O Globo
De Aras a deputado do PL, passando pelo
Centrão, economia impulsiona adesismo ao governo
Se o segundo turno da eleição presidencial
fosse hoje, provavelmente o resultado não seria o eleitorado praticamente
cindido ao meio, como aconteceu em fim de outubro de 2022. É o que apontam
pesquisas diversas que mostram o aumento da popularidade de Lula e da aprovação
a seu governo.
É claro que esse tipo de conjectura é
furado, uma vez que as circunstâncias que levam a essa melhora do horizonte
para o petista dependeram justamente de fatos posteriores ao período eleitoral,
principalmente dois: a explosão do extremismo bolsonarista em 8 de janeiro e,
mais recentemente, a melhora dos indicadores econômicos.
É essa segunda variável, aliada de maneira
clara ao fato de que Jair Bolsonaro virou carta fora do baralho para a sucessão
de 2026, que impulsiona a onda atual de adesismo ao governo, que inclui do
procurador-geral da República, Augusto Aras, ao Centrão, tendo no deputado do
PL que será expulso da legenda por literalmente “fazer o L” aquele exemplo que
serve para ilustrar o espírito do tempo.
As piscadelas que Aras tem dado para o Planalto em nada diferem da maneira explícita com que ele flertou com Bolsonaro quando seu nome foi pinçado pelo ex-presidente para a primeira indicação para a PGR.
A requisição dos dados de todos os
seguidores de Bolsonaro — lista que certamente inclui diversos procuradores da
República, adversários políticos do ex-presidente, jornalistas, artistas e nada
diz sobre o alcance de suas postagens de cunho golpista — dá a medida do
vale-tudo que o atual chefe do Ministério Público resolveu adotar para se
manter no cargo.
Mesmo a narrativa de “combatente” da
Lava-Jato, que setores do petismo propagam para construir algum caminho viável
para a permanência de Aras no posto, é algo bastante tardio, quando o vento no
STF, no Congresso e até no entorno de Bolsonaro já tinha virado.
Assim como as dificuldades postas diante de
Lula para atrair partidos como o PP e o Republicanos, que não eram satélites,
mas planetas no sistema bolsonarista, são evidentes, também não é simples
encontrar uma explicação que premie Aras diante dos feitos que ele dividiu com
sua vice, Lindôra Araújo.
Basta lembrar as constantes recomendações
de arquivamento de todo e qualquer inquérito que atingisse Bolsonaro,
ministros, aliados e os filhos, sempre sob a alegação de falta de evidências.
No curso da pandemia, quando se esperava
que o Ministério Público Federal fosse ser um farol da sociedade contra o
negacionismo e uma política de Estado que atrasou vacinas, boicotou o
isolamento sanitário e gastou dinheiro público em medicamentos sabidamente ineficazes,
o que se viu foi a normalização dessas condutas, mesmo depois que a CPI da
Covid já havia feito metade do trabalho de trazer os fatos à luz do dia.
Para o governo interessa aproveitar a boa
maré de popularidade de Lula e de prognósticos mais positivos para a economia
para atrair partidos para a base aliada, mas essa aclimatação tem de ser feita
aos poucos, para que não se corra o risco de premiar aqueles que ajudaram o
vale-tudo de Bolsonaro para se reeleger, com as consequências fiscais,
ambientais e sociais que aparecem um pouco a cada dia.
A volta de Lula ao Brasil num momento que
antecede a decisão do Copom sobre juros e a votação final do arcabouço fiscal
no Congresso, além de marcar o início da reta final de campanha pela PGR, vai
colocar em evidência esse afã de “fazer o L” por parte dos que esperam trocar
de roupa para continuar no poder.
Eis uma equação delicada de resolver, para
que o governo se beneficie da maré favorável sem chancelar tudo o que foi feito
na gestão anterior e desagradar àqueles que estiveram ao lado de Lula na travessia
do deserto.
Pois é.
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