Valor Econômico
À medida em que evidências se acumulam,
futuro do bolsonarismo entra em discussão
Para muitos, é apenas questão de tempo. À
medida em que as investigações avançam, parece inevitável que Jair Bolsonaro
seja condenado e preso. E os efeitos desse eventual desfecho judicial sobre o
futuro do bolsonarismo agitam o mundo político.
São muitas as frentes que podem levar o
ex-presidente para trás das grades. À parte todas as evidências que vêm sendo
coletadas pela Polícia Federal, depois de quatro anos de agressões sistemáticas
e principalmente após o 8 de janeiro, Bolsonaro não conta com a simpatia da
maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal.
A questão que se coloca é qual será o futuro do bolsonarismo após a prisão de seu principal líder. Muito embora as decisões judiciais, no caso de julgamentos sobre processos criminais e de corrupção, não devam ser embasadas por um juízo das suas consequências políticas ou sociais, a condenação de um líder popular, que recebeu 58,2 milhões de votos nas últimas eleições, gera toda a sorte de especulações.
A comparação inevitável é com Lula.
Sentenciado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro pelo então juiz Sergio
Moro no âmbito da Operação Lava-Jato a nove anos e meio de prisão pela compra
do triplex no Guarujá, o petista teve a decisão confirmada pelo Tribunal
Regional Federal da 4ª Região em abril de 2018.
Lula se entregou à Polícia Federal em 7 de
abril de 2018 e foi levado para cumprir pena na superintendência do órgão em
Curitiba, onde permaneceu por 580 dias, até o STF mudar seu entendimento sobre
a possibilidade de decretação de prisão antes do trânsito em julgado.
A partir de 8 de novembro de 2019, quando
deixou a carceragem da sede da PF no Paraná, Lula iniciou seu voo de fênix rumo
a um terceiro mandato presidencial e sua reabilitação política. Para muitos, a
longa estadia na prisão serviu para mobilizar seus eleitores e reaglutinar a
militância petista, fundamentais para a reviravolta mais importante de sua
trajetória iniciada nos sindicatos do ABC paulista.
Muitos apostam que um desfecho similar para
Bolsonaro terá os mesmos efeitos eleitorais. Notícias dão conta de que mesmo
apoiadores próximos a Lula admitem, em off, temores de que uma condenação do
ex-presidente pelo STF, se não for muito bem embasada, pode insuflar o
sentimento de injustiça e perseguição judicial, levando a um fortalecimento do
bolsonarismo.
Na minha visão, porém, há três fatores que
diferenciam as consequências políticas da prisão das duas mais importantes
figuras eleitorais surgidas no Brasil nas últimas décadas.
Em que pese todo o desgaste sofrido pela
Operação Lava-Jato e a gravidade das evidências contra a gestão do PT na
presidência, Lula manteve seu patrimônio eleitoral em nível elevado mesmo
durante a prisão. Prova disso é que aparecia na liderança das pesquisas
eleitorais no início da campanha de 2018 e conseguiu transferir boa parte de
seu potencial de votos para o relativamente desconhecido Fernando Haddad,
candidato escolhido para substituí-lo na chapa daquele ano.
Muito dessa força política decorre da
história política de Lula. Personagem central das disputas desde a
redemocratização, quando foi derrotado por três vezes antes de ser eleito e
reeleito presidente, o petista foi ainda fiador da vitória de Dilma Rousseff
nos dois pleitos seguintes. Com seu nome presente direta ou implicitamente nas
urnas por oito eleições presidenciais seguidas, Lula conseguiu mobilizar seu
eleitor antes, durante e depois de sua prisão.
Também contou para isso o fato de que o PT
é um dos partidos mais bem estruturados do país, com uma rede capilarizada de
diretórios em todos os municípios e conexões com movimentos sociais. Embora não
figure como líder em número de afiliados, a sigla desponta em todas as
pesquisas como o mais amado (e odiado) entre os eleitores.
Por fim, não havia nenhuma liderança em seu
partido ou mesmo na esquerda que pudesse ocupar o espaço criado com a sua
condenação. Ao contrário: todo esse campo se reagrupou em torno do “Lula Livre”
para tentar superar o estrago provocado pela Lava-Jato.
Sob essa lógica, os prognósticos para o
futuro pós-prisão de Bolsonaro são muito mais incertos.
Apesar de ter se revelado um fenômeno de
popularidade a partir de 2014, Bolsonaro não conta com a história política de
seu maior inimigo. Além disso, por mais que o sentimento antipetista seja forte
no país, o ex-capitão foi incapaz de organizar o bolsonarismo numa agremiação
própria, tornando-se dependente da máquina partidária e dos recursos
financeiros administrados por uma raposa política nada confiável como Valdemar
Costa Neto.
Para completar, a sustentabilidade da força
eleitoral de Bolsonaro, na hipótese de uma prisão, está ameaçada pela
emergência de candidatos naturais a nova liderança da direita, como o
governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas.
Com a imagem desgastada, sem estrutura
partidária e com novas forças surgindo para ocupar o vácuo deixado pela sua
condenação, Bolsonaro dificilmente será uma nova fênix da política brasileira.
*Bruno Carazza é professor associado da Fundação Dom Cabral e autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras)”.
Tomara.
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