segunda-feira, 31 de julho de 2023

Ricardo Henriques - Juventudes e o bônus demográfico

O Globo

Censo mostra que estamos mais próximos do fim do período em que a estrutura populacional é mais favorável ao crescimento econômico por causa da maior proporção de pessoas em idade ativa, em relação a crianças e idosos que não trabalham

Os primeiros dados do Censo do IBGE mostraram que estamos mais próximos que o previsto do fim do bônus demográfico, período em que a estrutura populacional é mais favorável ao crescimento econômico por causa da maior proporção de pessoas em idade ativa, em relação a crianças e idosos que não trabalham. Infelizmente, deixamos de aproveitar plenamente essa janela.

Avanços insuficientes de oportunidades educacionais, nível insatisfatório de qualificação profissional (técnica e universitária) e, mais recentemente, uma crise quase contínua do mercado do trabalho estão entre os fatores que nos prejudicaram.

O fim do bônus, no entanto, não significa que essa agenda perdeu relevância. Aproveitar o fim da janela desta transição, sobretudo em um contexto de crescente diminuição de força de trabalho e aumento da pressão sobre os sistemas de seguridade social, requer um olhar atento para nossas juventudes, especialmente para os grupos historicamente mais prejudicados.

Embora a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD-C) tenha evidenciado avanços importantes na última década, alguns desafios estão longe de ser superados. A proporção de concluintes do ensino médio na faixa etária de 18 a 24 anos aumentou entre 2012 e 2022, com destaque para os jovens negros, que saltaram de 46% para 63%. O indicador, no entanto, permaneceu inferior ao calculado para os jovens brancos em 2012 (66%).

O país ainda impõe aos jovens negros, portanto, uma década de “atraso”. O mesmo ocorreu no ensino superior. Em 2022, 34% dos jovens brancos de 18 a 24 anos estavam em cursos desta etapa, proporção que, entre jovens negros, era de apenas 19%. Apesar de contarmos com iniciativas essenciais, como a Lei de Cotas, os avanços foram insuficientes.

Outro dado relevante é a mudança na escolaridade dos jovens sem-sem (sem estudar e sem trabalhar) ao término da educação básica. Se, em 2012, 49% desse grupo específico possuíam ensino médio completo, em 2022, essa proporção aumentou para 62%.

Isso não significa que o esforço para aumentar a conclusão desta etapa tenha sido em vão, pois o aumento de escolaridade traz ganhos que ultrapassam o mercado de trabalho. Mas é um sinal importante de que, se por um lado estamos registrando ganhos no acesso à escola, por outros, estamos falhando na transição dessa população para o mercado de trabalho ou ensino superior.

Tal desafio fica ainda mais evidente ao compararmos a taxa de desemprego na faixa de 18 a 24 anos (20,7%) com o grupo de 25 a 60 anos (7,4%). O desemprego de jovens também é sensivelmente mais alto no Brasil quando comparado com a média dos países da OCDE e de vizinhos como Chile e Argentina, de acordo com o relatório Education at a Glance, produzido pela OCDE, de 2022. Além de enfrentarem dificuldades de inserção ocupacional, os jovens também se encontram em posições mais precárias da estrutura produtiva.

Esses dados reafirmam a urgência de desenvolvermos políticas que minimizem os riscos do abandono e do atraso escolar, sobretudo para os jovens negros e da periferia. Além disso, devemos pavimentar caminhos para a inserção social dos jovens sem-sem. Uma forma de fazê-lo é articular educação e trabalho através de uma agenda intersetorial de políticas públicas, desde a oferta de creches públicas, passando por políticas de incentivo à permanência na escola até as políticas de qualificação profissional para as juventudes.

Não é possível falar do acesso a oportunidades sem tratar da socialização das atividades de cuidado, da mesma forma que não podemos ignorar os jovens que, sem experiência e qualificação profissional, não conseguem trabalhar e desistem de procurar emprego.

Economias fechadas e marcadas por empresas ineficientes e pouco competitivas, como a brasileira, tendem também a criar um ambiente restritivo para os jovens. Essa situação pode limitar suas perspectivas de empregabilidade e de desenvolvimento profissional, impactando, em última análise, o próprio crescimento econômico de um país.

O bônus demográfico brasileiro pode estar caminhando para o fim, mas o diagnóstico de que precisamos investir mais e melhor nos jovens, com especial atenção aos grupos mais vulneráveis, segue válido e urgente. Com ou sem bônus, o preço da negligência com nossas juventudes continuará custando caro ao Brasil, em todos os sentidos.

 

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