quinta-feira, 24 de agosto de 2023

Bruno Carazza - Aliança com Centrão condiciona agenda social de Lula

Valor Econômico

Projetos e votações até o momento indicam Lula 3 menos progressista do que dois mandatos anteriores

Aprovado o arcabouço fiscal, é iminente o anúncio da reforma ministerial de Lula, com a entrada definitiva do governo de dois dos três principais partidos do Centrão: o PP de Arthur Lira e o Republicanos de Marcos Pereira.

Com a incorporação das duas legendas, Lula amealhará o apoio formal de 14 partidos, responsáveis por 374 parlamentares: PT (68), União Brasil (59), PP (49), MDB e PSD (43 cada), Republicanos (41), PDT (18), PSB (15), Psol (13), PcdoB e Avante (7 cada), PV (6), Solidariedade (4) e Rede (1).

Trata-se de uma base de 374 deputados (72,9% das cadeiras do plenário), suficiente para aprovar qualquer medida legislativa na Câmara com folga.

Na minha coluna de segunda-feira (21), mostrei como o governo Lula, mesmo antes da adesão de PP e Republicanos, tem sido bem-sucedido na aprovação de sua agenda no Congresso.

Num levantamento de 155 votações realizadas no plenário e nas comissões da Câmara desde o início da legislatura, as propostas defendidas pelo governo receberam um apoio de 68% dos parlamentares. Isso permitiu passar medidas importantes, como a ampliação do Bolsa Família, a reformulação dos programas Mais Médicos e Minha Casa, Minha Vida, a reforma tributária na Câmara e, ontem (22), o novo arcabouço fiscal.

O poder de atração do governo foi tão forte que 8,8% dos votos a favor do desejado pelo Palácio do Planalto vieram do PL, o partido do ex-presidente Jair Bolsonaro.

O embarque dos dois principais partidos do Centrão ao governo, bem como a simpatia de parlamentares vinculados a siglas de oposição, não significa, porém, que Lula tem uma avenida desimpedida para aprovar sua agenda de governo.

Tomados isoladamente, os partidos de esquerda e centro-esquerda elegeram em 2022 a menor bancada na Câmara dos Deputados desde 1998. Lula, portanto, depende dos partidos de centro-direita e do Centrão para governar. E isso condiciona significativamente os projetos que o presidente petista tem conduzido no Legislativo.

As derrotas sofridas no primeiro semestre emitem um sinal claro de que o apoio parlamentar não é irrestrito. Apesar do amplo apoio que vem conseguindo na maioria das votações, o governo foi vencido em projetos emblemáticos, como o marco temporal para demarcação de terras indígenas e propostas relativas à Mata Atlântica (PL 364/2019) e à proteção de vegetação nativa (MP 1150/2022). Também foi forçado a retroceder no decreto que alterava o novo marco legal do saneamento. Na área social, não conseguiu impedir a criação da CPI do Movimento dos Sem-Terra.

Esses exemplos demonstram que Lula enfrenta fortes resistências dos parlamentares no que se refere a questões ambientais, sociais e em tentativas de revogar medidas econômicas liberalizantes dos governos Temer e Bolsonaro. Logo, insistir nesses temas pode ser arriscado.

A resistência de um Congresso conservador, contudo, tem impactado até mesmo a capacidade de iniciativa de Lula em promover medidas legislativas de caráter progressista.

Analisando as 30 medidas provisórias editadas pelo presidente em seu terceiro mandato, assumem posição dominante as normas de natureza econômica (12 MPs) e administrativas (6). Assuntos de natureza social foram objeto de apenas 7 medidas provisórias.

No que se refere às demais propostas, uma evidência da possível falta de espírito reformista de Lula nesta terceira passagem pelo Palácio do Planalto está no fato de que até agora ele não remeteu nenhuma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) ao Congresso.

Quanto ao teor dos 19 projetos de lei ordinária e 3 complementar, novamente a agenda econômica predomina. As 13 iniciativas sob a alçada do ministro Fernando Haddad tratam não apenas de temas urgentes como o arcabouço fiscal ou a reformulação do Carf, mas principalmente de regulamentação do mercado de capitais e do sistema financeiro.

A ênfase nesse segmento da economia é maior do que na área social, sob essa ótica. Dos escassos 6 projetos de lei apresentados pelo governo até agora, a maioria tem valor simbólico (como igualdade salarial entre gêneros e a instituição do Dia Marielle Franco de enfrentamento à violência política) ou de impacto reduzido, como a lei que amplia direitos à maternidade de beneficiárias do Bolsa-Atleta ou o Programa de Aquisição de Alimentos.

De significativo mesmo apenas o programa de escola em tempo integral, aprovado recentemente, ainda que seja uma política que cabe aos Estados e municípios, restando ao governo federal o apoio – necessário, sem dúvidas, e muito bem-vindo.

Esses dados evidenciam que, mesmo com o apoio do Centrão e à formação de uma ampla base no Congresso, não há muito espaço para uma agenda progressista neste governo Lula 3, levando-se em conta o perfil bastante conservador da maioria dos parlamentares atuais.

 

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