O Globo
Em que pesem as concessões e os ajustes,
perder a janela de oportunidade para avançar nesse tema seria um equívoco
Apesar do anseio generalizado pela
simplificação e eliminação da cumulatividade de impostos — exceto parcela dos
profissionais que ganham com a confusão, nos setores privado e público —, o
tema é mais desafiador que a Reforma da Previdência. Há um conjunto maior de
players que se julgam prejudicados e têm capacidade de organização e pressão no
Congresso, de governadores a segmentos do setor produtivo.
São muitas décadas de convivência com um sistema que produziu desigualdades incompreensíveis entre bens e serviços consumidos, mas que moldou decisões de investimento das empresas. Agora muitos temem as mudanças. A grande desconfiança na ação estatal — um mal frequente em nações menos avançadas — está no cerne dos temores.
Para piorar, nota-se um certo
desconhecimento do setor privado sobre a natureza do imposto sobre o valor
agregado (IVA), que gera crédito tributário sobre insumos de todo tipo. Ao
eliminar plenamente a cumulatividade de impostos, o IVA ajuda a conter o
aumento da carga tributária de setores supostamente mais impactados pela
reforma.
O fato é que alguma elevação da tributação
em alguns bens e serviços é decisão acertada para promover a isonomia
tributária. Um exemplo citado de distorção atual é a tributação na aquisição de
um carro diferir da do seu aluguel.
A resposta da política aos muitos temores,
e ao risco de judicialização, foi manter alguns regimes especiais. É o caso do
Simples e da Zona Franca de Manaus, apesar da pouca entrega em termos de
crescimento econômico face aos custos para o contribuinte.
Além disso, propõe-se o tratamento
diferenciado a outros tantos — como atividades primárias, artísticas, saúde e
educação —, o que implica alíquotas mais elevadas aos demais e injustiças
sociais, já que o benefício acaba chegando aos mais ricos também.
Tem sido comum a crítica de que o governo
falha ao não apresentar estimativas do impacto da reforma em cada setor.
Ocorre, porém, que o sistema atual é tão complexo — diferentes alíquotas, bases
de cálculo e regras de dedução —, que impede cálculos precisos e confiáveis,
ainda mais por englobar as três esferas de governo.
Em um mesmo setor, a carga de tributos pode
variar bastante de empresa para empresa, a depender da sua localização e do mix
de bens produzidos.
Critica-se também a definição das alíquotas
ficar para uma lei complementar. Equivocado seria definir na emenda à
Constituição. Considerando as incertezas em relação ao efeito final da reforma
e o compromisso de não elevar a carga tributária, melhor mesmo que calibragens
de alíquotas sejam de fácil execução, o que é mais difícil em reformas
constitucionais.
Um elemento que ressurgiu é a resistência
de alguns governadores, apesar da concordância quanto à necessidade de
substituição do ICMS, um imposto ultrapassado e de reforma inviável. A fonte da
discórdia pode ser resumida na desconfiança em relação à União, havendo receio
de uma suposta perda de autonomia arrecadatória.
Como resposta à queixa dos governos locais,
optou-se pelo IVA dual (um da União, a CBS, e outro dos demais entes, o IBS), e
não pelo IVA único nacional. Uma oportunidade perdida de maior simplificação.
Foram também criados dois fundos, que
pesarão nos cofres públicos: o de desenvolvimento regional, para combater
desigualdades entre os estados; e o de compensação tributária, para ressarcir
contribuintes que perderão com o fim da guerra fiscal — uma concessão irregular
de benefícios tributários feita por governos locais para atrair empresas para
seu território.
O principal ponto atual de disputa é o
Conselho Federativo, a ser criado para gerir o IBS, enfrentando a desconfiança
de governos locais quanto ao repasse dos recursos. Ironicamente, os próprios
estados falham muito na devolução de créditos tributários.
Para o especialista Isaías Coelho, um
algoritmo de distribuição poderia realizar, de forma ágil, a tarefa de entregar
os saldos líquidos aos estados de destino, sem o risco de ingerências.
A desconfiança está na ordem do dia,
entremeada por estratégias políticas de governadores da oposição. Esse quadro
dificulta o enfrentamento a grupos organizados.
Em que pesem as concessões feitas e os
necessários ajustes na redação da proposta, conforme apontado por
especialistas, perder a janela de oportunidade para avançar nesse tema seria um
equívoco.
Lendo e tentando entender essa barafunda,rs.
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