O Globo
Daqui para a frente são só notícias amargas
para o capitão que o Brasil manteve por quatro intermináveis anos no poder
Lá pelos idos de 1940, a mineradora
sul-africana De Beers Consolidated lançou aquela que é considerada a campanha
publicitária mais bem-sucedida do século XX:
— A diamond is forever.
Seja pela pegada sentimental (como prova de
amor), seja por sugerir valor monetário eterno, a campanha em 23 línguas faz
sucesso até hoje. E a pedra, sem nunca perder o brilho, afaga corações e
bolsos. É na política que ela causa estragos, por não ser ali seu lugar. Foi
numa manhã de outubro de 1979 que o presidente da França, Valéry Giscard
d’Estaing, no poder havia cinco anos e com o horizonte acenando para uma futura
reeleição, viu-se fulminado pela manchete do satírico parisiense Le Canard
Enchaîné:
— Quando Giscard embolsava os diamantes de
Bokassa.
Logo abaixo, o fac-símile da ordem de entrega de um mimo faiscante de 30 quilates, emitida em 1973 pelo déspota da República Centro-Africana, Jean-Bedel Bokassa. Destinatário: Giscard, então ministro das Finanças. A ordem estipulava inclusive o valor do regalo: 1 milhão de francos, algo como US$ 4,4 milhões em dinheiro de hoje. Foi uma bomba de que ele nunca mais se recuperaria. Perdeu a pose e a reeleição para o socialista François Mitterrand.
A bomba que desde a manhã de sexta-feira
choca o país, atordoa Brasília e humilha as Forças Armadas deixa no chinelo o
caso Giscard. Desencadeadas logo cedo por equipes da Polícia Federal (PF) com
autorização do Supremo Tribunal Federal (leia-se, ministro Alexandre de
Moraes), no âmbito do inquérito sobre milícias digitais, foram
realizadas variadas ações de busca e apreensão. Entre outros, em endereços
associados a um general do Exército — da reserva, porém com quatro estrelas na
farda e prestígio na Força. Quem achou extrema a ação contra o general Mauro
Cesar Lourena Cid, pai do ex-ajudante de ordens de Jair
Bolsonaro e tenente-coronel Mauro Cid,
atualmente preso, precisa debruçar-se sobre o relatório das investigações que
embasam a decisão do ministro. Excepcionais pelo escopo, detalhamento e
gravidade, as 105 páginas do despacho de Moraes estarrecem.
Daí o acerto da decisão, “diante de
inúmeras publicações jornalísticas com informações incompletas da decisão
proferida em 10/8/2023”, de quebrar o sigilo de operação tão cabeluda. Seria um
dano irreparável manter fora da vista da sociedade a investigação que
classifica como “organização criminosa” uma penca de aliados civis e militares
do ex-presidente da República, suspeitos de envolvimento em pelo menos “cinco
eixos principais” de atuação criminosa. Quanto maior a transparência na
investigação, menor a chance de “narrativas alternativas” conseguirem alterar a
realidade dos fatos apurados.
Por ora, o foco principal está na
mirabolante ocultação e tentativa ilegal de venda, por parte dos envolvidos, de
objetos presenteados a Bolsonaro na Presidência. São caudalosas as evidências
de participação na trama de bolsonaristas raiz, como o general Mauro Cid, seu
filho, o segundo-tenente da ativa Osmar Crivelatti (a serviço do chefe até
hoje) ou o homem de todos os rolos Frederick
Wassef, que faz as vezes de advogado da família Bolsonaro.
Coadjuvantes com indícios de se verem encrencados também não faltam, assim como
cenas, situações e diálogos absurdamente farsescos, não fossem eles alarmantes
pelo grau de delinquência. Relógios cravejados de diamantes, joias e rosários
islâmicos idem viajaram como clandestinos no avião presidencial para Orlando.
Pelo relato substantivo das investigações, o esquema milionário de subtrair da
República o que a ela pertence começou, no mínimo, já em meados de 2022.
Acelerou com afoiteza e risco pouco antes e nas semanas que se seguiram à
derrota eleitoral do chefe. Segundo mensagens eletrônicas recuperadas pela
investigação, o surrupio do público para o privado incluiu até mesmo o filho
Zero Quatro do presidente, Jair Renan. O caçulinha, depreende-se de e-mails dos
auxiliares de Bolsonaro, se interessou por alguns itens e, com o beneplácito do
pai, serviu-se no acervo da Documentação Histórica em julho do ano passado.
Daqui para a frente são só notícias amargas
para o capitão que o Brasil manteve por quatro intermináveis anos no poder.
Além de inelegível, Jair Bolsonaro provavelmente será chamado a depor sobre o
imbróglio das joias; é possível que logo mais seu passaporte seja retido;
provável que venha a ser indiciado, denunciado, julgado, quiçá condenado — não
só pelo rastro de ladroagem deixado. Talvez ainda não saiba, mas sua casa já
caiu.
Maior o coqueiro,maior é o tombo.
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