O Estado de S. Paulo
Cinco décadas de flerte com a hiperinflação
deixaram como legado um sistema financeiro destruído
Nas próximas semanas, irei compartilhar
algumas observações acerca da Argentina. A intenção é familiarizar o leitor com
o contexto em que a nação vizinha irá às urnas em outubro. Hoje, abordarei a
saga inflacionária, tema a ser seguido, nas próximas entregas, pelo histórico
do PIB, o fracasso de sucessivos governos e a análise das perspectivas.
Antes do Plano Real, o Brasil passou muitos anos com alta inflação, mas com longos períodos de certa estabilidade da taxa ou com aceleração gradual. O que caracterizou o caso argentino, porém, foram os surtos de inflação explosiva. O momento inicial desse drama foi o “Rodrigazo” de 1975, em nome do ministro da Economia da época, Celestino Rodrigo. A inflação em 12 meses tinha sido de 12% em maio de 1974 e escalou a nada menos que 335% no final de 1975. Com uma década e meia de inflação altíssima, a taxa mensal em janeiro de 1989 foi de 9% e, em julho daquele ano, chegou a inacreditáveis 197% (ao mês!). Em 12 meses, a taxa alcançou estonteantes 20.263% em março de 1990 (sim, leitor, você leu corretamente: mais de 20 mil por cento...). Posteriormente, após uma década, na saída da convertibilidade da paridade de um a um do peso versus dólar, a taxa mensal evoluiu de uma deflação em dezembro de 2001 para mais de 10% em abril de 2002.
Recentemente, no governo Mauricio Macri, a
taxa em 12 meses, que foi de 25% em 2017, acelerou na gestão do ex-presidente,
chegando a 54% em 2019 no final do mandato, evoluindo para mais de 110% na
gestão atual. Por que isso é importante para ser lembrado nos dias de hoje?
Porque explica uma característica da Argentina: o elevado grau de dolarização
física da economia. Cinco décadas de flerte com a hiperinflação deixaram como
legado um sistema financeiro destruído. No Brasil, mesmo nos anos pré-1994, era
possível poupar na moeda local e conservar o valor real do patrimônio. Quando a
inflação é 4% num mês e 40% três meses depois, porém, isso é impossível: não há
indexação que aguente. O resultado é que, se aqui as pessoas comuns com
capacidade de poupar aplicam seus recursos em algum fundo, lá os argentinos
poupam em dólares – as famosas “verdinhas”.
A vida, nessas circunstâncias, se torna
terrivelmente estressante. “A Argentina me exaure” é uma frase que escutei
muitas vezes, de amigos e parentes que moram lá. Derrotar a inflação, portanto,
será a medida do sucesso ou fracasso do próximo governo. Continuaremos daqui a
duas semanas.
*Economista
Fábio Giambiazi* é um economista explêndido!
ResponderExcluir*Eu acho que Giambiazi argentino naturaluzado brasileiro(acho!).
▪Vou acompanhar essa reflexão prometida por ele.