quarta-feira, 26 de julho de 2023

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Economia global não permite complacência

O Globo

FMI revisa previsão do PIB do Brasil para cima, mas momento é de aprovar reformas, não de comemorar

A revisão do relatório Panorama Econômico Mundial, do FMI, anunciada ontem, elevou a previsão de crescimento do Brasil para este ano. Em abril, a projeção para 2023 era de 0,9%. Agora, com a atualização, passou a 2,1%, em linha com a média prevista por instituições financeiras brasileiras. A mudança de 1,2 ponto percentual foi a maior registrada entre todas as grandes economias, mas, antes que o governo use o anúncio para tirar conclusões equivocadas, vale lembrar que o prognóstico do FMI para 2024 piorou — e é de apenas 1,2%.

Não é hora de abrir o espumante nem de complacência por parte do governo e do Congresso. A melhora da previsão de 2023 aconteceu por fatores conjunturais, principalmente o aumento da produção agropecuária. Para que a economia brasileira tenha condições de elevar de forma sustentada o ritmo de crescimento, o governo e o Parlamento precisam acelerar a aprovação de reformas, como a tributária, atualmente sob a análise do Senado.

Embora o prognóstico do FMI para a economia global neste ano tenha saído de 2,8% na análise feita em abril para 3%, continua abaixo dos 3,5% registrados no ano passado e da média histórica. Por isso motivos para preocupação não faltam. “A inflação está perdendo força na maioria dos países, mas se mantém alta” , diz o relatório. A continuidade do aperto monetário é esperada nos Estados Unidos e na Europa. Se confirmada, colocará pressão sobre os bancos.

Outro ponto de atenção é a perda de força da economia chinesa. O FMI manteve a estimativa de crescimento de 5,2% para 2023. Reconhece, porém, a existência de riscos. Na semana passada, o governo chinês anunciou que o PIB cresceu apenas 0,8% no segundo trimestre na comparação com o primeiro. Tanto as exportações como o mercado interno estão dando sinais de fraqueza. As vendas externas caíram 12,4% em junho em relação ao mesmo mês de 2022. O ritmo de crescimento do varejo teve queda na comparação com maio. O desemprego de trabalhadores entre 16 e 24 anos subiu para 21,3%, um novo recorde no mercado de trabalho.

A expectativa do FMI é que a China seja responsável por 35% do crescimento mundial neste ano, mais que o dobro da fatia da Índia, em segundo lugar. Portanto qualquer eventual queda na economia chinesa terá impacto global. É certo que alguns países sofrerão mais que outros. Embora o mercado chinês seja o maior para a soja e o minério de ferro do Brasil, os efeitos por aqui tendem a ser menores que em outros países latino-americanos.

Ligada ao setor da alimentação, a soja é menos sensível ao ciclo econômico. Eventuais perdas de renda não deverão provocar grandes mudanças na dieta dos chineses. As vendas de minério de ferro costumam ser sustentadas pelos investimentos em infraestrutura. Sempre que a economia embica para baixo, os comunistas lançam um pacote (um novo é esperado nos próximos dias). Há, porém, cada vez mais motivos para cautela sobre a eficiência da estratégia de crescimento baseada em investimentos e exportações. A situação fiscal chinesa preocupa mais hoje que no passado, e a crise do mercado imobiliário ainda não foi debelada. O melhor que o Brasil tem a fazer é arrumar a própria casa.

Regulamentação de apostas é positiva, mas taxação não pode ser única meta

O Globo

Coibir fraudes que põem em risco credibilidade do futebol brasileiro deveria ser questão central

Ainda que tardia, é positiva a decisão do governo de regulamentar as apostas esportivas. A Medida Provisória (MP) fixando as regras para o setor entrou em vigor imediatamente, mas ainda terá de ser apreciada pelo Congresso num prazo de 120 dias, ou perderá a validade. Um dos principais aspectos da nova legislação é que as empresas, conhecidas como bets, serão taxadas em 18%. O percentual é maior que o anunciado em maio, quando o Ministério da Fazenda indicara tributação de 16%.

Estimativas da Fazenda projetam uma arrecadação de até R$ 2 bilhões em 2024, podendo chegar a valores entre R$ 6 bilhões e R$ 12 bilhões nos anos seguintes. Nada mau para um governo que faz malabarismos para aumentar as receitas e tentar viabilizar as metas fiscais. De acordo com a MP, a maior parte da taxação irá para a seguridade social (10%) e para o Ministério do Esporte (3%). Também serão beneficiados o Fundo Nacional de Segurança Pública (2,55%), clubes e atletas que tiverem seus nomes ligados às apostas (1,63%) e a educação básica (0,82%).

É incompreensível como o país levou tanto tempo para regulamentar as apostas, deixando a atividade no limbo e renunciando a uma arrecadação que só tende crescer diante da profusão de empresas que atuam no setor. A Lei 13.576/18, que trata do assunto, foi sancionada em 2018, ainda no governo Michel Temer, mas dependia de regulamentação.

A pressão de grupos contrários não faz qualquer sentido, uma vez que anúncios estão por toda parte. Estima-se que existam mais de 8 mil sites de apostas no mundo e ao menos 500 operando no Brasil. Não regulamentar não acabaria com a prática.

Embora importante, o aspecto arrecadatório não pode ser a única preocupação. Há muito o mercado precisa de regras para prevenir fraudes. Isso ficou patente no escândalo de manipulação de resultados que veio à tona no início deste ano após denúncia do Ministério Público de Goiás. O que parecia ser um esquema localizado revelou-se algo maior, alcançando a elite do futebol brasileiro. Jogadores cooptados pela quadrilha recebiam dinheiro para cometer pênaltis ou levar cartões, favorecendo apostas fraudulentas.

O problema é que essas fraudes, que não acontecem só no Brasil, afetam a credibilidade do futebol. Como acreditar em campeonatos de cartas marcadas? Daí a necessidade de uma legislação que coíba essas práticas nefastas.

É verdade que a MP estabelece algumas normas para disciplinar o setor (como o veto à participação de jogadores, técnicos e árbitros em apostas), além de prever multas para as empresas que não respeitem as regras. Mas tudo dependerá de como será a fiscalização, e o Ministério da Fazenda não parece o órgão mais adequado para fazer essa vigilância, a não ser na questão tributária. Evitar fraudes como as denunciadas pelo MP de Goiás deveria ser questão central da regulação. Se o objetivo for meramente arrecadar mais, o futebol será o grande derrotado.

IPCA-15 e expectativas confirmam cenário benigno para inflação

Valor Econômico

O câmbio valorizado, há semanas abaixo de R$ 5, e uma atividade econômica que perde força também colaboram para a redução da taxa básica de juros

O comportamento da inflação e das expectativas para os índices de preços abre espaço para o início do ciclo de queda dos juros. O processo de corte da Selic pode começar na reunião da semana que vem do Comitê de Política Monetária (Copom). O câmbio valorizado, há semanas abaixo de R$ 5, e uma atividade econômica que perde força colaboram para a redução da taxa básica de juros, que subiu de 2% em março de 2021 a 13,75% em agosto de 2022, com o objetivo de domar uma inflação resistente, que superou dois dígitos.

Divulgado ontem pelo IBGE, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo -15 (IPCA-15) de julho teve deflação de 0,07%, levando o acumulado em 12 meses para 3,19%. O grupo alimentação no domicílio recuou 0,72% e produtos industriais caíram 0,55%. Mais importante do que esses números, porém, foi a abertura do indicador. As pressões inflacionárias se mostraram menos disseminadas e as medidas de núcleos e serviços tiveram uma desaceleração razoável.

A média dos cinco núcleos acompanhados de perto pelo Banco Central (BC) passou de 0,34% no IPCA-15 de junho para 0,09% no de julho, segundo números da MCM Consultores Associados. Os núcleos buscam eliminar ou reduzir a influência dos itens mais voláteis, para mostrar a trajetória da inflação sem o impacto de choques mais fortes. Em 12 meses, a média desses núcleos desacelerou de 6,19% para 5,53%, a menor variação desde julho de 2021. Ainda assim, é um número bem superior à meta deste ano, de 3,25%, e segue acima do teto da banda de tolerância, de 4,75%.

O comportamento dos serviços mais sensíveis ao ciclo econômico também foi positivo, embora a desaceleração tenha sido mais branda que a dos núcleos. A medida que retira serviços domésticos, cursos, turismo e comunicação passou de 0,56% em junho para 0,35% em julho, de acordo com a MCM. No acumulado em 12 meses, a inflação desses serviços ficou em 5,93%, abaixo dos 6,53% do mês anterior. A queda de 0,6 ponto percentual nessa base de comparação é significativa, embora o número continue num nível ainda elevado. Ainda assim, outra métrica desses serviços que mais respondem à demanda mostrou um comportamento favorável: a média de três meses anualizada desacelerou de 6% em junho para 5,2% em julho, na série com ajuste sazonal, como destaca o Bradesco. Essa medida é uma mais preferidas dos analistas para avaliar a evolução da inflação no curto prazo, sendo menos volátil do que os dados mensais.

Outra boa notícia foi o índice de difusão, que revela o percentual de itens em alta no mês. Em julho, ficou em 47,96%, o menor desde junho de 2020, apontando para pressões inflacionárias menos disseminadas. Esses resultados confirmam a perda de fôlego da inflação, com o IPCA devendo fechar o ano em 5% ou um pouco menos, havendo a possibilidade de terminar 2023 abaixo do teto da banda de tolerância, de 4,75%.

As expectativas de inflação também têm exibido projeções mais benignas. O consenso de mercado do Boletim Focus, divulgado ontem, apontou melhora nas estimativas para o IPCA de 2023, 2024 e 2025. Para este ano, o consenso do indicador recuou de 4,95% para 4,9%; para 2024, de 3,92% para 3,9%; e para 2025, de 3,55% para 3,5%.

O Goldman Sachs observa que, desde a reunião mais recente do Copom, as expectativas de inflação caíram 0,22 ponto percentual para 2023, 0,1 ponto para 2024, e 0,3 ponto para 2025 e 2026. O Goldman Sachs nota que a maior parte da melhora das estimativas para 2025 e 2026 ocorreu após a decisão do Conselho Monetário Nacional (CMN) de confirmar a meta de 3% para o ano que vem e para os dois anos seguintes, sepultando os temores de que o alvo pudesse ser elevado. Com as projeções mais próximas dos alvos, o BC tem conforto para iniciar o processo de redução dos juros. Hoje, a maior parte dos analistas espera que a Selic caia na reunião da semana que vem. Ganha força a aposta num corte de 0,5 ponto da Selic, embora não se deva descartar uma baixa de 0,25 ponto. O quadro inflacionário é mais favorável e o dólar abaixo de R$ 5 contribui para melhorar as perspectivas para os preços dos bens influenciados diretamente pelo câmbio, mas as expectativas para 2024, 2025 e 2026 seguem acima da meta de 3%, embora estejam em declínio. O BC pode optar por ser mais comedido no começo do ciclo, esperando quedas adicionais das projeções de inflação para prolongar o processo de redução da Selic.

Como pano de fundo, a aprovação do arcabouço fiscal pelo Congresso tende a contribuir para manter o câmbio valorizado, assim como a divulgação de resultados fiscais expressivos. Também é necessário que fique mais claro se o governo conseguirá as receitas necessárias para cumprir as metas de resultado primário (que excluem gastos com juros), assim como controlar a expansão de despesas. Com a redução das incertezas sobre as contas públicas, a percepção de risco Brasil continuará a melhorar, colaborando para um câmbio mais valorizado e menos volátil, um ponto importante para o controle da inflação.

Um país violento

Folha de S. Paulo

Alta em índices de criminalidade mostra que política pública integrada é urgente

Nada a comemorar. Esta é a conclusão que se pode extrair do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, lançado quinta (20), que se baseia em dados oficiais de 2022. A publicação expõe um país violento e ressalta tendências de mudança, tanto no perfil das ocorrências, quanto nos focos de maior insegurança. As poucas boas notícias vieram com ressalvas.

Houve aumento vertiginoso no registro de certos crimes em comparação com 2021, como os patrimoniais envolvendo tecnologia, os de ódio e no espaço doméstico.

O estelionato eletrônico disparou (65,2%) no ano passado. Quase 1 milhão de aparelhos celulares foram subtraídos. O racismo aumentou 68%, e a homotransfobia, 54%. No estado de São Paulo, o feminicídio teve alta de 43,3%.

Mais de 102 mil crianças e adolescentes foram vítimas de violência (abandono, maus-tratos, lesão corporal e estupro). Este último teve a maior alta (15,3%), de 45.076, em 2021, para 51.971.

Apesar de as mortes violentas intencionais (MVIs) —homicídio doloso, latrocínio, lesão corporal seguida de morte e morte por intervenção policial— terem atingido o menor índice em 12 anos, o ritmo de queda desde 2018 desacelerou.

Entre 2020 e 2021, por exemplo, os números caíram 4%; agora, a redução foi de 1,9%. A taxa ainda é alta (23,4 por 100 mil habitantes). Foram 47.508 MVIs no ano passado —cerca de metade das vítimas tinha entre 12 e 29 anos, 76,9% eram negras e 91,4% do sexo masculino.

A dinâmica de mercados legais influencia a taxa de mortes violentas. Um quinto delas ocorreu na Amazônia Legal e, na contramão da tendência nacional, os estados do Sul tiveram aumento de 3,4% entre 2021 e 2022.

Ambas as regiões passam por conflitos territoriais envolvendo facções criminosas do tráfico de drogas e outras contravenções.

O próprio Estado contribui para as estatísticas. As polícias civis e militares mataram 6.430 pessoas em 2022 (quase 18 por dia).

Bahia e Rio de Janeiro lideram o ranking de mortes por forças de segurança —juntos respondem por 4 de cada 10 mortes do tipo. Outros estados, em particular os que instalaram câmeras policiais, como São Paulo e Santa Catarina, diminuíram a letalidade.

Segurança não se resume a mais polícia ou encarceramento. É preciso investir em inteligência e tecnologia, além de atuar de forma interseccional com outras áreas para proteger estratos vulneráveis.

Não há solução imediatista para problemas complexos. Cabe ao governo federal, em parceria com os estados, implementar políticas públicas de longo prazo que revertam índices de criminalidade de modo contínuo e duradouro.

Israel por um fio

Folha de S. Paulo

Reforma do Judiciário de Netanyahu racha a sociedade e indica erosão democrática

Durante décadas, um dos principais argumentos dos defensores de Israel era dizer que o Estado judeu constituía a única democracia em todo o Oriente Médio.

Cercado de ditaduras árabes em graus diversos, esta era uma assertiva relativamente de fácil aceitação, apesar do histórico de Tel Aviv no trato dos palestinos nos territórios que ocupa desde 1967.

A origem de Israel, em si uma ideia concebida na reação do judaísmo europeu a séculos de perseguição que desaguaram no Holocausto, também favorecia tal percepção. O país se via, no berço, como um ente quase socialista e igualitário —para judeus, claro.

Anos de conflitos cada vez mais difíceis de serem justificados e uma transformação demográfica que trouxe o conservadorismo para o coração da sociedade —muito em decorrência da imigração de locais como a Rússia pós-soviética— mudaram completamente o cenário.

Israel, como era conhecido, está hoje por um fio com a convulsão social decorrente do início da aprovação da reforma do Judiciário proposta pelo premiê Binyamin Netanyahu. Sem a presença da oposição no Parlamento, a primeira lei do pacote passou de forma unânime na segunda (24).

O primeiro ministro fez avançar a proposta apesar de meses de protestos, que agora só aumentam e vão de greves de médicos à até então impensável desobediência de militares, como pilotos de caça.

A lei aprovada proíbe que juízes adotem critérios de razoabilidade em suas decisões. Trata-se de um poder discricionário, em um país que não tem Constituição escrita, usado como contrapeso a decisões consideradas abusivas do governo ou a nomeações de nomes controversos a cargos públicos.

O próprio Netanyahu, alvo de um processo de corrupção, está nesse rol. Casuísmo à parte, ele age movido por um gabinete de extrema direita, que inclui ministros abertamente homofóbicos, racistas e acusados de ilegalidades. Só esse contexto já degrada a ideia de que a lei visa evitar excessos judiciais.

Eles podem ocorrer, por certo, e a razoabilidade é subjetiva. Mas o pacote completo proposto é bem mais draconiano, pretendendo submeter decisões até da Suprema Corte ao Parlamento.

Essa erosão institucional está sendo repudiada nas ruas de um país cindido. Netanyahu prometeu manter Israel democrático, mas sua condição moral para tanto parece, no mínimo, bastante abalada

Por uma verdadeira reforma administrativa

O Estado de S. Paulo

Proposta que cochila na Câmara e que Lira quer votar é ruim, mas seria bom aproveitar esse ímpeto reformista para elaborar um projeto que efetivamente traga eficiência ao Estado

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), disse que a proposta de reforma administrativa está pronta para ser votada pelos deputados. Segundo ele, de todas as reformas estruturantes a serem apreciadas pelo Legislativo, essa seria a única que estaria faltando. “A reforma administrativa que está pronta, com alguns ajustes que podem ser feitos no plenário, não tira direito adquirido de ninguém”, afirmou.

Numa coisa Lira tem razão: o País, de fato, precisa discutir regras capazes de trazer mais eficiência à despesa da União com funcionalismo e aprimorar a gestão pública. O Brasil gasta hoje 12% do Produto Interno Bruto (PIB) com servidores, um dos maiores índices do mundo considerando países desenvolvidos e emergentes, mas isso está longe de se traduzir em maior qualidade dos serviços públicos prestados à população. Reconhecer essa realidade, no entanto, não quer dizer que a reforma administrativa esteja pronta para ser votada.

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 32/2020, a que Lira fez referência, foi aprovada por uma comissão especial da Câmara em 2021 e, em tese, já poderia ser submetida ao plenário. Isso, no entanto, nunca chegou a ocorrer. Embora a proposta tenha sido enviada pelo governo de Jair Bolsonaro ao Legislativo em setembro de 2020, o próprio presidente, na ocasião, trabalhou contra seu avanço – não por convicção de que ela fosse ruim, como ela realmente era, mas por receio de que isso atrapalhasse suas pretensões eleitorais.

Se o texto da PEC 32/2020 nunca chegou a ser incluído na pauta do plenário da Câmara a pedido do próprio governo que o elaborou, não há razões para acreditar que isso ocorrerá no mandato de Lula. É bom que seja assim. Ainda na comissão especial, o parecer foi modificado cinco vezes para que pudesse ser aprovado – e em cada uma delas ele foi significativamente desidratado.

Com o avanço da malfadada PEC, as carreiras exclusivas do Estado seriam ampliadas, categorias vinculadas à segurança pública teriam direito a novos privilégios e controles contra supersalários seriam levantados. Para completar, a reforma valeria apenas para os futuros servidores e não resvalava na cúpula do Judiciário e do Ministério Público, que detêm os maiores penduricalhos. Como alertamos neste espaço na ocasião, era nada mais que um monstrengo que merecia ter o arquivo como destino.

Reconhecer a necessidade de uma reforma administrativa tampouco justifica a destruição da estrutura do Estado, como tentou Bolsonaro ao desmontar órgãos ligados à defesa do meio ambiente e dos povos indígenas. Não fosse a resistência da burocracia pública, os retrocessos teriam sido ainda maiores. Nesse sentido, o fato de o governo Lula ter autorizado a realização de concursos públicos para diversas instituições, principalmente para agências reguladoras que estavam à beira da paralisia, deve ser celebrado.

Uma verdadeira reforma administrativa deve ser discutida à luz dos objetivos e funções do Estado que o País quer ser. Já há consenso sobre algumas premissas que devem pautar esse debate. É preciso regulamentar a avaliação de desempenho dos funcionários públicos, premiando os que mais se destacam e demitindo os que não estão à altura de suas funções. É preciso reduzir o salário inicial das funções, valorizando os servidores que veem na carreira pública uma vocação e um projeto de longo prazo.

É preciso desengessar as carreiras e garantir remanejamentos que permitam aos funcionários assumir funções em que sua presença é mais demandada. É preciso abandonar mitos que só contribuem para travar o debate sobre o tema, como a ideia de que o funcionário público padrão não passa de um aproveitador. É preciso não perder de vista o aumento da oferta e da qualidade dos serviços prestados à população.

Nada disso está contemplado na PEC 32/2020, uma mera reforma de recursos humanos. Esse debate precisa ser retomado, e não interrompido. Este jornal é favorável a um Estado enxuto e eficiente, que esteja a serviço da sociedade, o que não significa nem um Estado mínimo nem um Estado inchado e aparelhado.

Batalha do gás divide o governo

O Estado de S. Paulo

Silveira e Prates trocam acusações em embate público, enquanto mercado produtor tenta administrar um volume insuficiente e caro de gás natural num mercado monopolizado

A partir de 1.º de agosto a Petrobras reduzirá o preço do gás natural vendido às distribuidoras em 7,1%. No ano, a queda acumulada chegará a 25%. Coincidência ou não, o movimento acontece no momento em que a disputa entre o Ministério de Minas e Energia (MME) e a Petrobras em torno do mercado de gás natural ganha proporções extremas. “Não existe crise”, desconversou o presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, na entrevista em que anunciou o corte no preço.

Não é o que demonstram, desde o início do ano, declarações públicas cada vez mais acaloradas. O governo Lula da Silva está claramente dividido entre a ala que defende a desconcentração do segmento, tendo à frente o ministro do MME, Alexandre Silveira (PSD), e a que cerra fileira pela manutenção da Petrobras como mandante do setor, liderada por Prates (PT). Os dois senadores licenciados passaram a personificar o duelo entre as correntes liberal e estatizante que marcam o alto escalão do governo.

Interesses de parte a parte fazem desta mais uma história sem mocinhos. Mas a atitude de Prates é um evidente retrocesso num mercado que, desde o marco regulatório, instituído há dois anos, caminhava em direção a uma maior competitividade. Insumo imprescindível para a indústria, especialmente a mais intensiva no uso de energia, o gás negociado em ambiente mais diversificado traria um avanço sem precedentes.

O quase monopólio da Petrobras na produção, processamento e comercialização do produto torna desigual a negociação de preços e até mesmo o volume ofertado, aquém das necessidades do mercado. Em documento assinado com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), a petroleira comprometeu-se a adotar medidas para permitir a abertura do mercado.

Essa liberalização viria especialmente da venda de ativos de transporte, distribuição e terminais de GNL, mas também do leilão de estoques e outras medidas. A Petrobras faria uma redução planejada de sua participação nos diversos elos da cadeia para permitir a entrada de novos agentes. A empresa chegou a vender alguns ativos, como a Gaspetro e redes de dutos, especialmente no Nordeste, mas a chegada de Jean Paul Prates à companhia suspendeu o programa. O próximo ativo da lista seria a operadora do gasoduto Brasil-Bolívia.

O ministro Alexandre Silveira não tem economizado munição no embate com Prates. Elegeu a reinjeção de gás durante extração de petróleo no présal – técnica necessária no processo, mas que o ministro considera excessiva – como mote para acusar a Petrobras de sonegar o produto ao mercado. Não é bem assim, mas, em entrevista ao jornal Valor, chegou a dizer que a prática da empresa era duvidosa “inclusive do ponto de vista ético e moral”.

O tom das acusações, que se sucedem há meses, tem se tornado cada vez mais forte. “A Petrobras não sonega gás”, diz Prates. “O presidente da Petrobras dizer que nada pode ser feito é, no mínimo, negligência”, acusa Ferreira. “O transporte foi repassado para terceiros, a Gaspetro também. Só falta alguém pegar os campos do pré-sal e dizer para alguém, que não nós (Petrobras), operar. Que culpa tem a Petrobras de ser tão boa em operar petróleo e gás?”, provoca Prates.

Dizer que não existe embate ou crise em um ambiente assim é desafiar a lucidez do público. A abertura do mercado é um processo gradual, que deve ser feito de forma controlada. Exatamente devido à lentidão, não deve ser interrompido, como faz o presidente da Petrobras, nem tampouco deve ser acelerado da forma destrambelhada, como sugere o ministro.

Amarrar o mercado de gás a questões ideológicas é, antes de tudo, negar ao País a chance de acelerar seu crescimento. Ao contrário de gasolina e diesel, cujos preços variam sem um intervalo de tempo definido, o preço do gás é estipulado por contrato a cada três meses, em negociação direta com as distribuidoras. É um produto que costuma se manter acima da média internacional – o que, aliado à falta de previsibilidade em relação à oferta, é mais um item a reforçar o famigerado “custo Brasil”. Bom seria ter outras opções de fornecimento além da Petrobras.

Mais controle sobre as armas

O Estado de S. Paulo

É fundamental restringir o acesso, mas medida pouco adiantará se vier desacompanhada de maior fiscalização

Vem em boa hora o conjunto de decretos assinados pelo presidente Lula da Silva no dia 21 passado, no âmbito do Programa de Ação na Segurança (PAS), que torna mais rigoroso o controle de acesso a armas de fogo e munições no País. A ação do Executivo federal está alinhada a recentes decisões do Congresso e do Supremo Tribunal Federal nessa seara, o que é revelador de uma convergência institucional em área de vital importância para a sociedade – literalmente.

Como noticiou o Estadão, reduziu-se o limite de armas de fogo a que os cidadãos podem ter acesso, mesmo os que detêm o certificado de Caçador, Atirador Desportivo e Colecionador (CAC); impuseram-se restrições à compra de armamentos de determinados calibres, como o da pistola 9mm; e limitou-se o horário de funcionamento dos clubes de tiro em todo o País. Além disso, o governo federal também decidiu que a fiscalização dos armamentos passará, progressivamente, do Exército para a Polícia Federal (PF).

Lula deu um importante passo para tornar o Brasil, no mínimo, um país menos violento do que já é. Os decretos também servem para mostrar que o Executivo federal exerce papel fundamental na construção de boas políticas públicas na área de segurança, respeitando-se, por óbvio, as competências subnacionais determinadas pela Constituição. Se até a adequada manutenção da iluminação em vias públicas pelos municípios se descortina como ação de segurança pública, resta evidente que não haverá política bem-sucedida nessa área sem a coordenação de esforços entre todos os entes da Federação.

A malévola obsessão de Jair Bolsonaro de armar a população – “povo armado jamais será escravizado”, dizia o ex-presidente, sem esconder que a distribuição irrestrita de armas de fogo era tida por ele como instrumento de ação política, não como medida de segurança pública – fez com que, na prática, todo cidadão maior de idade que quisesse adquirir armas no Brasil, inclusive fuzis e outros armamentos de uso restrito, recebesse do Estado a autorização para a compra, porte e posse, a depender do caso. Há muito era necessário dar fim a essa perigosa bagunça.

A essa irresponsável política de liberação geral do governo anterior soma-se a precária fiscalização das armas em poder de civis no País, seja por leniência das autoridades constituídas para esse trabalho, sobretudo na concessão dos certificados de CAC, seja pela falta de recursos materiais e humanos para exercê-lo a contento. Isso só contribuiu para agravar um quadro de absoluto descontrole.

A despeito de seus aspectos positivos, os decretos de Lula também suscitam pontos de atenção. Por exemplo: mesmo com o aumento das restrições, um CAC ainda pode comprar muitas armas de fogo no País – o limite caiu de 30 para 6 armas, podendo haver acréscimo de mais duas de uso restrito, em alguns casos e sob fiscalização. Além disso, as boas intenções do governo federal não bastam. É preciso que a PF seja dotada de capacidade operacional para exercer a fiscalização rigorosa da compra e, em particular, da circulação de todo esse armamento em poder de civis. O monopólio do emprego da violência, nunca é demais lembrar, é e seguirá sendo do Estado.

É preciso ir além da renegociação de dívidas

Correio Braziliense

Há necessidade de o governo investir na educação financeira em todo o ensino brasileiro, com capacitação e preparação de professores

O governo federal se apressou em comemorar os primeiros resultados do Programa Desenrola Brasil, lançado em 17 de julho. Apenas nos primeiros cinco dias, o programa limpou o nome de 2 milhões de brasileiros que estavam negativados por dívidas de até R$ 100 e permitiu a renegociação dos débitos que totalizaram R$ 500 milhões, em 150 mil contratos. A comemoração tem motivo, uma vez que o programa cumpre uma promessa de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Dividido por faixas de renda, a negociação começou pelas dívidas do sistema financeiro, com a adesão dos bancos, e se estende às redes de varejo, que se anteciparam e já oferecem ao consumidor a opção de repactuar os débitos.  

O programa era mais do que necessário diante do quadro de endividamento crônico do brasileiro nos últimos meses, com o percentual de famílias com dívidas a vencer chegando a 78,5% em junho, sendo que, desse total, 18,5% se consideram muito endividados, e outros 29% têm dívidas em atraso, conforme dados da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). Ao atender a uma necessidade urgente diante desse quadro de sufoco financeiro das famílias, o governo busca retomar a condição de adimplência desses consumidores para que eles voltem a consumir, o que se confirma com a intenção de lançar um programa de redução de preços de eletrodomésticos, com incentivos, para estimular o consumo e a produção industrial.

Mais uma vez, o presidente Lula adota medidas emergenciais sem a preocupação — pelo menos imediata — de contribuir para a solução de problemas estruturais. O governo perde a oportunidade de condicionar a renegociação de dívidas à educação financeira, para que os consumidores que, agora, estão conseguindo aliviar o endividamento não voltem a se endividar e a acumular débitos que ultrapassem a capacidade de pagamento. Esse risco existe, diante do prazo oferecido pelos bancos e as taxas de juros. Um consumidor que renegociar uma dívida acima de R$ 4 mil, mesmo com desconto de 50% na negociação inicial, chegará ao fim do contrato pagando mais do que a dívida inicial.

É preciso lembrar que a educação financeira é adotada hoje na grade curricular de apenas algumas escolas e uma parte delas se queixa de dificuldades para se adaptar à nova disciplina. Aqui é preciso fazer uma reflexão: o consumidor atende ao mercado. À medida que ele se educa financeiramente ele adquire mais um aspecto de cidadania, ao adquirir capacidade de lidar com suas finanças de forma consciente e sustentável. É preciso que o governo invista na educação financeira em todo o ensino brasileiro, com capacitação e preparação de professores para transmitir aos alunos os conceitos e conhecimentos que lhes permitirão trocar o imediatismo consumista pelo planejamento.

Hoje, a educação financeira está fixada em lei, com o estabelecimento da Estratégia Nacional de Educação Financeira, instituída pelo Decreto nº 7.397 do governo federal de dezembro de 2010. O objetivo é exatamente promover a educação financeira e previdenciária para fortalecer a cidadania dos brasileiros. Colocar em prática essa estratégia é urgente para que jovens brasileiros não cheguem à fase adulta integrando o contingente de endividados e sem noções de como lidar de forma adequada com o dinheiro. O governo precisa ir além de simplesmente renegociar dívidas de consumidores para que estes voltem a consumir.

 

 

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