quinta-feira, 10 de agosto de 2023

Assis Moreira - Brics: o G-77 do B?

Valor Econômico

Brasil vincula ampliação a Conselho de Segurança da ONU e entrada no banco do Brics

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva surpreendeu no começo do mês ao apoiar a expansão do Brics, o grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, atropelando o que a diplomacia brasileira vinha defendendo até agora.

O tema está no centro da agenda da cúpula dos líderes do Brics marcada para 22 e 24 deste mês em Joanesburgo (África do Sul). O Brasil se colocava contra a ampliação do número de países, para preservar o peso global e regional próprio dos sócios atuais. Além disso, a expansão tende a distorcer e dar outra dinâmica à agenda do grupo, inclusive sobre temas regionais que tornará uma convergência de interesses ainda mais difícil.

O país que força pela ampliação do Brics é a China. Pequim busca pelo grupo uma coalizão de países em torno do polo chinês para contrapor-se à coesão do G7 (EUA, Alemanha, Japão, França, Reino Unido, Canadá, Itália e União Europeia), que tenta frear as ambições mundiais de Pequim e diz alvejar regimes autoritários.

Ou seja, a China tenta mobilizar contra o bloco ocidental em torno de agendas anti G7 - e isso não é do interesse do Brasil nem da Índia. Ambos dão ênfase a esforços comuns pela reforma de instituições internacionais que reconheça o peso dos emergentes, por exemplo.

Até agora, o Brasil reconhecia que um Brics mais amplo e político começaria a virar uma espécie de Grupo dos 77 (a coalizão heteróclita de nações em desenvolvimento que na verdade tem 134 membros) e passaria a ser efetiva massa de manobra da China no confronto com os EUA. Essa percepção apareceu também recentemente em artigo do jornal “Financial Times” sobre “os riscos de os membros do Brics se tornarem satélites da China”.

Dependendo de mudanças no Brics, gradualmente o Brasil tende a diminuir seu engajamento nesse grupo para manter uma postura de independência.

Lula, no entanto, em declaração a correspondentes estrangeiros apoiou o aumento do Brics e defendeu mesmo a entrada de Arabia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Argentina no grupo. Isso alimentou duas interpretações, de imediato.

A primeira é de que o presidente brasileiro declarou apoio à expansão do grupo porque ela é mesmo inevitável, pois a China continua pressionando, e os outros já capitularam, deixando o Brasil sozinho.

A segunda interpretação é de que Lula sempre foi a favor da ampliação do Brics, para entrada até da Venezuela, para desespero mesmo de alguns membros de seu governo.

A realidade pode estar entre as duas. Como a ampliação é uma questão de tempo, o Brasil cobra clareza sobre o que é o Brics e como funcionará. Hoje, cada país faz seu show quando tem a presidência rotativa. A China fez um encontro “Brics+”, incluindo alguns países convidados. A Índia fez algo parecido. A África do Sul agora convidou 69 líderes, incluindo os da África inteira, para a cúpula daqui a duas semanas. Ninguém sabe o que a Rússia, isolada globalmente, fará no ano que vem, quando tiver a presidência do grupo.

Nesse cenário, na visão de setores em Brasília, a ampliação do Brics precisa ser baseada em certos critérios e princípios. Significa que, com a China buscando colocar água no feijão, países interessados em entrar no grupo teriam que “colocar azeitona na empada do Brasil”.

Primeiro, um dos requisitos seria apoiar a expansão do Conselho de Segurança, o órgão das Nações Unidas que pode decidir sobre sanções internacionais e uso de força militar no mundo. Essa expansão é central numa reforma da governança, e é objetivo estratégico do Brasil e da Índia. Mas o país mais reacionário no Conselho de Segurança atual sobre o tema é a China, que justamente busca ampliar o Brics. Pequim vê risco de a reforma empoderar outros países, como o Brasil, e ampliar a capacidade deles ter posições independentes, que podem coincidir ou não com a China.

Além disso, a Argentina, país que Lula quer colocar no Brics, defende a expansão somente de membros não permanentes do Conselho de Segurança, para frear a influência do Brasil. Buenos Aires vai mudar de posição e apoiar a demanda brasileira de expansão das duas categorias do CS - membros permanente e não permanentes?

Outro requisito pode ser exigir que antes o candidato se torne membro do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB). O Brics tem interesse em reforçar esse que é seu principal ativo. Para o governo Lula, a entrada de países como Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos, com volumosos recursos para o banco presidido por Dilma Rousseff, é importante para ampliar financiamento do desenvolvimento sustentável, integração etc. Os atuais sócios querem em todo o caso manter o controle do banco, pouco importa o número de novos aderentes à instituição.

O terceiro elemento é facilitar a entrada no grupo de países com os quais seus atuais sócios já cooperam no G20, como a própria Arábia Saudita, a Indonésia e a Argentina. Não está claro se a Indonésia quer ou vai entrar, mas a porteira estaria aberta.

Um sucesso para o Brasil na cúpula de Joanesburgo passa por um pacote que contemple esses elementos. Mas o jogo está sendo jogado e está tudo em aberto. Pode ter tanto um “big bang” na expansão do Brics, com entrada de vários países como membros e outros como parceiros. Como pode ter a incorporação de algumas nações agora como membros e a discussão como parceiros (com participação limitada) ficar para mais à frente.

Se os líderes aprovarem critérios e princípios, a expectativa é que tenha um edital para indicar formalmente o processo de adesão ao Brics. A Nigéria, a maior economia da África, não pediu para entrar. Como vai fazer isso? Como os novos sócios vão participar dos grupos que já existem no Brics sobre diferentes temas? Na discussão sobre uso de moeda nacional no comércio entre os membros do grupo, participarão todos? Como a Rússia vai lidar com tudo isso?

O fato, para Rubens Barbosa, presidente do Instituto de Reações Internacionais e Comércio Exterior (Irice), é que se Lula aceitar a ampliação do Brics, seu governo sofrerá grande desgaste interna e externamente. As decisões no grupo são tomadas por consenso. Mas Lula já disse que “não sou eu que vou impedir” o aumento do grupo.

 

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