O Globo
Hoje, à luz dos múltiplos desdobramentos
das operações em curso pela PF, o capitão-ex-presidente já parece saber que sua
casa caiu
Domingo passado, neste mesmo espaço, o
texto sobre o intrigante périplo das joias presenteadas ao Estado brasileiro, e
dele subtraídas por Jair
Bolsonaro, terminava assim: “Daqui para a frente são só notícias
amargas para o capitão... é possível que logo mais seu passaporte seja retido;
provável que venha a ser indiciado, denunciado, julgado, quiçá condenado — não
só pelo rastro de ladroagem deixado. Talvez ainda não saiba, mas sua casa já
caiu”.
Hoje, à luz dos múltiplos desdobramentos das operações em curso pela Polícia Federal (PF), o capitão-ex-presidente já parece saber. E os demais envolvidos também. Com todos juntos e embolados no inquérito sobre milícias digitais e atos golpistas do 8 de Janeiro, a investigação sob a regência de Alexandre de Moraes dá até a impressão de já conhecer o final do enredo. Apenas não atropela. Deixa decantar cada novo pacote de buscas e apreensões, para só então avançar ao patamar seguinte. E é bom que assim seja. Qualquer estrelismo, precipitação nas acusações ou atropelo à lei e às garantias constitucionais seria simplesmente desastroso.
A semana não deu sossego. Em embate (ou
conluio) travado por meio de entrevistas à imprensa, os advogados de Bolsonaro
e do seu malfadado ajudante de ordens, tenente-coronel da ativa Mauro Cid,
dedicaram-se a nada esclarecer. Por ora, a disputa de versões ainda gira em
torno das joias manuseadas pelos respectivos clientes. Mas o campo a ser
defendido é vasto. Ainda não houve tempo para rastrear o estranho aparecimento
de R$ 17 milhões em depósitos Pix no cofrinho do ex-presidente.
Na CPI dos Ataques Golpistas, o depoimento
fluvial do hacker Walter Delgatti sugou todas as atenções, tamanho o
detalhamento de revelações por ele feitas. Com a tranquilidade de um
delinquente profissional que se encontra preso, Delgatti discorreu com fartura
sobre ordens recebidas de Bolsonaro e coligados para, assim disse ele, cometer
uma variedade de ilícitos. A tarefa mais espetaculosa teria lhe custado seis
meses de labuta: programar uma urna eletrônica fake que demonstrasse ser
possível falsear o resultado do pleito de 2022. Ao digitar o número 22 (de
Bolsonaro), a urna registraria o 13, de Lula. A engenhoca seria apresentada à
nação na festa do 7 de Setembro e “comprovaria” a inconfiabilidade das urnas
eletrônicas a menos de um mês do pleito. O plano só não foi concretizado por
ter vazado antes da exibição.
Triste asterisco da história republicana,
Bolsonaro mentiu tanto e enxovalhou de tal forma o cargo antes, durante e
depois de seus quatro distópicos anos no poder, que a palavra do ex-presidente,
aposta à de um hacker de ficha policial corrida, acaba merecendo grau de
suspeição maior.
Por mais exótica que seja a destrambelhada
traficância de joias presidenciais, e a revelação das liaisons dangereuses de
militares e do chefe da nação com o hacker-bomba, foi o estamento da Polícia
Militar do Distrito Federal que acordou mais sobressaltado na sexta-feira. Em
operação deflagrada com base em investigação conjunta da PF e da
Procuradoria-Geral da República, sete oficiais da corporação foram presos
preventivamente sob acusação de envolvimento nos ataques antidemocráticos.
Todos graúdos: o atual comandante-geral da corporação, coronel Klepter
Gonçalves, seu antecessor, coronel Fábio Vieira, três outros coronéis, um
tenente e um major. Não é todo dia que cai nas redes da Justiça a cúpula
inteira de uma PM do porte e importância da que atua no centro do poder da
República.
As trocas de mensagens e fake news entre os
integrantes de corporação, liberadas pela Justiça, assombram pelo tom
explicitamente conspiratório — e chulo. Um dos áudios compartilhados prega que
a “ordem” seja restabelecida para impedir a confirmação da eleição de Lula à
Presidência. O “afastamento” de Alexandre de Moraes é tido como prioritário.
Não apenas Xandão, mas também “esses vagabundo tudinho e ladrão, safado, dessa
quadrilha... não admito que o Brasil vai deixar um vagabundo, marginal,
criminoso e bandido como o Lula voltar ao poder”. Em 28 de outubro, portanto
dois dias antes do segundo turno, foi a vez de o atual comandante-geral se
dirigir ao coronel Fábio Vieira, que à época chefiava a corporação, nos
seguintes termos:
— Rapaz, vocês têm que entender o seguinte:
o Bolsonaro, ele está preparado com o Exército, com as Forças... as Forças
Armadas, aí, para fazer a mesma coisa que aconteceu em 64. O povo vai pras
ruas, que ninguém vai aceitar Lula ser... ganhar a Presidência, porque não tem
sentido, o povo vai pedir a intervenção e, aí, meu amigo, eles vão nos livrar
do comunismo novamente.
Deu ruim. O povo brasileiro não foi para as
ruas. O povo não pediu intervenção militar. O Brasil votou. E, por isso mesmo,
quer poder acompanhar sem medo as investigações em curso.
Graças a Deus!
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