sábado, 26 de agosto de 2023

Ivan Alves Filho* - Trabalho, propriedade e socialização

Socializar pela sociedade e não necessariamente pelo Estado. Afinal, o Estado não possui o monopólio da noção de público. É pela relação que os homens estabelecem entre si na esfera produtiva que a sociedade de fato se modifica, uma vez que tenha reunido as condições materiais para isso. Marx chegou a dizer, por exemplo, que a luta dos trabalhadores tinha por objetivo restabelecer “a propriedade individual fundada sobre as conquistas mesmo da era capitalista”, vendo assim o trabalhador como um detentor pessoal das suas condições de trabalho. Não havia outra forma dele ser dono do seu próprio trabalho.

Aqui, uma observação, ainda que longa. Os poetas, cronistas e literatos em geral possuem uma percepção muito aguçada da realidade. Acontece que a sensibilidade sempre saí na frente: é o primeiro estágio do conhecimento. Isso dito, em uma crônica que publicou em 1954, no Diário Carioca, Paulo Mendes Campos relata que, durante o período que residiu em São João del-Rei, viajava constantemente de Maria Fumaça para Tiradentes e outras cidades dos arredores. Quando o trem parava em Tiradentes, os passageiros davam um jeito de descer, mesmo aqueles que iriam prosseguir viagem. Por uma razão: na plataforma da estação havia uma senhorinha que, segundo o cronista mineiro, “confeccionava as melhores empadinhas de galinha do mundo inteiro”. Mas a senhorinha em questão reusava as ofertas para vender a uma pessoa só as empadinhas do seu tabuleiro. Alguns se ofereciam para pagar em dobro, mas ela se mantinha irredutível, sob o argumento de que “todo mundo tem direito, uai!”. Trabalhando por sua própria conta, ela possuía uma perfeita noção da qualidade do seu trabalho. Mais: o dinheiro era um meio e não um fim. Ainda que atuando no mercado, ela não se submetia às suas pressões. Isto é, buscava controlar seu processo produtivo, impondo limites à força do dinheiro. Esse o desafio: transformar o trabalho em um espaço soberano.

Fazer a ultrapassagem do capitalismo, integrando interesse pessoal e bem comum. Mas nada de ilusões: o homem trabalha em conjunto, não tanto porque queira – mas porque de fato precisa. O trabalho não é apenas uma atividade – é também uma relação social.

*Ivan Alves Filho, historiador.

Um comentário:

  1. ■O capitalismo de Marx é diferente do capitalismo dos marxistas, dos quais Marx disse um dia não ser um deles. Ao negar que ele mesmo fosse um marxista, Marx fez duas coisas ao mesmo tempo:: i)Negou o personalismo ; e ii)Negou o ideologismo.

    Marx era inspirado pelo iluminismo, como o liberalismo era (é) inspirado pelo iluminismo. Assim, Marx possuia o mesmo entendimento que tem o liberalismo do que significa ser humanista e progressista, e que é um entendimento bem diferente do entendimento dos marxistas ; estes, seguem um entendimento muito mais leninista e nada marxista do que é o humano e a sociedade humana.
    ▪Para Marx, assim como para um liberal, o progressismo é a busca da autonomia do ser humano no objetivo de realizar a sua humanidade.

    Esse entendimento de Marx sobre o homem social, que é o mesmo entendimento que tem um liberal e um tanto diferente do entendimento dos "marxistas", considera muito de sociologia nos conceitos econômicos, por entender economia e capital como relações sociais, e supõe a individuação do animal humano.

    Penso que com isso fica afastada a ideia primária de "coletivo", que homogeneizaria a sociedade humana, anulando a individuação e, assim, empobrecendo quase à nulidade a ideia do que são as relações sociais.

    Não entender o que sejam as relações sociais, ou fazer um uso ideológico do que elas sejam, leva ao equívoco de defender a coletivização da sociedade, o que resultaria em idealizar um arranjo humano metafisicamente, sem considerar sua natureza individual, sem considerar a inerente individuação de cada um e negando assim o efeito concreto que realiza a soma das experiências das pessoas nas suas interações diárias e que resulta no ser social e politico que surge de modo quase natural, por ser produto da cultura humana em sociedade e não do anseio ideológico e artificial de moldar uma "coletividade humana" idealizada por alguns que se pensam ideólogos inventores de sociedades e de sistemas.

    Eu entendo o que Marx faz em "O Capital", sua obra da maturidade, um elogio ao Capitalismo. E um desejo, quase certeza, de que o Capitalismo amadureceria para dar lugar a um novo Modo de Produção que expressasse relações sociais mais adequadas ao humano.

    Quando falava "ditadura", Marx não pensava em opressão:: Marx era um democrata*
    *Sem relativismos ideologicamente convenientes, por favor!).

    ■A ideia de "coletivo" conduz ao mesmo equívoco que a ideia de "individualismo", que é a ideologização do humano, visto como coletivo pelos marxistas de Lênin, e visto como autosuficientes pela hierarquização e "cientificismo" de August Comte.

    O entendimento do que é o mundo do trabalho e do capital sob o capitalismo, para Marx, seria o mundo da economia, o mundo das mercadorias, o mundo do capital, vale dizer assim:: o mundo das relações sociais. Essa definição pressupõe o indivíduo e o apreço por permitir a sua individuação.

    Nesse entendimento, o sujeito revolucionário é aquele que revoluciona a forma de produzir e reproduzir a realidade, ou seja, revolucionário é o que revoluciona as forças produtivas, levando a ganhos de produtividade que liberam o ser humano para avançar na realização de sua humanidade.

    Vou destacar:: Revolucionário, portanto, não é um "militante" de um partido politico e muito menos é um ser "iluminado" que artificialmente inventa sociedades humanas e Sistemas sociais e que é cobsiderado ou que se considera "ideólogo".

    Penso que se vivesse hoje Marx seria um liberal. E seria dos melhores e maiores liberais. Mas como bom liberal Marx estaria torcendo para que ninguém nem nenhuma força política atrasasse o correr da história com artificialidades político-ideológicas, impedindo que o Capitalismo avance no desenvolvimento das forças produtivas até a um ponto de ruptura, quando se transformará, como resultado do seu pleno amadurecimento, em um novo modo de produção, com modernas relações sociais e um avanço maior na solução das contradições nas relações sociais, com menor impecilho à realização da humanidade de cada um.

    ResponderExcluir