quarta-feira, 19 de julho de 2023

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Apesar de avanços, governo precisa evitar retrocessos

Valor Econômico

O viés intervencionista do PT se manifesta ainda no desejo de minar aspectos da Lei das Estatais

Embora haja avanços na agenda econômica, o principal deles, a aprovação histórica da reforma tributária na Câmara dos Deputados, ainda há muitos desafios a serem enfrentados a curto e médio prazos no país. A reforma tributária terá de ser analisada pelo Senado, que vai precisar fazer correções sem perder o foco na aprovação do texto. Outro tema importante na área econômica são as mudanças no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), instância que julga litígios entre contribuintes e a Receita Federal. O Planalto conta com as novas regras do Carf - também pendentes do escrutínio pelos senadores depois de passarem pela Câmara - para assegurar o cumprimento do arcabouço fiscal, que se apoia em forte crescimento das receitas. A legislação que substitui o teto de gastos enfrentará mais uma votação dos deputados, prevista para agosto.

Também no começo do próximo mês está programada a reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central, que deve começar o ciclo de corte na taxa básica de juros (Selic), segundo estimativas de mercado. A Selic situa-se em 13,75% ao ano. A deflação registrada no IPCA, em junho, é um dado que pode ajudar no movimento de corte dos juros, embora a inflação de serviços ainda seja um ponto de atenção.

Em meio a boas notícias, surpreendeu a divulgação, na segunda-feira (17), do Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br), considerado como uma prévia do Produto Interno Bruto (PIB). O IBC-Br caiu 2% em maio, na comparação dessazonalizada com abril. A queda do IBC-Br reflete, em uma primeira leitura dos dados, o fim do impulso sazonal da colheita da safra e também a queda do varejo, de abril para maio. Mesmo assim, em 12 meses o indicador apresentou avanço de 3,43%.

O IBC-Br tem metodologia de cálculo distinta das contas nacionais calculadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O indicador do BC é de frequência mensal e permite acompanhamento mais periódico da evolução da atividade econômica, enquanto o PIB, de frequência trimestral, descreve um quadro mais abrangente da economia.

Se espera que uma vez passado o efeito registrado pelo IBC-Br em maio, a economia brasileira tenha comportamento mais próximo das projeções das instituições financeiras e consultorias, que preveem um PIB rodando perto da estagnação no segundo trimestre do ano.

Fazendo coro às pressões do presidente da República pela redução dos juros, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse esta semana que o resultado do IBC-Br era esperado dada a “pretendida desaceleração da economia” pelo Banco Central.

A mediana das projeções dos economistas do mercado para o crescimento da economia brasileira, em 2023, subiu de 2,19% para 2,24%, segundo a última projeção do Relatório Focus, do Banco Central. Para a Selic, a mediana das estimativas manteve-se em 12% no fim do ano, enquanto as projeções para a inflação permaneceram em 4,95%, acima do centro da meta do BC para o ano que é de 3,25%.

É importante que o governo, além de seguir trabalhando pela melhoria do cenário macroeconômico, se preocupe também em aprimorar as condições regulatórias e dê sinais positivos de forma a atrair mais investimentos privados para áreas vitais como infraestrutura, o que inclui o saneamento básico e o setor de energia, entre outros.

Preocupa nesse sentido medidas que o atual governo vem tomando, desde o primeiro dia do mandato, para enfraquecer arranjos institucionais nos quais o país avançou. Um caso evidente é o do marco de saneamento, cujas regras foram aprovadas em 2020 e permitiram alavancar investimentos privados no setor. Como publicou este jornal, desde que o novo marco do saneamento foi aprovado foram realizados 28 leilões, que contrataram R$ 98 bilhões em investimentos, segundo a Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Água e Esgoto (Abcon).

O mais indicado, portanto, seria que o governo mantivesse a legislação aprovada há três anos como forma de universalizar os serviços de fornecimento de água tratada e de coleta de esgoto. Apesar de nos últimos dias o Planalto ter recuado de decretos que desmontavam o marco do saneamento, o que é positivo, ainda existem pontos polêmicos nas propostas do governo que podem significar um passo atrás em conquistas já obtidas.

Também significa uma volta ao passado, na acepção negativa do termo, a tentativa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de rever pontos da privatização da Eletrobras. Em maio, o governo entrou com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) questionando trechos da transferência da estatal elétrica à iniciativa privada. Especialistas consideram, porém, que a venda foi juridicamente prefeita e, portanto, a ação de Lula não faria sentido. O viés intervencionista do PT se manifesta ainda no desejo de minar aspectos da Lei das Estatais, que trouxe avanços importantes na governança das empresas públicas. Definitivamente, o país não precisa de mais retrocessos.

É hora de defesa da normalidade institucional

O Globo

Com democracia fora de risco, país deve fazer reformas e continuar tendo a Constituição como guia

Após quase sete meses de governo Lula, pode-se afirmar sem medo que a democracia brasileira não corre mais risco. As descobertas sobre tramas golpistas em Brasília, envolvendo até mesmo autoridades públicas, são estarrecedoras. Contudo, as instituições democráticas do país cumpriram seu papel constitucional, garantindo a realização das eleições em clima de total normalidade, com a proclamação da vitória do candidato que obteve maior votação, como manda a lei. O eleito tomou posse e governa o país, também na mais absoluta normalidade. Nesse processo, coube ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) grande protagonismo na defesa da legalidade.

Quando demandados, os tribunais agiram com energia contra extremistas que apoiavam o presidente derrotado, acampados em frente a quartéis, obstruindo vias públicas ou simplesmente disseminando teorias conspiratórias nas redes sociais e em aplicativos de mensagens. Essa resposta firme em defesa da democracia era mesmo o que se esperava das instituições. E elas não decepcionaram.

Passada a tempestade institucional, o Brasil tem de voltar sua atenção para os graves problemas sociais que nos separam das nações mais desenvolvidas. Ao Congresso cabe se dedicar às importantes reformas de que o país precisa para voltar a crescer; também é essencial regular as plataformas digitais, que tanto contribuíram para a instabilidade democrática no governo que findou. O Executivo precisa dar resposta aos desafios monumentais da nossa sociedade, como o aprimoramento do nosso ensino público, a instalação de saneamento básico nos milhões de residências brasileiras que ainda convivem com esgoto a céu aberto e a defesa da Floresta Amazônica. Do Poder Judiciário espera-se que cumpra a Constituição, com independência e coragem, mas também com discrição e autocontenção. Já não existe motivo nem demanda social por medidas voluntaristas: inquéritos com objetos vagos, que nunca se encerram, e prisões sem firme base legal não fazem bem à nossa democracia.

Os envolvidos em tramas golpistas devem ser investigados e punidos, se ficar assentada sua culpa, mas tudo dentro dos preceitos legais, com amplo direito à defesa e aos recursos a ela inerentes. Qualquer outro caminho, além de desnecessário, engrossa o coro dos que continuam trabalhando contra a democracia. É exemplar o caso do tenente-coronel Mauro Cid, preso há mais de dois meses. As evidências apontam para o envolvimento do militar em atividades ilícitas, como a falsificação do certificado de vacina de Jair Bolsonaro e tramas golpistas. Se de fato for assim, ele deve ser julgado e condenado. A extensa privação da liberdade, sem que tenha havido sequer o oferecimento de denúncia contra ele, pode dar margem à suspeita de perseguição. Prisões preventivas precisam seguir requisitos legais bem definidos — e eles devem estar explicitados de forma convincente, o que não ocorreu nesse caso. Sem isso, o estranhamento se instala com toda sorte de ruídos.

A Constituição de 1988 foi produzida nos estertores do período ditatorial. Talvez por isso prestigie de forma tão exacerbada a democracia e o Estado de Direito. Vivemos recentemente anos soturnos, durante os quais a democracia foi constantemente ameaçada por um governo obscurantista. A Constituição deve ser o guia das instituições nessa transição para tempos de luz. O momento é de defesa da normalidade institucional. O golpismo foi derrotado. É hora de viver plenamente a democracia.

Lula precisa vetar o projeto que libera a ozonioterapia no país

O Globo

Para Anvisa e instituições médicas, não há estudos que comprovem a eficácia e segurança da prática

O Senado aprovou, na semana passada, o Projeto de Lei 1.438/2022, que libera a prescrição da ozonioterapia como tratamento de saúde complementar em todo o país. O PL, que seguiu para sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pode agradar a nichos que enxergam no procedimento uma espécie de panaceia, mas tem levado preocupação a instituições médicas.

A Academia Nacional de Medicina (ANM), que defende o veto ao projeto, disse não ter conhecimento de trabalho científico que comprove a eficácia da ozonioterapia em nenhuma circunstância, acrescentando que a prática pode trazer riscos à saúde.

Em junho do ano passado, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) já havia publicado nota técnica para esclarecer o assunto, ressaltando “os riscos à saúde oriundos da utilização indevida e indiscriminada dessa tecnologia”. De acordo com o documento, a ozonioterapia é permitida apenas para fins odontológicos (no tratamento de cáries, prevenção de quadros inflamatórios/infecciosos, cirurgias) e estéticos (auxílio à limpeza e à assepsia da pele). Fora isso, diz a Anvisa, não há estudos que comprovem a segurança e a eficácia da prática, lembrando que o uso de dispositivos não regularizados ou com finalidades diferentes das autorizadas configura infração sanitária.

Mesmo o Conselho Federal de Medicina (CFM), que durante a pandemia de Covid-19 foi condescendente com a ampla prescrição de cloroquina, já se posicionou contra a ozonioterapia. Em agosto de 2020, divulgou nota afirmando “tratar-se de procedimento ainda em caráter experimental, cuja aplicação clínica não está liberada, devendo ocorrer apenas no ambiente de estudos científicos”.

Em coluna no GLOBO, Natalia Pasternak, microbiologista e presidente do Instituto Questão de Ciência (IQC), também critica a aprovação do projeto. Ela afirma que uma norma publicada pela FDA, agência dos Estados Unidos análoga à Anvisa, proíbe a ozonioterapia em qualquer circunstância, pelo fato de o ozônio ser um gás tóxico, sem nenhuma aplicação médica conhecida. “Tanto o uso ‘off-label’ do equipamento quanto o caráter ‘complementar’ põem o paciente em perigo”, diz.

No Congresso, os parlamentares conseguiram piorar um texto de PL que já era ruim. O original previa que a ozonioterapia fosse feita apenas por médicos, mas a versão final e aprovada autoriza qualquer profissional de saúde de nível superior inscrito nos respectivos conselhos de classe.

Lula, que sucede a um governo que negou a ciência e flertou com o curandeirismo, precisa vetar o projeto da ozonioterapia. O procedimento deve ser permitido apenas nos casos autorizados pela Anvisa. A saúde da população não pode ser colocada em risco.

Canetada infeliz

Folha de S. Paulo

Confusão gerada por Lula no marco do saneamento aumenta insegurança jurídica

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tentou em abril modificar, por decreto, a legislação que trata de serviços de água e esgoto, consolidada em 2020 no chamado marco legal do saneamento.

Em maio, parte das mudanças foi sustada por um decreto da Câmara, e a derrota política do governo estava para ser confirmada pelo Senado. No início deste mês, um acordo com senadores e deputados permitiu uma edição revisada dos decretos do Executivo.

As emendas melhoraram o teor da canetada inicial, mas alguns problemas permanecem. O voluntarismo atabalhoado e intervencionista deixou cicatrizes.

O governo quis tomar prerrogativas do Legislativo. Além do mais, transmitiu a mensagem de que a regulação econômica pode ser alterada ao arbítrio do Executivo, o que cria insegurança jurídica.

A mudança inopinada e sem a adequada fundamentação jurídica prejudica investimentos não apenas no saneamento, mas em todo o setor de infraestrutura, que depende de longo prazo de maturação para dar retorno. Assusta, enfim, quem em geral pretende firmar contratos com o setor público.

Com os novos decretos, foi derrubada a pretensão inicial do governo de permitir a companhias estaduais de saneamento a prestação direta do serviço sem licitação. Contudo permanece a facilitação para que empresas ainda atuem sem a devida comprovação de capacidade econômico-financeira.

O prazo de ajuste dos contratos irregulares de prestação de serviço foi prorrogado. Assim, empresas nessa situação também podem receber financiamentos públicos.

A prestação de serviços sem licitação feriria o espírito da legislação e a lógica econômica. Haverá mais recursos para o setor e atração de empresas se houver competição transparente. Mas o governo queria preservar algum estatismo.

O enfraquecimento do processo de comprovação de capacidade econômico-financeira pode permitir que companhias frágeis fiquem no negócio, sem capacidade de investir, ameaçando o processo de universalização, ou quase isso, que deveria ocorrer até 2033.

Houve uma diluição do marco, tanto em seu teor como em sua previsibilidade. Aperfeiçoamentos podem ser necessários, mesmo que a legislação tenha apenas três anos —ainda está mal resolvida, por exemplo, a prestação do serviço em regiões pobres e afastadas. Mas as modificações têm de tramitar legalmente e devem ser objeto de consultas técnicas.

Em suma, o governo até poderia ter contribuído para o aperfeiçoamento do marco, de modo comedido, técnico e consensual. Optou por uma canetada que deteriorou a lei e criou insegurança.

Amarildo e Candelária

Folha de S. Paulo

Casos são símbolos da violência policial e do descaso com direitos humanos

Este julho de 2023 é uma efeméride que marca dois episódios sangrentos que mancham a história do país: o desparecimento e morte de Amarildo de Souza, há 10 anos, e a chacina da Candelária, há 30, ambos no Rio de Janeiro (RJ). Os dois casos evidenciam a persistência da barbárie policial brasileira.

Nos últimos três anos, as forças de segurança pública foram responsáveis por um terço das mortes violentas na região metropolitana da capital fluminense.

Símbolo nacional de abuso da força policial, o caso Amarildo não deve ser esquecido. No dia 14 de julho de 2013, um domingo, o ajudante de pedreiro foi detido por agentes da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), na favela da Rocinha.

Seu corpo nunca foi encontrado. A família ainda espera por indenização, apesar de já ter sido concedida pela Justiça no ano passado. De doze policiais acusados em 2016, oito acabaram condenados três anos depois; seis deles ainda seguem trabalhando na corporação.

Desaparecimentos são mais comuns do que se imagina. Uma média de 183 pessoas somem por dia no Brasil, segundo o Mapa dos Desaparecidos do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Entre 2019 e 2021, houve 112.246 ocorrências do tipo no país, com a predominância entre as vítimas de homens (62,8%) e negros (54,3%).

A faixa etária com mais desparecidos é entre 12 e 17 anos (29,3%), grande parte pela falência de políticas públicas intersetoriais para essa população. A chacina da Candelária é o exemplo mais nefasto desse abandono.

No dia 23 de julho de 1993, oito crianças e adolescentes em situação de rua, entre 11 e 19 anos, foram assassinados por PMs à paisana aos pés da Igreja da Candelária, no centro do Rio. Quatro policiais foram condenados, cumpriram pena e já saíram da prisão; outros três foram absolvidos.

Desde então, violações aos direitos humanos persistem. Dos cerca de 70 jovens e crianças em situação de rua da região da Candelária, 39 morreram de forma violenta nos anos seguintes. Desde janeiro, oito crianças foram mortas por armas de fogo na cidade do Rio de Janeiro, segundo levantamento do Instituto Rio de Paz.

Investir em redes integradas de busca de desaparecidos e em investigação e punição no rigor da lei em casos de abuso da força policial é essencial. Reverter os índices, típicos de zonas de guerra, é um imperativo civilizatório.

Procurador-geral a gosto do freguês

O Estado de S. Paulo

Petistas já admitem que Aras é bom nome para seguir à frente da PGR. Provavelmente contam com o procurador-geral para proporcionar a Lula mesma blindagem oferecida a Bolsonaro

Poucas coisas unem bolsonaristas e petistas – e quase sempre quando isso acontece, coisa boa não é. Já ficou claro, por exemplo, que tanto Lula da Silva quanto Jair Bolsonaro acham que o Supremo Tribunal Federal deve ser integrado por amigos do peito, e não por magistrados independentes. Agora, quando se aproxima o momento de escolher o procurador-geral da República, eis que o atual procurador-geral, o sr. Augusto Aras, que prestou tantos serviços a Bolsonaro e desserviços ao País, surge como possível nome dos petistas para ser reconduzido ao cargo.

Ao contrário do que pode parecer, a escolha, caso se confirme, seria óbvia – e só não será feita se Lula da Silva entender que o preço a pagar com o óbvio desgaste político será mais alto que o ganho com a blindagem que o sr. Aras oferece. Augusto Aras chegou à Procuradoria-Geral da República (PGR) para ser o artífice do desmonte da Lava Jato, operação farisaica que pretendia purgar o País da corrupção em todos os níveis e reinventar a política a partir do zero. Nesse aspecto, o sr. Aras ganhou corações e mentes dos políticos em geral – e dos petistas em particular – em razão de sua disposição de sufocar o lavajatismo.

Não por acaso, a escolha de Aras por Bolsonaro em 2019 foi recebida com obsequioso silêncio pelo PT. Com bom trânsito na cúpula petista, Aras, quando cabalava votos no Senado para sua indicação, prometeu aos senadores petistas que o lavajatismo não teria paz com ele no comando da PGR. Era a senha para aprová-lo. Já os bolsonaristas do tipo “raiz” ficaram furiosos com Bolsonaro por ter colocado na PGR um “socialista”, alguém tão próximo do PT e tão disposto a sacrificar no altar do garantismo a operação que havia prendido Lula. Com o tempo, no entanto, o “socialista” Aras provou sua inestimável utilidade.

Ao longo dos quatro anos do sr. Aras como chefe da PGR, sua independência – por assim dizer – foi usada para rebaixar a instituição a mero órgão de defesa dos interesses do então presidente Jair Bolsonaro e de outras autoridades. É inesquecível, por exemplo, a omissão do sr. Aras diante do descalabro que foi a condução do País por Bolsonaro durante a pandemia de covid19. Como não lembrar que, nas mãos do procurador-geral, o robusto relatório final da CPI da Covid, no Senado, não passou de um amontoado de papéis destinado ao esquecimento nos escaninhos da PGR?

É indelével, ainda, a marca da frouxidão da PGR sob Aras para conter a escalada dos desabridos e reiterados ataques de Bolsonaro contra o regime democrático e as instituições republicanas, notadamente o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Superior Eleitoral. O sr. Aras pode até declamar a plenos pulmões que “ama” a democracia, como o fez por ocasião da abertura do ano judiciário, em fevereiro passado, mas sua ode ao regime democrático não resiste a um confronto entre sua veia poética e sua atuação como procurador-geral da República nas horas em que a Nação mais precisou da PGR.

A Procuradoria-Geral da República desempenha um papel fundamental no arranjo institucional do País. É de suma importância que à frente da PGR, como órgão máximo do Ministério Público Federal (MPF), esteja alguém comprometido com a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, como determina a Constituição. Além desse compromisso inarredável com a missão atribuída ao parquet pela Lei Maior, de resto elementar, este jornal também espera do procuradorgeral da República uma atuação íntegra e independente, no sentido de jamais colocar sua destacada função pública a serviço de interesses outros que não o interesse público.

Lula pode escolher quem ele bem entender para chefiar a PGR, mas essa liberdade só aumenta sua responsabilidade. Em breve, o presidente terá a chance imperdível de devolver a PGR aos trilhos da Constituição. Basta escolher um procurador-geral que, antes de servir a governos, sirva à lei. Caso Lula decida reconduzir Aras, o lulopetismo entrelaçar-se-á ao bolsonarismo no que ele tem de pior – a desmoralização das instituições.

A segunda fase da reforma tributária

O Estado de S. Paulo

Espera-se que o governo Lula mantenha, na etapa da reforma sobre renda, o mesmo pragmatismo com que tratou a 1.ª fase da proposta. Disso depende a credibilidade do arcabouço fiscal

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que enviará ao Legislativo a segunda fase da reforma tributária junto com o projeto do Orçamento de 2024. Em entrevista ao podcast O Assunto, Haddad defendeu a tramitação conjunta das duas propostas como uma forma de atingir a meta de zerar o déficit fiscal no ano que vem. “Para garantir as metas do marco fiscal, preciso que o Congresso aprecie essa segunda etapa com a peça orçamentária, que terá como pressuposto a aprovação dessas medidas pelo Congresso. Caso contrário, haverá restrição na peça orçamentária”, afirmou.

Diante da retumbante aprovação, pela Câmara, da primeira etapa da reforma tributária, sobre consumo, o plano de Haddad não parecia tão ousado. Afinal,

a tão sonhada reforma, discutida por 35 anos sem que fosse possível chegar a um consenso, finalmente recebeu o aval dos deputados. Em pleno mês de julho, período em que o Legislativo diminuiu o ritmo dos trabalhos, o Senado definiu que a relatoria da proposta será de Eduardo Braga (MDB-AM). E a despeito da longa transição até que o novo sistema seja implementado, a mera aprovação da reforma já foi capaz de trazer uma perspectiva de resultado presente aos investidores. “Começam a olhar as coisas melhor no curto prazo”, afirmou Eduardo Fleury, consultor do Banco Mundial, ao Estadão.

Seria natural, portanto, que o governo quisesse aproveitar um Congresso menos hostil e um momento econômico mais favorável para enviar uma nova fase da reforma. Mas Haddad acabou por recuar e, agora, deve enviá-la “mais para o fim do ano”.

Fez bem o ministro. Muito do ambiente benigno que o governo encontrou na apreciação da proposta sobre consumo se deu pelo colapso de um sistema que está por trás das perdas da indústria e das dificuldades financeiras dos Estados e municípios. No caso da segunda etapa da reforma, que incidirá sobre a renda, o clima tem tudo para ser muito diferente.

A premissa que pautou as discussões da primeira etapa era que a reforma fosse neutra – ou seja, que não aumentasse os impostos de nenhum setor. Na fase da reforma sobre renda, no entanto, o governo não esconde a intenção de elevar a carga tributária. Esse aumento, segundo a equipe econômica, viria de uma redistribuição dos impostos, onerando setores que atualmente pagam menos.

Além da tributação de lucros e dividendos de acionistas de companhias, estariam na mira do governo o corte de renúncias fiscais de pessoas jurídicas, deduções em saúde e educação de pessoas físicas, profissionais liberais que atuam como empresas e fundos de investimento isentos. Para isso, será preciso enfrentar interesses difusos e grupos heterogêneos, mas certamente nenhum deles avalia que paga poucos impostos na proporção de seus rendimentos.

Ao vincular a segunda etapa da reforma ao Orçamento e à meta fiscal, o governo adotaria uma estratégia realista sob o ponto de vista de receitas, mas perigosa sob o ponto de vista político. Seria uma forma de dividir a responsabilidade pelo resultado fiscal com o Congresso, mas há que destacar que os parlamentares nem sempre entregam o que o governo quer, sobretudo quando se sentem pressionados.

É bom lembrar que a Câmara chegou a aprovar um projeto de teor semelhante em 2021, mas, quando chegou ao Senado, o texto não conseguiu vencer nem a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), fase inicial de tramitação na Casa. Ao tentar associar a resistência dos senadores ao projeto aos obstáculos para reajustar o piso do antigo Auxílio Brasil, o então ministro da Economia, Paulo Guedes, jogou uma pá de cal sobre a proposta e colheu novos buracos no teto de gastos para bancar o benefício social em ano eleitoral.

Espera-se que o governo Lula mantenha, na segunda etapa da reforma, o mesmo pragmatismo político com que tratou a primeira. Disso depende a credibilidade do arcabouço fiscal no médio e longo prazos. Se reduzir o déficit fiscal parece algo improvável neste ano, a ideia de zerá-lo será impossível se o governo não tratar cada uma das etapas da reforma tributária com muito cuidado no Congresso.

PIB ‘agrodependente’

O Estado de S. Paulo

Agropecuária dita o ritmo nos avanços e recuos de uma economia que precisa de outros protagonistas

O tombo de 2% na atividade econômica brasileira em maio, como mostrou o IBC-Br, indicador calculado pelo Banco Central (BC) que funciona como uma prévia do Produto Interno Bruto (PIB), reforçou a enorme “agrodependência” brasileira. Terminada a safra de soja e milho do início do ano, que garantiu um crescimento espetacular da economia no primeiro trimestre, o Brasil despencou a uma velocidade bem maior do que a prevista pelos analistas, que imaginavam uma queda ao redor de 0,1%.

A rapidez do governo em atribuir o baque à manutenção da taxa básica de juros em 13,75% é tão compreensível quanto frágil. Compreensível por fazer parte da pressão do Planalto por uma queda consistente dos juros na próxima reunião do Comitê de Política Monetária do BC, em 1.º e 2 de agosto – uma queda também já esperada, não em razão da entrada dos dois novos diretores do banco indicados pelo governo, mas pelas condições estruturais da própria economia; e frágil porque colocar apenas na conta dos juros a pancada sofrida em maio é distorção tão flagrante quanto foi o excesso de entusiasmo com o bom desempenho da economia no início do ano.

Quando o IBGE liberou, no mês passado, os dados do primeiro trimestre, a alta de 1,9% do PIB em relação ao trimestre anterior foi maior do que as estimativas mais otimistas. Mas o resultado refletiu tão somente a força da agropecuária que, na mesma comparação, avançou 21,6%, enquanto indústria, serviços e consumo das famílias patinaram, um pouco mais ou um pouco menos, ao redor de zero.

Os dados demonstram que, para cima ou para baixo, o ritmo da economia brasileira é ditado pela agricultura, pecuária e toda a cadeia que as duas atividades envolvem, desde o campo até a indústria de exportação. A pujança da agropecuária é, obviamente, um quadro positivo. Mas a dependência excessiva da economia de um setor específico não é.

O agro alcançou o nível de excelência atual por investir pesada e continuamente em pesquisa e desenvolvimento. Tem incentivos do governo – como, ademais, os tem a maioria dos países –, mas multiplica os recursos com investimentos em tecnologia. Até agora o País não assistiu ao mesmo salto na indústria, por exemplo, a despeito dos sucessivos programas de incentivo, alguns descabidos, como o do “carro popular”.

A agropecuária é a prova de que investimentos em qualificação e pesquisa trazem competitividade e produtividade. Quando o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e o vice-presidente e ministro da Indústria, Geraldo Alckmin, imputaram, de pronto, aos “juros escandalosos” a responsabilidade pelo forte recuo de maio, estavam fazendo uma avaliação pela metade.

Desde agosto de 2022 na casa de 13,75%, a Selic precisará mais do que a força do agro para cair. Para começar, seria bom o governo sinalizar que o prometido ajuste fiscal é sério, o que já teria o condão de fazer os juros futuros recuarem. Enquanto prevalecer a suspeita de que o governo e o Congresso não estão dispostos a cortar despesas, o custo do dinheiro continuará alto.

Oportunidades no mercado de grãos

Correio Braziliense

A supersafra de grãos brasileira na safra 2023/2024, que chegará a 313,9 milhões de toneladas, ajuda a derrubar os preços do milho no mercado interno, completando a queda nas cotações internacionais do grão

A não renovação por parte da Rússia do acordo para exportação de grãos da Ucrânia na segunda-feira acendeu o alerta em todo o mundo para a possibilidade de um novo choque de oferta com impacto direto sobre os preços dos alimentos. O acordo, que vigorou desde julho de 2022 — sendo renovado duas vezes — até o início desta semana, possibilitou o escoamento de 33 milhões de toneladas de grãos da Ucrânia para o mercado internacional, o que teria reduzido os preços médios em 20%. As consequências da medida ainda são incertas. A Ucrânia diz que tem como escoar sua produção agrícola sem utilizar os portos do Mar Negro, mas a capacidade de transporte por trens pelos países do Leste Europeu é limitada. A Rússia diz que assim que forem aceitas suas condições retomará o acordo, mas ao mesmo tempo bombardeia os portos ucranianos do Mar Negro.

Rússia e Ucrânia são grandes fornecedores de produtos agrícolas e os principais players no mercado mundial de trigo, cevada, milho, canola, semente de girassol e óleo de girassol. Os russos destacam-se também como  grandes exportadores de fertilizantes. O cenário hoje é diferente do início da guerra, mas haverá aumento de preços dos alimentos e dos insumos agrícolas no curto prazo, o que coloca o Brasil diante do risco de aumento dos preços e de pressão inflacionária, e da oportunidade de suprir a demanda global, principalmente de milho. O país está colhendo a segunda safra, ou a colheita de inverno do grão, e deverá produzir ao todo cerca de 125,5 milhões de toneladas de milho, volume 12,4 milhões de toneladas maior do que a safra passada.

A supersafra de grãos brasileira na safra 2023/2024, que chegará a 313,9 milhões de toneladas, ajuda a derrubar os preços do milho no mercado interno, completando a queda nas cotações internacionais do grão. Mesmo que num primeiro momento exista uma pressão sobre os preços do milho, o excesso de oferta no Brasil permite a contenção dos valores, com o início da colheita da segunda safra. Se a extensão do impacto da decisão da Rússia ainda é incerto porque dependerá da retomada ou não do corredor de exportação pelo Mar Negro, não há dúvida de que o Brasil tem a chance de aproveitar oportunidades no mercado internacional e, ao mesmo tempo, garantir que crises de oferta não afetem os preços no país, assim como não elevem os custos dos insumos para a produção agrícola.

Aqui, é preciso falar dos dois problemas existentes hoje e que precisam ser atacados. Com o início do conflito no Leste Europeu, o Brasil se viu sob risco de desabastecimento de fertilizantes para as lavouras, o que não se configurou, permitindo que o país colhesse uma supersafra. A simples possibilidade de desabastecimento levou o governo a retomar o Plano Nacional de Fertilizantes, com o objetivo de reduzir em 50% a dependência do agronegócio brasileiro de insumos externos, até 2050. Hoje, 85% dos fertilizantes consumidos no Brasil são importados. A estratégia é acertada e deve se pautar pela sustentabilidade e pela perspectiva de inserção dessa nova produção nacional de insumos para nutrição vegetal nas cadeias globais de suprimento.

Outro ponto que o país precisa atacar é sua infraestrutura para armazenamento de cereais, que tem de ser ampliada e modernizada para permitir um melhor manuseio das safras, tanto para controle de preços internos quanto para preservação da renda dos produtores brasileiros, que, com armazenagem, têm como optar pelo melhor momento de comercialização. Segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a capacidade de armazenagem do Brasil é da ordem de 191 milhões de toneladas, o que representa uma diferença de 90,6 milhões de toneladas em relação apenas às safras de soja e milho. Sem condições de estocar, os produtores de milho terão de colocar a produção quase que diretamente no mercado, derrubando os preços. É preciso que o governo transforme crises em oportunidades e atue de forma estratégica para permitir a consolidação do país como um importante produtor global de alimentos.

 

 

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