domingo, 23 de julho de 2023

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Pedido da PGR sobre bolsonaristas deve ser negado

O Globo

Requisição para ter nomes e dados de identificação é inaceitável, inconstitucional e antidemocrática

É injustificável o pedido feito pela Procuradoria-Geral da República (PGR) para que Facebook, Instagram, TikTok e outras plataformas digitais forneçam “nomes e dados de identificação” de seguidores de Jair Bolsonaro, uma devassa inconstitucional que pode atingir 30 milhões de pessoas. Por isso o responsável pelo inquérito, Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), precisa negá-lo.

É legítimo e esperado pela sociedade que a responsabilidade do ex-presidente nos atos golpistas do 8 de Janeiro seja investigada. Porém não há nenhum espaço para qualquer tipo de voluntarismo na execução dessa tarefa. A Constituição, que prestigia de forma tão explícita a democracia e o Estado Democrático de Direito, precisa ser sempre o guia das instituições.

Na tentativa de justificar o injustificável, a PGR divulgou nota. Começou dizendo o óbvio: os seguidores de Bolsonaro nas redes sociais não estão sendo investigados. Mas, em seguida, perdeu a linha ao afirmar que o objetivo do pedido era “obter informações que permitam avaliar o conteúdo e a dimensão alcançada pelas publicações do ex-presidente em relação aos fatos ocorridos em 8 de janeiro, nas redes sociais”. O trecho ignora flagrantemente a existência de empresas privadas especializadas em analisar mensagens postadas e audiência.

Como o pedido da PGR carece de lógica, acabou por suscitar um debate sobre quais seriam as verdadeiras intenções. O requerimento de informações pessoais de seguidores de Bolsonaro é assinado pelo subprocurador-geral Carlos Frederico Santos, mas leva a chancela, claro, da PGR, comandada por Augusto Aras. A medida deve ser rechaçada por todos os que se empenharam no recente resgate da democracia brasileira. Não se pode apoiar uma requisição para cadastrar cidadãos com base na preferência política.

Na base de apoio do governo, já apareceram críticas explícitas. O deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP) entende que é preciso defender a democracia sempre, mas respeitado o devido processo legal, a presunção de inocência e o direito ao contraditório. O deputado faz questão de frisar que são valores inegociáveis.

No meio jurídico, o pedido também foi alvo de condenação. Marco Aurélio de Carvalho, coordenador do Grupo Prerrogativas, criado por advogados que se uniram contra o “lavajatismo” e, com isso, se aproximaram de Lula, disse ao GLOBO que a requisição da PGR não tem motivo plausível e a considera “no mínimo, estranha”.

Entre 2019 e 2022, o Brasil viveu momentos sombrios, em que a democracia foi atacada com método. Passado o perigo do golpismo, a defesa da normalidade institucional deve ser reforçada. Para que isso ocorra, a Justiça e a PGR precisam exercitar a autocontenção.

Desafio do novo Mais Médicos é expandir cobertura por todo o país

O Globo

Última versão do programa corrige erros, mas precisará de execução criteriosa para ser bem-sucedida

O Programa Mais Médicos, cuja nova lei foi sancionada recentemente, conta com a ambiciosa meta de contratar 15 mil profissionais até dezembro, fechando 2023 com um total de 28 mil. O objetivo segue sendo o mesmo de 2013, quando foi lançado: aumentar o número de médicos em cidades onde eles não existem ou são escassos. Num país desigual e de dimensões continentais como o Brasil, a nova versão do programa (que no governo Bolsonaro foi chamado de Médicos pelo Brasil) embute muitos desafios. O maior deles é fazer diferente em relação ao que foi apresentado aos brasileiros em gestões petistas anteriores.

Nos primeiros anos, o programa foi uma sucessão de erros. A despeito das boas intenções, foi contaminado desde o início pelo vírus ideológico. Para fazer um afago à ditadura de Cuba, os petistas decidiram preencher as vagas com médicos cubanos —eles representavam cerca de 80% do total. Não bastasse o privilégio motivado por simpatias políticas, os estrangeiros não eram obrigados a revalidar seus diplomas, como estabelecem as normas brasileiras, o que gerou uma enxurrada de críticas das associações médicas. A situação era tão bizarra que a maior parte dos salários ia para o governo cubano.

Embora erre ao permitir que estrangeiros possam trabalhar por quatro anos sem revalidar seus diplomas, a nova versão acerta ao priorizar médicos brasileiros. Outro ponto positivo é o objetivo de melhorar o atendimento aos povos indígenas. A tragédia humanitária nas terras ianomâmis, onde, por falta de assistência, crianças morrem por diferentes doenças, mostra quanto é importante levar médicos às regiões mais remotas do Brasil. Sabe-se que não é tarefa fácil. O problema do país não é exatamente a falta de médicos, mas uma melhor distribuição desses profissionais.

No Acre, Amazonas, Pará, Amapá e Maranhão, há apenas um médico para cada grupo de mil habitantes. No Distrito Federal, são quase quatro. Em todos os estados do Sul e Sudeste, mais de dois. Para piorar, os estados da Região Norte estão entre os que possuem uma maior concentração de médicos nas respectivas capitais.

Na versão recém-lançada, o programa aumentou os incentivos para atrair profissionais. A bolsa formação será de R$ 12.300 mensais por 48 meses. Os médicos poderão receber adicional de 10% a 20% se trabalharem nos municípios mais vulneráveis. Participantes do Fies, o fundo de financiamento estudantil, também terão um adicional para pagar a dívida. Haverá ainda benefícios proporcionais para quem atuar em periferias e regiões remotas. Pela nova lei, o pagamento será feito diretamente ao profissional, sem intermediários.

Tudo indica que o governo não terá problema para arregimentar os médicos. O primeiro chamamento, de 5.970 vagas, recebeu mais de 34 mil inscritos. Não se questiona a relevância de um programa que objetiva levar médicos aonde eles não estão, mas, para ser bem-sucedido, precisará ter uma execução criteriosa e avaliações periódicas sobre o cumprimento de metas.

A menor possível

Folha de S. Paulo

Na tramitação da reforma tributária, é preciso retirar excesso de isenções

O desafio da reforma tributária vai além da pauta que lida com os impostos sobre bens e serviços. Se a simplificação da cobrança de tributos sobre produção e comercialização é complexa, a segunda parte, que ocupa-se do imposto de renda de pessoas e empresas, será tão ou mais espinhosa.

A aprovação pela Câmara do texto que unifica os tributos em favor de duas cobranças sobre o valor agregado —o IBS federal e a CBS que agrega os impostos de estados e municípios— foi positiva.

No entanto a adoção de alíquotas reduzidas para vários setores —bens e serviços de educação, saúde, alimentação, construção e até turismo— elevará a cobrança necessária sobre os demais, se for respeitada a premissa de manter a arrecadação agregada inalterada.

Estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) indica que a alíquota geral poderá ficar em torno de 28%, acima do objetivo inicial de 25%. Tal patamar seria o maior do mundo, o que tem dado munição aos críticos da reforma.

Embora persuasiva, a narrativa é incorreta, na medida em que a escorchante cobrança atual fica escondida nos vários tributos em cascata. Ademais, não basta comparar a taxação sobre cada setor antes e depois da reforma, pois a mudança alterará toda a dinâmica de decisões econômicas e minimizará o espaço para absurdas isenções como as que já existem.

Convencer a sociedade de que as alterações são positivas permanece um desafio. O que se pode pedir a essa altura é que os senadores reduzam o número de setores beneficiados, pois qualquer nova benesse elevará o peso sobre os demais.

A próxima fase, a ser trabalhada ao longo do segundo semestre e no ano que vem, lida com impostos sobre a renda. Nessa parte, o governo tem dois objetivos: mais arrecadação para atingir a meta de restauração gradual de um superávit primário, que segue incerta, e maior progressividade.

É correta, neste sentido, a decisão anunciada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de também dividir a segunda etapa em duas partes, começando pela tentativa de coletar mais impostos sobre o patrimônio financeiro dos mais ricos, no país e no exterior.

O maior desafio, contudo, estará no estágio final, a ampla reformulação dos impostos incidentes sobre as empresas, que deveriam ser reduzidos para compensar a desejada cobrança sobre dividendos.

Seria inédito, e é bastante improvável, conseguir realizar todas as mudanças dessa envergadura. Por ora, cumpre focar no melhor desfecho da reforma dos impostos sobre bens e serviços, crítica para o aumento da produtividade e do emprego. E conseguir sua aprovação com a menor alíquota possível.

Moraes xingado

Folha de S. Paulo

Ofensa a ministro não se confunde com ataque ao STF, que precisa calibrar reação

Algo vai muito mal quando um grupo de brasileiros se sente no direito de agredir um ministro do Supremo Tribunal Federal acompanhado de seu filho durante viagem ao exterior. E fica pior quando esse mesmo magistrado confunde os ataques que sofreu com ameaças ao Estado democrático de Direito.

A hostilidade se deu no aeroporto de Roma. Quando se preparava para voltar ao Brasil, Alexandre de Moraes ouviu insultos como "bandido" e "comprado", enquanto seu filho teria recebido um empurrão.

Pessoas apontadas como suspeitas negam a arremetida, e cabe aos investigadores esclarecer o episódio.
Há um rito conhecido para isso. Instaura-se um inquérito, colhem-se depoimentos, apuram-se informações; se necessário, determinam-se medidas mais invasivas, como busca e apreensão. Tudo sob a supervisão da instância judicial adequada, nos termos da lei.

Especialistas têm pouca dúvida quanto a esse último elemento: dado que os relatos indicam crimes contra a honra e lesão corporal, por exemplo, e sendo certo que os suspeitos não têm prerrogativa de foro, é à primeira instância que compete conduzir o caso.

Se, no curso das investigações, descortinar-se cenário distinto —com ligações entre os agressores e os atos golpistas de 8 de janeiro, ou com evidências de um plano para destruir a corte constitucional—, enviam-se os autos ao Supremo e adotam-se medidas pertinentes.

O que não se pode fazer, mas foi o que se fez, é inverter a ordem natural do processo só porque o ofendido é ministro do STF. Pior: sem indícios suficientes, elevou-se a injúria à categoria das tentativas de abolição do Estado democrático de Direito e autorizou-se uma ação de busca e apreensão em todo carente de justificativas oportunas.

Sente-se à distância o ranço de arbítrio contido nessas iniciativas, que em nada contribuem para reforçar a legitimidade da Justiça —e nem mesmo ajudam a defendê-la.

Admitindo-se que Moraes e seus colegas pretendam com isso apenas reagir à altura do que consideram ameaças sérias, também aí estarão equivocados: a facção golpista que cresceu sob Jair Bolsonaro (PL) se regozija a cada novo desequilíbrio do Poder Judiciário.

Ministros do STF precisam melhorar a análise de conjuntura; o momento pede, mais do que nunca, que a corte seja e pareça um órgão de Estado —e que a instituição seja e pareça melhor do que os homens e mulheres que a compõem.

O aggiornamento de Boric e a obsolescenza de Lula

O Estado de S. Paulo

Ao negar apoio a regimes autocráticos e defender a condenação à agressão da Rússia, o presidente chileno mostra que a esquerda pode ser moderna – o contrário do atraso lulopetista

Se o presidente do Chile, Gabriel Boric, é o aggiornamento da esquerda latino-americana, Lula da Silva é a obsolescenza. E, ao contrário do que pensa o demiurgo petista, não se trata de uma questão de idade – basta lembrar que o quase nonagenário esquerdista Pepe Mujica, ex-presidente uruguaio, declarou com todas as letras que o regime venezuelano, aquele tratado como democrático por Lula, “é uma ditadura, sim”.

Mas Lula não gosta de novidades. Prefere aferrar-se ao que conhece, à sua antediluviana visão de mundo, nutrindo profunda aversão àqueles que ousam contrariá-lo – especialmente quando esse atrevimento parte de um jovem, como o presidente chileno, de apenas 37 anos.

Neste ano, em duas ocasiões, Boric teve que lembrar ao presidente brasileiro que há limites morais para o apoio a regimes que violentam os princípios mais comezinhos da democracia, do direito e da civilização – aqueles que estão na essência do ideário da esquerda que superou o bolor marxista, caso da social-democracia europeia.

Em maio passado, durante um encontro de líderes sul-americanos convocado por Lula em Brasília, o chileno rejeitou a condescendência do anfitrião às ditaduras de Venezuela, Cuba e Nicarágua e refutou a versão do petista de que Caracas é vítima de uma “narrativa” antidemocrática. “Não é uma construção narrativa. É uma realidade, é séria, e tive a oportunidade de vê-la de perto nos rostos e na dor de centenas de milhares de venezuelanos”, afirmou Boric.

Nesta semana, na reunião de cúpula da União Europeia e da Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), o chileno isolou-se dos demais líderes da esquerda da América Latina ao considerar apropriada uma condenação à guerra da Rússia contra a Ucrânia na declaração final do encontro. Junto aos europeus, foi voto vencido.

A esta última intervenção de Boric, Lula reagiu de forma arrogante. Aos 77 anos, o petista tentou desqualificar Boric, 40 anos mais moço, não pelos argumentos, mas pela juventude do chileno. Lula disse que o “jovem” Boric estava “ansioso” em razão de sua “falta de costume” em participar de reuniões de cúpula como aquela.

Boric reagiu à grosseria de Lula com a elegância que falta ao petista, dizendo que não se sentiu ofendido e que nutre “respeito infinito e carinho” pelo presidente brasileiro. Talvez inadvertidamente, Boric tratou Lula como um símbolo avoengo ao qual se presta reverência apenas cerimonial, posto que ultrapassado.

Lula vive e respira ainda como se o mundo estivesse dividido entre patrões e empregados, ou entre imperialistas e colonizados, luta existencial que serve para justificar ditaduras como a da Venezuela ou as ações criminosas da Rússia de Vladimir Putin. O que há em comum entre esses países delinquentes, na visão lulopetista, é o fato de que se apresentam como vítimas do “Ocidente”, representação genérica dos Estados Unidos e da Europa ocidental. Como se ainda estivéssemos na guerra fria, Lula considera legítimo que a Rússia invada a Ucrânia ou que Nicolás Maduro encarcere seus opositores se isso for a resposta considerada adequada ao “imperialismo estadunidense”.

Segmentos da esquerda brasileira já foram capazes de reavaliar o papel da social-democracia nas últimas décadas. Rever erros e corrigir rumos é missão de qualquer partido político, principalmente entre os que conduziram e conduzem o Poder Executivo e estão presentes no Legislativo.

Já não existe mais espaço, portanto, para a esquerda repetir slogans caquéticos. O mundo não é mais a zona de confronto latente entre EUA e União Soviética. A pauta do bem-estar social e do combate às desigualdades deixou de ser matéria exclusiva de partidos esquerdistas. A vocação estatizante da economia não se sustenta em uma ordem mundial que requer indicadores elevados de produtividade e de competitividade das empresas e que exige, dos Estados, fundamentos fiscais e monetários sólidos. Lula, por sua senioridade, deveria ter se atualizado. É preciso, porém, que saiba: ainda há tempo, se tiver vontade.

A retomada da confiança na política

O Estado de S. Paulo

Pesquisa mostra que caiu a desconfiança dos eleitores em relação a partidos e ao Congresso, mas ainda há um longo caminho até que o nefasto sentimento antipolítica seja, enfim, superado

O Índice de Confiança Social (ICS) 2023, divulgado há poucos dias pelo Ipec, trouxe um dado alvissareiro para o fortalecimento da democracia representativa no País. A confiança dos eleitores nos partidos políticos e no Congresso não só aumentou em relação a levantamentos anteriores, como atingiu os maiores patamares desde o início da série histórica, em 2009. Em qualquer país, a democracia será tão mais vibrante quanto maior for a percepção dos cidadãos de que a política é o único meio para a concertação civilizada da miríade de interesses em disputa na sociedade. Fora da política, só restam a truculência dos tiranos e o engodo dos populistas.

Para aferir o ICS em relação às instituições, o Ipec adota uma escala de 0 a 100 pontos, sendo 0 a pontuação que indica “nenhuma confiança”, e 100, “confiança absoluta”. A confiança nos partidos políticos atingiu 34 pontos em 2023. À primeira vista, pode parecer um resultado ruim. Mas as duas únicas vezes em que a confiança nas legendas ultrapassou a barreira dos 30 pontos foram em 2009 (31 pontos) e 2010 (33 pontos). Ademais, quando se observa a evolução histórica do indicador, é particularmente notável que entre 2015 e 2018, no auge da Operação Lava Jato e da aversão à política instilada na população pela sanha purgadora de alguns membros da força-tarefa, a confiança nos partidos oscilou entre 16 e 18 pontos.

Em relação ao Congresso, a confiança dos eleitores é um pouco maior – e há algum tempo. A instituição obteve 40 pontos no ICS 2023, um crescimento de seis pontos em relação à pesquisa realizada no ano passado e o melhor índice desde 2010 (38 pontos). Tradicionalmente, o Congresso tem se mostrado mais confiável aos olhos dos eleitores do que os partidos. A série histórica do Ipec revela essa tendência e é compreensível que seja assim. O Congresso, como instituição, parece ser visto pela sociedade como um ente de representação política mais alinhado ao interesse público, enquanto as legendas seriam mais autocentradas, ou seja, mais inclinadas a privilegiar seus próprios interesses e os de seus membros quando estes conflitam com o que a maioria dos eleitores pesquisados entende ser o melhor interesse público.

Em que pese a melhora expressiva no índice de confiança nos partidos políticos e no Congresso, é incontornável o fato, de resto evidente, de que a maioria dos eleitores ainda não confia nessas instituições democráticas. Confiança absoluta jamais haverá, e isso não é necessariamente ruim. A desconfiança que se traduz em vigilância só tende a fortalecer a representação política. No entanto, também é verdade – e extremamente positivo – que o sentimento antipolítica, que, entre tantos males causados ao País, deu na eleição de alguém como Jair Bolsonaro, um dos mais desqualificados presidentes em toda a história republicana, parece, enfim, dar sinais de arrefecimento.

De todo modo, a chamada classe política tem um grande desafio nas mãos: aproximar-se mais dos eleitores e, principalmente, agir em prol do interesse público, respeitadas, é evidente, as diferentes ideologias, os valores e propostas para o País que cada partido defende.

Os partidos políticos e o Congresso constituem o coração da democracia representativa. Basta dizer que a filiação partidária é das condições indispensáveis de elegibilidade fixadas pela Constituição. Ao fim e ao cabo, os deputados e senadores, além de outros representantes eleitos nas três esferas da Federação, servem como pontes que conectam os anseios da população à esfera pública – locus do processo decisório no regime democrático. É para o Congresso que convergem as mais diferentes ideias e perspectivas sobre o País e a vida em sociedade. É lá que políticas públicas que nortearão o comportamento de todos os cidadãos são moldadas.

Sem partidos atuantes e confiáveis, a diversidade de vozes sociais, que tanto enriquece a democracia, estaria ferida de morte. E o Congresso seria menos um retrato da sociedade do que a feição de uma elite política e desconectada daqueles que deveria representar.

Ministério não é agência de viagens

O Estado de S. Paulo

Novo ministro do Turismo acha que subsidiar pacotes para aposentados é uma boa ideia

Subsidiar programas de viagens para aposentados e pensionistas foi a primeira ideia apresentada pelo novo titular do Ministério do Turismo, Celso Sabino, advogado paraense em seu segundo mandato como deputado federal – o primeiro pelo PSDB e o mais recente pelo União Brasil. Tecendo elogios ao projeto Voa Brasil, do Ministério dos Portos e Aeroportos que, nos mesmos moldes propõe distribuir passagens aéreas ao valor máximo de R$ 200 a este público, Sabino revelou, em entrevista ao Estadão, a ideia de lançar o pacote completo.

Começou mal o novo ministro. Embarcando no mesmo despropósito de uso de recursos públicos para promover viagens turísticas pelo País, implícito na proposta de Márcio França, engrossa a corrente da subversão no planejamento de políticas públicas – aquela que procura soluções no cofre do Tesouro Nacional. Bilhetes aéreos a preços abaixo da média do mercado só por dois caminhos: ou com complementação de dinheiro público ou encarecimento das passagens para os demais passageiros. A isso, o ministro, como se o Turismo fosse uma generosa agência de viagens, quer adicionar diárias mais baratas em hotéis.

O turismo é uma atividade econômica para a qual o Brasil tem vocação natural, mas beneficiar viajantes – quaisquer que sejam – com promoções estatais é uma medida que chega a ser indecorosa em um país com profundas carências sociais, além de ser tão onerosa quanto ineficaz. O resultado de uma eventual distribuição de pacotes como esses para a construção de uma cultura turística no País é zero. No máximo poderá render alguma notoriedade aos ministros envolvidos e, quem sabe, votos.

Segurança e infraestrutura deficientes são os principais entraves à promoção do turismo brasileiro, tanto para viajantes nacionais quanto estrangeiros. E não é de hoje. Nas últimas edições do Índice de Desenvolvimento de Viagens e Turismo, calculado a cada dois anos pelo Fórum Econômico Mundial, o Brasil se destaca pelo potencial turístico. Chegou a liderar no quesito atrativos naturais. Mas não consegue traduzir essa potência no ranking de destinos mais procurados. Na edição de 2021, ficou em 49.º lugar entre 117 países.

O mercado mundial do turismo deve movimentar neste ano US$ 9,5 trilhões, segundo o Conselho Mundial de Viagens e Turismo. É um grande negócio, que por isso necessita de incentivos públicos e privados, mas não para lançar programas populistas como os pacotes para aposentados. Se quiser estimular os turistas a virem para cá, o governo deve investir, sobretudo, na melhoria de infraestrutura e segurança, dois problemas crônicos.

Precisa, enfim, de planejamento, e não de demagogia. Mas o sr. Sabino já disse que o importante é deixar os parlamentares “felizes” com a liberação de emendas para o setor. Ele sabe do que fala, pois não está no cargo em razão de expertise, e sim graças ao arranjo político para melhorar a governabilidade de Lula da Silva. Se o turismo vai melhorar com isso, é o de menos – o que importa é que a turma do Centrão continue a desfrutar da primeira classe.

Proteção à Amazônia e combate à violência

Correio Braziliense

É alvissareiro que o anúncio do controle de armas venha acompanhado de um amplo programa de proteção da Amazônia

O combate à violência, felizmente, voltou a ser prioridade no Brasil. Nos últimos anos, em vez de aprimorar os mecanismos de atuação das três esferas de governo, o país priorizou armar a população. O quadro é tão assustador que há mais armas em poder de caçadores, atiradores e colecionadores (CACs) do que entre as forças policiais. Estima-se que haja 1,5 milhão de armamentos, muitos de uso restrito, como fuzis, circulando livremente e, pior, abastecendo o crime organizado com a chancela da legalidade. Espera-se que, com o novo decreto das armas, os abusos sejam contidos e a população em geral se sinta mais protegida. A posse de um armamento em nada garante a vida de um cidadão, muito pelo contrário.

É alvissareiro que o anúncio do controle de armas venha acompanhado de um amplo programa de proteção da Amazônia. A região se tornou um dos principais focos de atuação de organizações criminosas, como se viu nos últimos meses. O governo anunciou investimentos de R$ 2 bilhões em um programa que envolverá nove estados (Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Roraima, Rondônia e Tocantins), com o intuito de dar maior proteção às populações locais, mas, também, garantir a preservação da floresta, cuja devastação recente resultou em uma crise humanitária entre os índios yanomami.

O Ministério da Justiça informou que 28 bases terrestres e seis fluviais serão implementadas para o enfrentamento da criminalidade na região, somando 34 novas unidades integradas, que reúnem a Polícia Federal (PF), a Polícia Rodoviária Federal (PRF) e as forças estaduais de segurança. Há, ainda, a previsão de instalação da Companhia de Operações Ambientais da Força de Segurança Nacional, com sede em Manaus, e a estruturação e o aparelhamento do Centro de Cooperação Internacional da PF. A Amazônia, ressaltou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ocupa quase 5 milhões de quilômetros quadrados, território maior que o da Europa.

A Amazônia é hoje o cartão de visitas do Brasil. Todos os acordos comerciais que o país vier a fechar terá como condição principal a preservação da floresta. Negociado há mais de 20 anos, o tratado entre o Mercosul e a União Europeia esbarrou, agora, justamente em imposições feitas pelos países europeus nas questões ambientais. A proposta feita ao Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai é de que, em caso de desmatamento para a produção agrícola, a UE possa aplicar sanções aos parceiros. Os sul-americanos reagiram às ameaças, mas o certo é que, sem um compromisso claro com a preservação de florestas, em especial a da Amazônia, nenhum acordo será levado adiante.

A promessa do Brasil é de zerar o desmatamento na Amazônia até 2030. O país já deu mostras, no passado, de que é possível conter a sanha destruidora dos desmatadores. Agora, porém, a derrubada da floresta é comandada pelo crime organizado, que montou uma verdadeira indústria de exploração do garimpo e de madeira, atividades que têm se mostrado altamente lucrativas. Boa parte dessa infraestrutura ilegal foi construída nos últimos anos com o apoio de autoridades. Não será, portanto, somente à base de compromissos no papel que o Estado voltará a comandar o destino da maior floresta tropical do planeta.

Todo o processo terá de ser feito de forma coordenada entre União, estados e municípios e órgãos de controle ambiental, com participação das Forças Armadas, o que passa pela ampliação do que se define como área de fronteiras, onde os militares têm a missão institucional de estarem presentes. Não se trata de uma batalha trivial proteger a Amazônia, como também não será fácil para o Brasil conter as tragédias diárias espalhadas por todo o país, em que negros, mulheres, crianças e integrantes da comunidade LGBTQIAP são as maiores vítimas. Um país com média de quatro feminicídios por dia e com quase 75 mil estupros por ano, que, na verdade, podem ser 880 mil, devido à subnotificação, não pode se dizer um lugar que prioriza a vida. Está muito, mas muito longe disso.

 

 

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