Folha de S. Paulo
Tamanho das transferências diretas de renda
é muito maior que sob Lula 1, 2 e Dilma
Lula 3 faz a
maior transferência de renda direta da história do governo federal. Dado que a
tendência de pagamento de benefícios sociais em dinheiro é de crescimento faz
um quarto de século, o recorde não soa surpreendente. Não é bem assim.
De qualquer modo, os números têm certo
interesse para especular sobre o prestígio político do presidente e sobre o
papel que o Desenrola pode
ter na percepção popular do desempenho do governo.
Considerem-se apenas benefícios como Bolsa Família, Benefício de Prestação Continuada (para idosos e pessoas com deficiência muito pobres) e abono salarial. Levam 11,8% da despesa total do governo federal e 2,16% do PIB (nos últimos 12 meses. Até o fim do ano, ainda vai ser mais). É um aumento de 76% em relação ao pico desses gastos nos governos Lula 1 e 2, que ocorreu em agosto de 2010. Ou quase 47% maior que no pico de Dilma Rousseff, em setembro de 2013.
Caso se leve em conta a despesa com
seguro-desemprego e Previdência rural
(que não é bem previdenciária, mas assistencial), a despesa com essas
transferências chega a 23% do gasto total e a 4,2% do PIB. Para quem acha
pouco, convém lembrar Previdência "urbana" e despesas com servidores
levam outros 53,4% do gasto federal total.
Mesmo com a despesa aumentada e
significativa, a situação social é horrível, basta andar na rua mesmo de
bairros ricos para perceber (embora a diminuição da pobreza deva ser grande
neste 2023). O prestígio de Lula vai bem, considerada a votação do país
dividido em 2022, mas não há animação, até porque a política está travada
também por ódio e identidades sectárias.
Antes de continuar, recorde-se que, na
média, 75% do rendimento das famílias vem do trabalho. Em termos reais, o
rendimento médio do trabalho é o mesmo de 2018 e quase nada maior que o dos
anos da Grande Recessão.
Um motivo da falta de animação, claro, é
que não se desfaz logo o desastre de uma década perdida. Além do estrago
causado pela inflação de 2021-22, em especial da comida, outro motivo de
mal-estar, mais circunstancial e recente, é o endividamento recorde e
extraordinário das famílias. A inadimplência começou
a aumentar em 2018, dos níveis já altos da Grande Depressão, explodiu na
epidemia em 2020, foi atenuada por programas sociais de emergência e disparou
em 2022 (é 21% maior agora que em janeiro de 2018, pelos dados da Serasa).
Apenas será possível ter noção do sucesso
do Desenrola lá perto de outubro. Abater dívidas em R$ 50 bilhões para 50
milhões de pessoas, como nas previsões menos imodestas do governo, não vai ser
uma revolução econômica. Mas vai abater o inferno da angústia de milhões de
famílias e reanimar o crédito de varejo (com alguma ajuda do começo da queda
das taxas de juros nos bancos). Pode ser uma marca política.
Reforma
Tributária, lei de garantias de crédito, arcabouço fiscal, por fundamentais
que sejam, são abstrações complexas, de efeito incremental, se bem-sucedidas. O
aumento recente do Bolsa Família vai ter mais efeito nos 20% mais pobres, em
boa parte já com Lula. O Desenrola pode ter sucesso de público mais amplo. Na
economia, no mais o progresso depende de emprego e inflação baixa.
E depois? O governo não tem um "Mais
Creches" —não é atribuição federal, mas a universalização de boas creches
e escolas infantis seria uma revolução social. Não apareceu ainda um plano de
ampliação e melhoria acelerada do SUS. Creche e SUS interessam a pobres, as
melhorias são incrementais, e a autoria política do progresso tende a ser de
difícil identificação. Não interessam muito ao terço mais rico ou menos pobre
do país. Mas seria um próximo grande passo de Lula 3.
O colunista espera ouvir boas notícias quando voltar de férias. Até.
Anté.
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