O Globo
As engrenagens da política monetária estão
funcionando, e o índice recua, mais aqui do que em boa parte do mundo
Quando um banco central faz a avaliação dos
riscos inflacionários para decidir a estratégia de política monetária, seu
trabalho envolve um amplo conjunto de informações. Dentre elas, as trajetórias
da inflação dos diferentes grupos de despesas que compõem a cesta do
consumidor. Aqui, também, os detalhes importam. Se, por exemplo, a desinflação
decorre de fator pontual — como o corte de tributos sobre combustíveis em 2020
ou as condições climáticas favoráveis derrubando os preços de alimentos in
natura, como agora —, a notícia não é tão boa.
A inflação de serviços é um recorte bastante analisado, por ser particularmente impactada pelas condições do mercado de trabalho, onde a política monetária tem maior importância. Os serviços não são facilmente substituídos pela oferta externa e envolvem atividades que fazem uso mais intensivo de mão de obra, o que resulta em uma inflação mais rígida — no Brasil, a indexação de contratos é agravante.
Enquanto isso, a inflação de bens é mais
sensível a fatores de curto prazo, como taxa de câmbio e preços de commodities.
A maior conexão com preços internacionais, devido à possibilidade de se
exportar ou importar os produtos, incluindo insumos, a torna mais volátil.
Esses dois grupos de despesa — serviços e
bens — não são desconectados, havendo uma convergência entre eles ao longo do
tempo — no jargão dos economistas, eles cointegram. Ambos são impactados pela
política monetária e, também, se retroalimentam. O recuo da inflação de bens
ajuda na tarefa da desinflação em serviços, e vice-versa.
O papel dos bancos centrais é criar
condições para que isso ocorra tempestivamente, contendo excessos de demanda e
ancorando expectativas inflacionárias de curto prazo (impacta mais a inflação
de bens) e de longo prazo (impacta mais a inflação de serviços).
Há um debate entre economistas sobre por
que a inflação de serviços está teimosamente elevada no mundo. Em parte,
reflete a própria demora na ação de muitos bancos centrais. Na zona do euro,
ela tem oscilado acima de 5% ao ano, patamar não visto desde os anos 1990.
Nos EUA, ela começou a ceder, mas ficou em
5,7% em junho, ante pico de 7,6% em janeiro, cifras não vistas nas últimas
décadas. Tomando o Chile — referência na América Latina na gestão da política
econômica —, a taxa está na casa de 10%, apesar de o país ter evitado excessos
fiscais na pandemia e exibir desemprego acima do padrão.
No Brasil, ela recuou para 6,2% em junho
(5,6% no IPCA-15 de julho), depois do pico de 8,9% em julho de 2022.
Sua dinâmica recente nos países guarda
semelhanças, ficando artificialmente baixa durante o isolamento social e
acelerando a partir do segundo semestre de 2021. Considerando a maior
sensibilidade da inflação de serviços às condições internas dos países, essa
similaridade indica que fatores em comum impactam diretamente a todos.
Em que pesem os estímulos fiscais na
pandemia e os choques globais pressionando custos, é possível que outro fator
tenha influência: a demanda por serviços impulsionada adicionalmente no
pós-pandemia.
Há novos costumes, como os serviços
associados à tecnologia digital, e há aparentemente demanda reprimida em alguns
segmentos. Isso em meio à dificuldade de alguns negócios de se reestruturarem
depois do desmonte na pandemia, especialmente aqueles que dependem de mão de
obra especializada ou treinada.
O resultado é a inflação relativamente mais
elevada no setor — há uma mudança de preços relativos —, cuja acomodação
dependerá da capacidade de reação da oferta de serviços. Aqui o BC pode pouco.
Depende muito mais de políticas públicas
que favoreçam o empreendedorismo e a formação de mão de obra.
Vale citar que, no IPCA, itens associados à
volta da normalidade (pacote turístico, hospedagem, autoescola, consertos em
geral) ou ao mundo digital (transporte por aplicativo, serviços de streaming,
TV por assinatura) são os que apresentam maiores remarcações, bastante acima da
inflação. Enquanto isso, o custo do empregado doméstico, hoje menos demandado,
pouco se alterou.
O mercado de trabalho mostra acomodação,
com moderação de ajustes salariais, e a pressão de custos decorrente da
inflação de bens perde força, com o repasse a serviços. Enfim, as engrenagens
da política monetária estão funcionando, e a inflação de serviços recua, mais
aqui do que em boa parte do mundo.
Ainda bem.
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