quarta-feira, 9 de agosto de 2023

Bruno Boghossian - Os beneficiários do golpismo

Folha de S. Paulo

Virada de mesa manteria no poder Bolsonaro e seus aliados, mas isso deve ser só coincidência

Anderson Torres respirava golpismo. Como ministro da Justiça, participou da live de 2021 em que Jair Bolsonaro lançou suspeitas falsas sobre as urnas. Como conselheiro, frequentou o bunker instalado no Alvorada após a derrota na eleição e guardou um documento elaborado para virar a mesa. Como secretário de Segurança, acobertou a ameaça de invasão da praça dos Três Poderes.

A atuação diligente de Torres no bolsonarismo transformou seu depoimento na CPI do 8 de janeiro numa exibição de cinismo. O ex-ministro descreveu os ataques como um episódio imprevisto, tratou como maluquice algumas ideias que circulavam em seu próprio grupo político e tentou transferir responsabilidades para o campo adversário.

Bolsonaro fabricou por anos o combustível para uma revolta contra o resultado da eleição. Críticos e opositores levaram o risco a sério, assim como a turma em frente aos quartéis (além de grupos lá dentro). Mas Torres reproduz uma linha de defesa fantástica, em que os únicos céticos e inocentes seriam justamente os beneficiários de um golpe.

O ex-ministro não é capaz de esconder o papel operacional claro que teve naquele processo. Na live de 2021, Torres emprestou verniz técnico às investidas de Bolsonaro, levando para a mesa informações da Polícia Federal. Também recaem sobre ele suspeitas sobre as blitze nas estradas do Nordeste no dia da votação e a guarda da minuta do golpe.

Torres tentou convencer a CPI de que "não havia indícios" de atos graves às vésperas do 8 de janeiro. Ele direcionou a culpa para outros órgãos, ainda que seu gabinete na Secretaria de Segurança do Distrito Federal tenha recebido no dia 6 um alerta que falava em "prática de atos de violência" e "tomada de poder".

Os bolsonaristas insistem no discurso de que o golpismo foi um caso de ignição espontânea e que, na verdade, eles se tornaram vítimas do 8 de janeiro. Uma virada de mesa manteria no poder Bolsonaro e seus aliados políticos e militares, mas isso deve ser só uma coincidência.

 

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