julgará alguns dos processos que pesam contra o ex-presidente Jair Bolsonaro, líder do tal “bolsonarismo” que o ministro diz ter ajudado a derrotar. Nesse sentido, foi exemplar a cobrança do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco: “Se não houver um esclarecimento em relação a isso, mesmo uma retratação quanto a isso, até para se explicar a natureza do que foi dito, evidentemente que isso pode ser interpretado como uma causa de impedimento ou suspeição”.

O mais lamentável dessa história toda é que o mau comportamento do sr. Barroso não foi um fato isolado. Ao contrário: há muito parece ter se instaurado no STF uma cultura na qual se considera aceitável que ministros do Supremo atuem como celebridades nacionais, aptas e disponíveis para comentar as mais diversas facetas da vida do País.

Ignora-se uma das regras mais básicas da magistratura: o juiz fala apenas nos autos. Tão frequente é a violação desse dever, que o silêncio, que deveria ser o comportamento habitual de todos os ministros, se tornou algo extraordinário. A atitude discreta da presidente do STF, ministra Rosa Weber, tem sido uma absoluta exceção hoje em dia.

Conforme a Lei Orgânica da Magistratura, juízes só podem se manifestar fora dos autos se a manifestação se der no exercício do magistério. Ou seja, mesmo que o sr. Barroso não tivesse dito o que disse sobre o bolsonarismo, já seria escandalosa sua simples participação num congresso da UNE, que não tinha rigorosamente nenhum caráter acadêmico. Infelizmente, vige no STF outra compreensão sobre o comportamento público que um integrante da Corte deve ter. Parece que alguns ministros pensam que tudo o que falam seja verdadeira “aula” à sociedade: todas as suas manifestações seriam “exercício do magistério”.

Ao não reconhecer claramente seu erro, o sr. Barroso reiterou o modus operandi vigente no STF: o de que um ministro da Corte pode se manifestar sobre assuntos políticos, devendo apenas ter cuidado com as palavras.

Todo esse deplorável episódio, cujos efeitos ainda serão sentidos por muito tempo, explicita o acerto da proibição da Lei Orgânica da Magistratura. Sejam quais forem a intenção e o contexto, toda vez que o juiz fala fora dos autos causa danos ao Judiciário e, em última instância, ao Estado Democrático de Direito. Não surpreende, portanto, que os liberticidas de sempre, interessados em desestabilizar o País, logo tenham aproveitado a chance para exigir o impeachment do ministro.

O caso do sr. Barroso tem de ser ocasião de uma profunda mudança de cultura no STF. É preciso respeitar as limitações próprias da magistratura. Juiz não é celebridade. Caso contrário, entre outros danos, a autoridade do Supremo estará comprometida para julgar aqueles que tanto mal causaram ao País.

Populismo de mesa de bar

O Estado de S. Paulo

Como quem não quer nada, Lula comenta que gostaria de criar incentivo à compra de eletrodomésticos, esquecendo-se que a prioridade num país de endividados não é endividá-los mais

Mal o governo aprovou na Câmara dos Deputados a reforma tributária possível e se prepara para duras negociações com vista à votação no Senado, o presidente Lula da Silva resolve dar, mais uma vez, mostras de devaneio populista. Do jeito que gosta, entre sorrisos, como se estivesse desenhando uma ideia na qual acabara de pensar, anunciou a intenção de criar um programa de incentivo à compra de eletrodomésticos. O comunicado foi feito durante cerimônia do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia, no Planalto.

“Falei para o Alckmin: 'Que tal a gente fazer uma aberturazinha para a linha branca?' Facilitar a compra de geladeira, de televisão, de máquina de lavar roupa”, disse o presidente, como se fizesse um improviso despretensioso, no qual incluiu erroneamente aparelhos de TV, da linha marrom, no segmento industrial de eletrodomésticos da linha branca. Caprichando nos gestos e sorrisos, comentou que geladeira velha não gela bem a cerveja e vaticinou, como um demiurgo: “Se está caro, vamos baratear”.

Obviamente não foi improviso. Foi caso pensado. E, para deixar claro que se trata de mais do que uma intenção, além de citar o vice-presidente e ministro da Indústria, Geraldo Alckmin, Lula incluiu no pacote a ministra do Planejamento, Simone Tebet, e o presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, com o pedido descontraído para que “abram a mão um pouquinho” para “facilitar a vida do povo”. Os ministros, claro, desconversaram sobre a exequibilidade do “projeto”.

Levando em conta a bronca pública dada por Lula em todo o primeiro escalão durante reunião ministerial há quatro meses, quando disse que “qualquer genialidade que alguém possa ter” terá obrigatoriamente de ser discutida com a Casa Civil antes do anúncio, é de questionar se a proposta que defende passou por alguém além de Lula. Se passou, é provável que a Casa Civil não esteja cumprindo seu papel de discutir as medidas com os demais Ministérios. Seria, no mínimo, contraditório apresentar mais uma proposta de subsídio em meio às discussões da reforma tributária.

Mas o presidente ficou animado com o incentivo do governo para a venda de carro zero. “Fizemos uma coisinha pequena e vendemos mais carros do que a capacidade de produzir no período”, disse Lula, eufórico. Não é verdade. O programa apenas reduziu em parte os estoques de carros já produzidos, não resolveu o problema do setor automotivo, privou o Tesouro de algum reforço financeiro e não movimentou um milímetro a economia.

Mas por um par de meses deixou felizes algumas centenas de consumidores e uma parcela mínima da indústria. Parece o suficiente para o presidente considerar uma vitória. Para revestir o programa de algum sentido além do presente aleatório a um grupo restrito, foram incluídos caminhões e ônibus na última hora. Não funcionou. De acordo com dados da Fenabrave, as vendas de caminhões sofreram retração de 28,86%, em junho, na comparação com o mesmo período de 2022.

O governo conseguiu importantes vitórias recentes na economia, mesmo que ainda incompletas. O encaminhamento do arcabouço fiscal, a votação da reforma tributária na Câmara, o início da reversão do processo inflacionário (uma conquista da política monetária do Banco Central que Lula não cansa de atacar). Sinais positivos importantes que devem ser potencializados, e não anulados com pirotecnia populista.

Antes de pensar na demanda, há que pensar na redução do endividamento que, em patamares recorde, atinge cerca de 79% das famílias brasileiras. A ordem natural é o crescimento da renda vir antes da alta do consumo. Com isso, a demanda aumenta naturalmente. Não adianta criar miragens.

O fato de Lula da Silva se recusar a descer do palanque de campanha é ruim para o País e péssimo para o próprio governo. Lula quer ser lembrado como o presidente da picanha, da cerveja, do carro e da geladeira. Mas, no afã de marcar gols e correr para o abraço, Lula está se perdendo na área e mirando na trave errada.

Hora de mudar o tom com Maduro

O Estado de S. Paulo

Governo informa que acredita em eleições livres na Venezuela, mas é preciso cobrar isso do ditador

O governo federal anunciou há poucos dias que pretende manter relações com a Venezuela, malgrado a ditadura de Nicolás Maduro cassar, sistematicamente, os direitos políticos de todos os opositores que representem ameaça à sustentação do caudilho no poder. A mais recente vítima das garras de Maduro foi a ex-deputada María Corina Machado, favorita para representar a oposição na eleição presidencial de 2024.

Ao Estadão, a embaixadora Gisela Padovan, secretária de América Latina e Caribe do Itamaraty, anunciou que a posição do governo segue inalterada na relação com a Venezuela, mesmo após a ditadura inabilitar María Corina para o exercício de cargos públicos por 15 anos sem apresentar razões consistentes para a condenação. “Nossa posição não muda, de sempre buscar dialogar com a Venezuela, em favor de que no ano que vem haja eleições livres, transparentes e abertas”, disse a diplomata, reforçando que isolar a Venezuela “não resolve”.

De fato. Ninguém em sã consciência espera que o Brasil corte relações com a Venezuela, um país com o qual compartilha uma fronteira de mais de 2 mil km. Ademais, entre os dois países há interesses de Estado, perenes, e não só de governo, circunstanciais. Há questões políticas, comerciais e humanitárias nessa relação que, para serem bem encaminhadas, dependem fundamentalmente da existência de canais de diálogo desobstruídos. No entanto, se é importante para o Brasil não isolar a Venezuela, como disse a embaixadora com razão, a questão de fundo é saber sobre qual base e com qual objetivo se sustenta essa relação.

Lula sabe com quem está lidando. Sua condescendência com os desmandos do “companheiro” Maduro é notória. Tampouco há ingênuos no Itamaraty. Como esperar, então, que o mesmo regime que, entre outras barbaridades, cassa reiteradamente opositores por temer o escrutínio público e a supremacia da vontade popular seja capaz de promover “eleições livres, transparentes e abertas”? Ora, nem a ONU acredita nisso, haja vista o recente relatório de seu Conselho de Direitos Humanos atestando que a ditadura de Maduro “não cumpre, de maneira nenhuma, as condições mínimas para a realização de eleições livres e confiáveis” na Venezuela.

O Brasil não só pode, como deve manter o diálogo com a Venezuela, mas esse diálogo não pode ser fajuto nem, menos ainda, desrespeitoso aos princípios norteadores da política externa brasileira – sobretudo a defesa do Estado Democrático de Direito e dos direitos humanos. Fajutas serão as eleições de 2024 no país vizinho se aos candidatos de oposição não forem asseguradas as condições de competir com liberdade e paridade de armas. Ao que tudo indica, o pleito será apenas mais um simulacro, como tantos outros que têm eternizado Maduro no Palácio de Miraflores.

Qualquer relação do Brasil com a Venezuela que não sirva para ajudar aquele país a reencontrar o caminho da normalidade institucional e democrática é um desserviço ao povo venezuelano e uma violação da Constituição de 1988.

Cresce a violência contra as crianças

Correio Braziliense

A cada 10 crianças violentadas sexualmente, oito foram vítimas de parentes próximos ou amigos da família

No primeiro semestre deste ano, ocorreram 17.500 abusos sexuais de crianças e adolescentes no país — aumento de 70% na comparação com igual período de 2022 —, segundo registros do Disque 100 do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania. Muito pouco ou nada a comemorar nesta quinta-feira, quando o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990) completou 33 anos. O ECA, criado para garantir proteção desse segmento da sociedade bastante vulnerável e que passa por fases de intenso desenvolvimento psicológico, físico, moral e social, é desrespeitado e as políticas públicas não têm provocado os efeitos necessários exigidos pela lei. A insegurança para eles está em todos os lugares — dentro de casa, nas ruas e até nas escolas.

A cada 10 crianças violentadas sexualmente, oito foram vítimas de parentes próximos ou amigos da família. Os registros são subnotificados, principalmente em casos de estupros, praticados por alguém da família e amigos, que são os mais comuns e vitimam as crianças. Em boa parte, o estuprador não é denunciado pelos familiares. Eles não registram queixa contra o agressor. Preocupa as autoridades e os profissionais de saúde o fato de que cerca de 70% das adolescentes ficam grávidas após serem violentadas. A interrupção da gravidez não ocorre entre boa parte das vítimas, seja por falta de recursos financeiros, seja por ignorar seus direitos, seja devido à proibição por dogmas religiosos seguidos pela família.

Em 2022, 2.555 crianças e adolescentes foram assassinados. Outros 19.136 foram vítimas de maus tratos, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança. A cada ano, cresce a violência contra crianças e jovens menores de 18 anos. Além das agressões sexuais físicas e por meios virtuais, como bullying e cyberbullying, eles são alvo de negligência e abandono, pornografia, tortura (lesões físicas e mentais), trabalho precoce e tráfico.

Nos primeiros meses de 2023, no Rio de Janeiro, 31 pessoas morreram por bala perdida. Deste total, morreram cinco das 11 crianças atingidas e três adolescentes, entre os 12 baleados, também não resistiram aos ferimentos, conforme levantamento da organização não governamental Fogo Cruzado. Quase sempre as tragédias ocorrem nas periferias do estado, durante os confrontos entre as forças de segurança pública e o crime organizado. Na manhã de quarta-feira última, o número aumentou. Um menino de 11 anos, a caminho da escola, foi morto por um tiro nas costas, durante um embate entre policiais e bandidos na região metropolitana do Rio de Janeiro.

O público infantojuvenil não está seguro nem nas escolas. Neste ano, ocorreram dois casos, com um total de cinco vítimas. No primeiro semestre deste ano, o Instituto Sou da Paz constatou que ocorreram sete ataques aos colégios no país com armas de fogo. Um recorde, considerando-se o período desde 2002 até o ano passado, quando ocorreram 25 casos. Em 2019, foram três atentados a instituições de ensino. Diante desse aumento, o Ministério da Justiça e Segurança Pública editou medidas para reforçar a segurança nas escolas.

As dificuldades do público infantojuvenil são muito maiores, se somadas aos obstáculos para acesso à saúde, educação, saneamento básico, entretenimento, moradia e tantos outros serviços que garantiriam vida digna e saudável para crianças e adolescentes. Não basta afirmar que crianças e jovens são o futuro do Brasil. Impõem-se políticas públicas para que, de fato, eles tenham futuro.

 

 

 

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