quarta-feira, 5 de julho de 2023

Zeina Latif - Reforma Tributária no divã

O Globo

Em que pesem as concessões e os ajustes, perder a janela de oportunidade para avançar nesse tema seria um equívoco

Apesar do anseio generalizado pela simplificação e eliminação da cumulatividade de impostos — exceto parcela dos profissionais que ganham com a confusão, nos setores privado e público —, o tema é mais desafiador que a Reforma da Previdência. Há um conjunto maior de players que se julgam prejudicados e têm capacidade de organização e pressão no Congresso, de governadores a segmentos do setor produtivo.

São muitas décadas de convivência com um sistema que produziu desigualdades incompreensíveis entre bens e serviços consumidos, mas que moldou decisões de investimento das empresas. Agora muitos temem as mudanças. A grande desconfiança na ação estatal — um mal frequente em nações menos avançadas — está no cerne dos temores.

Para piorar, nota-se um certo desconhecimento do setor privado sobre a natureza do imposto sobre o valor agregado (IVA), que gera crédito tributário sobre insumos de todo tipo. Ao eliminar plenamente a cumulatividade de impostos, o IVA ajuda a conter o aumento da carga tributária de setores supostamente mais impactados pela reforma.

O fato é que alguma elevação da tributação em alguns bens e serviços é decisão acertada para promover a isonomia tributária. Um exemplo citado de distorção atual é a tributação na aquisição de um carro diferir da do seu aluguel.

A resposta da política aos muitos temores, e ao risco de judicialização, foi manter alguns regimes especiais. É o caso do Simples e da Zona Franca de Manaus, apesar da pouca entrega em termos de crescimento econômico face aos custos para o contribuinte.

Além disso, propõe-se o tratamento diferenciado a outros tantos — como atividades primárias, artísticas, saúde e educação —, o que implica alíquotas mais elevadas aos demais e injustiças sociais, já que o benefício acaba chegando aos mais ricos também.

Tem sido comum a crítica de que o governo falha ao não apresentar estimativas do impacto da reforma em cada setor. Ocorre, porém, que o sistema atual é tão complexo — diferentes alíquotas, bases de cálculo e regras de dedução —, que impede cálculos precisos e confiáveis, ainda mais por englobar as três esferas de governo.

Em um mesmo setor, a carga de tributos pode variar bastante de empresa para empresa, a depender da sua localização e do mix de bens produzidos.

Critica-se também a definição das alíquotas ficar para uma lei complementar. Equivocado seria definir na emenda à Constituição. Considerando as incertezas em relação ao efeito final da reforma e o compromisso de não elevar a carga tributária, melhor mesmo que calibragens de alíquotas sejam de fácil execução, o que é mais difícil em reformas constitucionais.

Um elemento que ressurgiu é a resistência de alguns governadores, apesar da concordância quanto à necessidade de substituição do ICMS, um imposto ultrapassado e de reforma inviável. A fonte da discórdia pode ser resumida na desconfiança em relação à União, havendo receio de uma suposta perda de autonomia arrecadatória.

Como resposta à queixa dos governos locais, optou-se pelo IVA dual (um da União, a CBS, e outro dos demais entes, o IBS), e não pelo IVA único nacional. Uma oportunidade perdida de maior simplificação.

Foram também criados dois fundos, que pesarão nos cofres públicos: o de desenvolvimento regional, para combater desigualdades entre os estados; e o de compensação tributária, para ressarcir contribuintes que perderão com o fim da guerra fiscal — uma concessão irregular de benefícios tributários feita por governos locais para atrair empresas para seu território.

O principal ponto atual de disputa é o Conselho Federativo, a ser criado para gerir o IBS, enfrentando a desconfiança de governos locais quanto ao repasse dos recursos. Ironicamente, os próprios estados falham muito na devolução de créditos tributários.

Para o especialista Isaías Coelho, um algoritmo de distribuição poderia realizar, de forma ágil, a tarefa de entregar os saldos líquidos aos estados de destino, sem o risco de ingerências.

A desconfiança está na ordem do dia, entremeada por estratégias políticas de governadores da oposição. Esse quadro dificulta o enfrentamento a grupos organizados.

Em que pesem as concessões feitas e os necessários ajustes na redação da proposta, conforme apontado por especialistas, perder a janela de oportunidade para avançar nesse tema seria um equívoco.

 

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