quinta-feira, 3 de agosto de 2023

Felipe Salto* - O risco de um IVA com maior alíquota do mundo

O Estado de S. Paulo

Quanto mais exceções, maior será a alíquota somada do IBS e da CBS para gerar 11,8% do PIB (12,5% menos 0,7% de IPI). O mesmo raciocínio vale para a sonegação

A Câmara dos Deputados aprovou a PEC n.º 45/2019 antes do recesso parlamentar. Agora, o Senado poderá, como fez no caso do novo arcabouço fiscal, apresentar emendas. Outro caminho é a alteração mais expressiva por meio da chamada emenda aglutinativa. Vou abordar, neste artigo, um dos oito problemas que apontei na coluna da quinzena passada: as exceções e seus impactos na alíquota do Imposto sobre Valor Adicionado (IVA).

O objetivo da reforma é substituir cinco tributos sobre bens e serviços por um imposto que se aproxime de um IVA não cumulativo e no destino (consumo final). Para viabilizar a aprovação na Câmara, optou-se pelo IVA dual: a CBS, em substituição à Confins e ao PIS; e o IBS, em substituição ao ICMS e ao ISS. Já o IPI será substituído pelo imposto seletivo, incidente sobre bens prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente.

Noves fora o festival de letras, a descrição acima é a essência da reforma que se pretende empreender desde há muito. Entretanto, o maior risco está no rumo que a proposta tomou. É preciso destacar que os cinco tributos a serem substituídos arrecadam 12,5% do PIB (média de 2017 a 2021), algo como R$ 1 trilhão. O diabo mora nos detalhes e, no caso em tela, dá as caras logo no caput de cada artigo da PEC.

Um dos muitos desafios é conter os grupos de interesse que pressionam por tratamento diferenciado. Quanto mais exceções, maior será a alíquota somada do IBS e da CBS para gerar 11,8% do PIB (12,5% menos 0,7% de IPI). O mesmo raciocínio vale para a sonegação.

Assumamos que a base de cálculo somada dos dois IVAs seja de cerca de 62% do PIB, isto é, o tamanho do consumo das famílias, de acordo com o IBGE. Não é essa exatamente a base, mas a aproximação é boa. Se não houvesse exceções ou sonegação, a alíquota somada do IBS e da CBS seria de 19% (11,8% dividido por 62%), de modo direto.

Mas há vazamentos da base, com sonegação e exceções. Simulemos. Se a base corresponder a 80% dos 62% do PIB, conforme nossos cálculos, a alíquota já subiria a 23,6%. Se houver também a intenção de compensar a receita do IPI, a alíquota saltaria a 25%. Com perda de 40% da base, a alíquota avançaria para 33,5% (com IPI). Uma alíquota de 25% já seria uma das maiores do planeta. Isso para os pobres mortais não contemplados em exceções e quetais.

O texto da Câmara é o monstrengo para o qual chamei a atenção aqui, no Estadão: alíquotas reduzidas (artigo 9.º da emenda constitucional), regimes específicos (artigo 156-A, § 5.º, inciso V) e regimes favorecidos (artigo 146, §§ 2.º e 3.º e artigo 92-B do ADCT). Qual a alíquota que resulta de tudo isso? Ninguém diz. O senador Eduardo Braga cobra as contas e o Ministério da Fazenda diz que dará informações durante a tramitação no Senado. Convido o corajoso leitor a ver os dispositivos citados. Conheceremos a vítima em cada nota fiscal, ao pagar mais caro pelo bem ou serviço.

Isso sem falar nos demais problemas do texto, os quais retomo para detalhar nos próximos artigos. Começando pelo artigo 20, que vai de encontro ao espírito da proposta: autoriza cada Estado a criar contribuição incidente sobre produtos primários ou semielaborados.

Outro problema são os prazos de transição. O processo inicia-se só em 2029, com redução da alíquota para 90% do porcentual previsto na legislação, compensada por alíquota do IBS capaz de compensar a receita perdida. Em 2032, último ano de existência do ICMS e do ISS, as respectivas alíquotas ainda corresponderão a 60% das previstas na legislação. Isto é, não tem destino, não tem não cumulatividade e não tem simplificação ao menos até 2032. Ao contrário, complica-se o sistema ainda mais até lá.

Observem que a alíquota do IBS já começará em 0,1%, em 2026, três anos antes da transição, para financiar os custos do Conselho Federativo. Ademais, o Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR) receberá aportes crescentes da União, a partir de 2029. Em 2032, com alíquotas ainda elevadas de ISS e ICMS, o aporte estará em R$ 32 bilhões.

Esse fundo foi introduzido como contrapartida da União para que os Estados aceitassem a reforma. Na primeira versão do texto já com o fundo, a transição do ICMS e do ISS era mais alinhada com os aportes, mas, no texto aprovado, há um considerável descasamento, o que incentivará a postergação do prazo para encerrar esses tributos. Bastaria promulgar uma mudança constitucional em 2032. Para não falar no Fundo de Compensação de Incentivos Fiscais.

Coroando a lambança, a União compromete-se a compensar os benefícios de ICMS que se enquadrarem nos requisitos estabelecidos; sem restrição! Os benefícios já ultrapassam os R$ 200 bilhões neste momento. Apertem os cintos, contribuintes e consumidores. Alguém pagará a conta.

Por sua vez, o Conselho Federativo será uma entidade para regulamentar, administrar, partilhar e fiscalizar o IBS. Vai, ainda, dirimir conflitos federativos, vejam vocês. Qualquer Estado será menos importante que esta aberração constitucional.

O ministro Fernando Haddad pediu que o Senado “limasse” o texto da Câmara. Nada garante um resultado final com efeito econômico positivo de longo prazo. Eis o maior desafio da Casa da Federação em décadas.

*ECONOMISTA-CHEFE E SÓCIO DA WARREN RENA, FOI SECRETÁRIO DA FAZENDA E PLANEJAMENTO DE SÃO PAULO

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