sábado, 8 de julho de 2023

Pablo Ortellado - Lula é ambíguo com as ditaduras

O Globo

Desde que assumiu como presidente, Lula vem tomando posições ambíguas com relação às ditaduras de esquerda da América Latina. Recebeu o presidente da VenezuelaNicolás Maduro, e o tratou como companheiro. Defendeu-o em múltiplas ocasiões da acusação de que a Venezuela não é democrática. Em março, a diplomacia brasileira deixou de assinar uma declaração do Conselho de Direitos Humanos da ONU que condenava “sérias e sistemáticas violações” de direitos humanos na Nicarágua (o Brasil, porém, assinou uma resolução mais branda da OEA no fim de junho pedindo democracia no país).

Às vezes, Lula dá a entender que tudo não passa de estratégia diplomática. Declarações brandas ou ambíguas diminuiriam resistências e permitiriam ao Brasil atuar como mediador, conduzindo esses países a uma democracia mais plena. Mas a ambiguidade também pode ser lida como condescendência e falta de compromisso democrático. Como o movimento é ambíguo, não dá para saber quanto há de estratégia e quanto há de tolerância com as falhas democráticas quando o governo é de esquerda. Seja como for, a postura ambivalente está assustando e radicalizando as respostas da extrema direita brasileira — a tal ponto que eventuais benefícios para a política externa certamente não compensam o dano infligido à dinâmica política nacional.

Lula não esconde sua ambição de ser um líder global. Nos primeiros meses de governo, fez mais viagens internacionais que FH, Dilma, Temer e Bolsonaro no mesmo período. A tentativa de se colocar como mediador entre Rússia e Ucrânia ecoa a ousada tentativa de mediar, em 2009, um acordo sobre o programa nuclear iraniano. Lula não aspira apenas a resolver os grandes problemas brasileiros, quer também resolver alguns dos grandes problemas globais.

Na abertura da reunião do Foro de São Paulo, lembrou que o grupo foi concebido para priorizar as estratégias eleitorais em detrimento das revolucionárias que ainda tinham força entre as esquerdas da América Latina nos anos 1990. Também sugeriu que sua postura ambivalente em relação à Nicarágua e à Venezuela é parte de uma estratégia. No discurso, disse que, entre aliados políticos, as críticas são feitas em privado e jamais em público, para não dar força aos adversários de direita. No discurso na Cúpula do Mercosul, na terça-feira, retomou a questão, dizendo que os desafios democráticos precisam ser enfrentados por meio do diálogo e que conversará com Daniel Ortega sobre a perseguição a integrantes do clero católico. Tudo isso sugere que Lula acredita que as críticas sobre a corrosão da democracia na Nicarágua e na Venezuela deveriam ser feitas em encontros privados com os líderes desses países, e não por meio de declarações públicas.

Mas essas declarações em privado são mesmo feitas? E, se são, empurram esses regimes na direção certa? Lula e Dilma conviveram por muitos anos com Chávez e Maduro, e o regime venezuelano só se corrompeu no período. Entre 2003 e 2016, quando o PT esteve no poder no Brasil, a Suprema Corte da Venezuela virou um apêndice do Executivo, distritos eleitorais foram redesenhados para dar vantagem aos chavistas, líderes opositores e a imprensa independente foram perseguidos, e ativistas da oposição foram presos e torturados.

Se é questionável que puxões de orelha em privado — se é que são dados — surtem qualquer efeito, não há dúvida de que a postura ambivalente com as ditaduras deixa sequelas no ambiente político doméstico.

Declarações infelizes como afirmar que a perseguição aos católicos na Nicarágua é apenas uma “disputa” ou que a Venezuela é democrática porque tem eleições regulares polarizam ainda mais um ambiente já excessivamente inflamado. Assustam eleitores à direita do centro e dão margem a respostas antidemocráticas da extrema direita no espírito do “se eles vão fazer, é melhor fazermos antes”. Quando um tema da política externa tem implicações tão negativas na política doméstica, é o interesse desta última que deveria prevalecer. Lula não é o secretário-geral das Nações Unidas, é o presidente do Brasil.

 

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