sexta-feira, 21 de julho de 2023

Rogério Werneck* - Aritmética adversa

O Estado de S. Paulo

No jogo da reforma tributária, espera-se que o Senado saiba fazer as contas cabíveis

Na votação da reforma tributária na Câmara, a tropa de choque de Arthur Lira permitiu-se fazer ampla distribuição prévia de benesses. Assegurou alíquota zero sobre produtos da cesta básica e garantiu a um vasto leque de setores que eles só terão de arcar com 2/5 da alíquota padrão que vier a ser fixada.

Se a prática for replicada no Senado, há boa chance de que as contas não fechem. A essência da reforma é extinguir cinco tributos, hoje cobrados de forma caótica, sobre bens e serviços, e substituí-los por uma tributação bem concebida – e viável – sobre valor adicionado, que recaia exclusivamente sobre consumo privado.

A que alíquota o consumo terá de ser taxado para que a arrecadação da tributação do valor adicionado gere a mesma receita total que os tributos que serão extintos hoje geram? Tendo contraposto tal meta de receita ao valor potencial do consumo passível de taxação, o governo vem anunciando que, caso a nova base potencial de tributação do valor adicionado possa ser integralmente taxada, a alíquota média requerida seria da ordem de 25%.

Mas, como já ficou mais do que claro na tramitação da PEC na Câmara, não é ajuizado supor que a nova base de tributação do valor adicionado – o consumo – poderá ser integralmente taxada. Mais prudente é trabalhar com a possibilidade de que, no final das contas, o “aproveitamento” dessa base potencial seja bem inferior a 100%. Nesse caso, a alíquota média requerida passaria a ser determinada pela relação entre a meta de receita e a base potencial de consumo devidamente corrigida pelo coeficiente de “aproveitamento”.

As contas são muito simples. Mas preocupantes. Quanto menor o “aproveitamento”, maior terá de ser alíquota. Disso, não há quem não saiba. O que é menos sabido é que a alíquota aumenta rapidamente, em proporções cada vez maiores, quando o aproveitamento diminui. Se somente 90% da base potencial do consumo puder ser taxada, a alíquota requerida passará a ser 27,8%. Se a base ficar limitada a 80% do potencial, a alíquota terá de ser 31,3%. No cenário impensável de que não mais que 70% da base potencial do consumo possa ser efetivamente taxada, a alíquota requerida saltará para 35,7%.

O plano inicial de deixar a discussão das alíquotas para a tramitação de uma lei complementar, em 2024, tornou-se inviável. Boa parte dessa discussão terá de ser antecipada e cuidadosamente tratada já nos próximos meses, na tramitação da PEC no Senado. Sem tal antecipação será difícil assegurar que a reforma tributária aprovada será viável.

*ECONOMISTA, DOUTOR PELA UNIVERSIDADE HARVARD, É PROFESSOR TITULAR DO DEPARTAMENTO DE ECONOMIA DA PUC-RIO

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