Valor Econômico
Embora no Brasil esteja fortemente
ideologizada, a discórdia entre economistas liberais e desenvolvimentistas é
fenômeno antigo e global
Uma consequência natural da volta da
esquerda ao governo brasileiro foi a retomada da discussão teórica sobre a
forma pela qual o país deve buscar o desenvolvimento. Nas últimas décadas, o
debate foi praticamente abandonado pela mídia - não pela academia -, sob a
domínio arrasador de ideias liberais.
Não se trata, é claro, de uma discussão
unicamente brasileira. Embora no Brasil ela esteja fortemente ideologizada, a
discórdia entre economistas liberais e desenvolvimentistas é um fenômeno antigo
e global, inerente ao capitalismo. Trata-se, em poucas palavras, de responder a
uma pergunta elementar: por que alguns países ficam ricos e outros não?
Para os liberais, o caminho para a riqueza
são as estratégias de “laissez-faire” doméstico e livre comercio internacional,
com mínima intervenção do Estado. Por isso, ao governar, promovem
desestatizações e redução radical do tamanho do Estado. Aceitam um grau mínimo
de intervenção estatal, para corrigir falhas de mercado, com a justificativa de
que as falhas de governo sempre são mais perigosas que as de mercado.
Para os desenvolvimentistas, é indispensável a intervenção ativa do Estado no processo que vai tornar os países ricos. Eles apresentam argumentos teóricos e empíricos, mas também evidências históricas para justificar a intervenção. Com as peculiares exceções de Hong Kong e Suíça, não há outro caso, inclusive a Inglaterra em sua revolução industrial, de país que tenha alcançado o status de desenvolvido sem a adoção de políticas industriais, subsídios e outros mecanismos de proteção do Estado.
Essa discussão teórica começa voltar à
mídia tradicional e já está acesa nas redes sociais. A Editora Contracorrente
pôs à venda o livro “Desenvolvimento e Estagnação - O debate entre
desenvolvimentistas e liberais neoclássicos”, do professor de economia da UFF
André Nassif. Em trabalho robusto, o economista procura ampliar e organizar
esse debate teórico entre as duas correntes. A ideia do livro é apresentar um
texto cujo entendimento não fique restrito a economistas e estudantes de
economia, sendo acessível a todos os interessados no tema.
Essa discussão teórica não é trivial,
porque o bem-estar das novas gerações de brasileiros depende do sucesso das
estratégias econômicas escolhidas. Nassif se declara desenvolvimentista e
considera que, no mundo periférico (não desenvolvido), o Brasil é um exemplo
onde se registram, de forma bastante clara, duas fases distintas. A primeira,
entre 1950 e 1980, em que políticas econômicas foram fortemente influenciadas
pelos desenvolvimentistas. A segunda, de 1990 até agora, marcada pelo domínio
das ideias liberais. De 1950 a 1980, o Brasil seguiu trajetória relativamente
sustentada de crescimento econômico e, desde 1980 até agora, não conseguiu se
livrar da estagnação. “Isso não foi por mero acaso”, escreve o economista.
O pensamento desenvolvimentista sustenta
que as políticas industriais precisam voltar a ser planejadas no Brasil, a
exemplo do que ocorre no mundo desenvolvido, onde as ideias liberais perderam
espaço na pós-pandemia. Nos EUA, programas governamentais de estímulo
industrial já envolvem trilhões de dólares e vão mobilizar setores inovadores,
principalmente na área de tecnologia. Na Franca, na Alemanha e em toda a
Europa, também já há programas explícitos de industrialização aproveitando a
“janela” gerada pelas novas tecnologias e pela premência das transformações
para uma indústria de baixo carbono.
Por que, no Brasil, os economistas liberais
continuam radicalmente contra a adoção de políticas industriais? Para
responder, Nassif cita uma frase da ex-primeira-ministra do Reino Unido
Margaret Thatcher, que nos anos 1980 foi grande estimuladora da virada global
para o neoliberalismo, juntamente com o então presidente dos EUA Ronald Reagan.
“Meu objetivo não é mudar a ideia das pessoas, é mudar a alma” - teria dito
Thatcher. Em entrevista a Mario Vitor Santos, Nassif deu seu veredito: a
ideologia liberal estaria encrustada na alma dos economistas brasileiros, que
ele chama de “liberais neoclássicos”, treinados em universidades americanas.
Eles seriam mais liberais do que os “sofisticados liberais” dos EUA, como Anne
Kruger, Dani Rodrik, Paul Krugman e Joseph Stiglitz.
A política desenvolvimentista brasileira de
1950 a 1980, mesmo com erros, deu resultado e o país cresceu acima da média
mundial. Por que, então, fracassaram as novas tentativas nos governos Lula e
Dilma? Os próprios liberais observam que o fracasso se deu mais por falhas na
governança e apropriação de políticas por grupos de interesse do que por
inconsistência teórica. Nassif admite o fracasso, mas tem outra explicação: as
políticas públicas não foram pensadas de forma integrada e ficaram
desconectadas do regime macroeconômico.
“Se você tem um regime macroeconômico que
mantém as taxas de juros, bases do custo de capital, tendencialmente elevados e
se você tem taxas de câmbio tendencialmente valorizadas, esquece, não haverá
desenvolvimento”, diz Nassif. Juros e câmbio são os dois preços macroeconômicos
mais importantes para a tomada de decisão do empresário de investir e tirar a
economia da estagnação.
Na defesa de sua tese, Nassif argumenta, no
livro, que a corrente desenvolvimentista não se restringe à sustentação do
crescimento econômico. Envolve também profundas mudanças estruturais,
especialmente o aumento da participação dos segmentos tecnologicamente mais
sofisticados no PIB, aprimoramento da infraestrutura física e humana (educação,
saúde, cultura, lazer), redução da desigualdade social e garantia dos direitos
de cidadania. Cita Amartya Sen para dizer que o desenvolvimento envolve
direitos que transcendem o campo da economia, como o exercício pleno da
liberdade. Para isso, é necessário que se removam “a pobreza, a tirania, a
carência de oportunidades econômicas, a destituição social sistemática, a
negligência dos serviços públicos e a intolerância ou interferência excessiva
de Estados repressivos”.
“Infelizmente, esses problemas estão longe
de ser resolvidos no Brasil”, lamenta o economista.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirAULA MAGNA.
ResponderExcluirBRAVO!