terça-feira, 15 de agosto de 2023

Aylê-Salassié Filgueiras Quintão* - É desse mato que deve sair coelho?

Desafios,  projetos e sonhos   fazem parte da cesta de promessas  que o  governo  está oferecendo para manter estável a governabilidade durante o atual mandado (2003-2027). São gastos da ordem de 1,7 trilhão  de reais para os próximos quatro anos. Mas, não se fala explicitamente em investimentos - novas obras e iniciativas -  já que essa terceira versão petista do PAC- Programa de Ação Concentrada anunciada, teatralmente, no Rio de Janeiro,   começa com retomada das 8.600 obras paralisadas há vários anos, segundo o TCU, embora, a maioria, já tenham sido inauguradas no passado. 

O total   que dá margem a essas projeções de gastos públicos,  corresponde à soma de R$ 370 bilhões  do Orçamento da União ; mais R$ 343 bilhões  dos cofres  das empresas estatais;  mais R$ 362 bilhões de linhas de financiamentos bancários ; e, ainda,  R$ 612 bilhões da iniciativa empresarial com concessões com o governo.

Começa-se, contraditoriamente,  com a promessa da volta do Estado empresarial, indutor da iniciativa privada, para a realização de investimentos comuns , modelo que, na China é liderado por um grupo de empreendedores privados  das chamadas  "empresas campeãs" . No Brasil, o modelo é  forjado no espaço do Programa de Aceleração do Crescimento . Tudo acompanhado da promessa de que neste governo " não se vai tolerar a má gestão" e "nem a austeridade fiscal". Mas também não vai se embarcar na premissa de que o Governo é incompetente. A afirmação tem  sentido  flexível porque os executivos públicos são, em geral, políticos, cujos cargos  pertencem aos partidos,  e não a gestores propriamente  habilitados nas universidades, na administração pública ou na iniciativa privada. 

A velha tecnocracia perdeu seu espaço para as corporações de classe e seus segmentos.  O PAC será executado pela Casa Civil, em cuja chefia está Rui Costa, economista, porém mais político e sindicalista, com  o encargo de coordenar as políticas públicas no País. Essa bandeira não vais para o Ministério do Planejamento e Orçamento, chefiado pela senadora Simone Tebet, uma  potencial concorrente,  o que  sinaliza para um acompanhamento técnico relativamente frágil inclusive do Tribunal de Contas. Os ministérios serão apêndices. 

Falar em  projetos de investimento é sonhar em voz alta.  Como nos PACS anteriores, a chave dos programas do Governo  petista voltará a ser o BNDES - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - a Petrobrás precisa ser rearrumada  -, agregado , sim, de uma nova alavancagem :  a Amazônia. A região é vista  como a plataforma para captação de recursos internacionais. Quem cobrar do Brasil a defesa do bioma amazônico para proteger o  planeta precisa pagar por isso. E não é pouco. Biden ofereceu R$ 50 milhões e teve de aumentar para R$ 2 bilhões.

A tese é antiga, mas a instabilidade política brasileira nunca conseguiu    assegurar um fluxo estável de recursos estrangeiros  - nem nacionais -  para dar sustentação da questão ambiental, muito menos para à região amazônica, hoje um dos principais objetos de desejo dos defensores da proteção da Terra contra as mudanças climáticas, agora entendida como prioritára    para a sobrevivência da humanidade, ou do modelo de mundo desenvolvido.

Pelo que se vê, o segredo dos investimentos  brasileiros estará na administração do  Fundo Nacional das Mudanças Climáticas , criado, em 2009, para  financiar  projetos  destinados a minimizar as emissões de gases   de efeito estufa - que  elevam a temperatura na terra -  e  a adaptação das empresas às novas regras ambientais. O Fundo vai receber neste mês de agosto um aporte (doações estrangeiras)  da ordem de R$ 680 milhões com essa finalidade. Ajudará a dar um impulso  da ordem de 21 % nos financiamentos do BNDES acima dos  investimentos feitos em igual período no ano passado.

 O agente financeiro dos recursos do Fundo do Clima será o BNDES, que reúne hoje, sim, uma equipe de economistas experientes, liderados por Aloísio Mercadante, um dos fundadores e coordenadores das campanhas do partido do Governo . Mercadante é doutor em economia, já chefiou três diferentes ministérios, e foi líder no Senado Federal e ocupou vários cargos de consultor econômico em diferentes instâncias públicas e privadas.
   
 A Amazônia será, portanto, a maior beneficiada pelo Fundo. Segundo  o presidente do Banco, a carteira de projetos da instituição  vai ajudar a alavancar o  novo PAC. Já existem 129 projetos com potencial para mobilizar R$ 247 bilhões em recursos públicos e  privados, beneficiando 59  nas áreas  ambientais; e outros 34   nas área de logística em transportes, inclusive a inovação tecnológica, essa mesmo que desemprega milhares de trabalhadores da base, e que vai se responsabilizar por ocupar, na Bahia, com chineses, o lugar da fabricante norte-americana Ford, que chega com a proposta de fabricação de carros elétricos. Dez dos  projetos são das áreas  áreas social, educação e saúde. Enfim, admitiu Mercadante  o  Fundo do Clima como  o motor da nova economia brasileira. Serão emitidos títulos , com o nome de "green bonds" , cujos recursos  destinados exclusivamente a projetos sustentáveis , na importa de que área econômica.  
 
Com a realização da Conferência do Clima (COP 30) em Belém, no ano de 2025, o governo brasileiro terá tempo e álibi para sair por aí vendendo "título verdes", créditos de absorção carbono pelo floresta amazônica, comercializados em todo o mundo,  para financiar projetos voltados para a proteção do bioma tropical amazônico. Governadores  do Norte e Nordeste estão  agitados . Os do Sul e do Sudeste também vem propondo formar uma aliança entre si, iniciativa que parece pouco simpática, ao restabelecer a ideia da tese, do "nós e eles" usada, em campanha, pelo atual Presidente .  Inaugura-se uma trilha delicada.

Na reunião do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), ocorrida há dez dias, em Belém, nem todos os presidentes da República presentes  concordaram em adotar  uma política ambiental comum, embora fosse anunciado que o BNDES destinaria recursos para isso.   As reservas de gás da Bolívia estão em áreas da Amazônia. o Brasil explora combustíveis fósseis na região. No mesmo caso estão a Venezuela e a Guina Francesa.  Daí que não se conseguiu  no documento final  a definição, via PAC,  de uma política comum para a região. Vamos ver que rumos essas coisas vão tomar.

* Jornalista e professor

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