O Globo
Em todos os setores da sociedade há
argentinos desiludidos com um país que há 80 anos vive aos trancos e barrancos
Se o candidato de extrema direita Javier Milei for
eleito presidente da Argentina,
o país — que em dezembro completará 40 anos consecutivos de democracia, fato
inédito desde o golpe militar de 6 de setembro de 1930, contra o presidente
Hipólito Yrigoyen, da tradicional União Cívica Radical — poderá abrir um
capítulo inesperado em sua História recente. Muito se fala da proposta de
dolarização do candidato do jovem partido A Liberdade Avança, e poucos sabem
que sua vice, a advogada Victoria Villarruel, defende uma “revisão da década de
70” e considera as Mães e Avós da Praça de Maio, acima de qualquer coisa, mães
de terroristas.
À medida que passam os dias, o fenômeno Milei cresce, e é preciso entender profundamente o que ele representa, porque sua eventual vitória terá impacto dentro e fora da Argentina. O economista e suas ideias penetraram em todos os setores sociais do país — ricos, classe média e pobres. Essencialmente, porque em todos esses setores há argentinos desiludidos com um país que há 80 anos vive aos trancos e barrancos, sem encontrar saída sustentável para sucessivas crises econômicas. São pessoas em situação precária, marginalizadas do mercado de trabalho formal, mas também profissionais bem remunerados que vivem em casas luxuosas de grandes condomínios da província de Buenos Aires. Para todos, a Argentina precisa de uma alternativa radical, de alguém que chute o balde, que faça o país “explodir” (expressão literal, que ouvi da boca de muitos argentinos), para ressurgir das cinzas e voltar a ser a nação rica e próspera do início do século passado.
Nas primárias de 13 de agosto, mais de 7
milhões de argentinos votaram em Milei e Villarruel. Alguns nem sabem como
funcionaria uma dolarização, muitos são ex-eleitores do peronismo e do
kirchnerismo. O cansaço é tão grande que essas pessoas foram cativadas por um
candidato antissistema sem estrutura política, sem bancada expressiva no
Parlamento e que, por esses e outros motivos, poderá arrastar a Argentina para
uma crise de governabilidade — como tantas que o país já viveu — que se somaria
à crise econômica gravíssima que já enfrenta.
Em paralelo, pela primeira vez em 40 anos,
a Argentina, num eventual governo de Milei, voltará a discutir o que aconteceu
no país na década de 1970 e princípio dos anos 1980. Villarruel —que, em caso
de vitória, será encarregada de comandar uma pasta que acumulará temas de
Defesa e Segurança —já avisou que “a História precisa ser bem contada... todos sabemos
que não existem 30 mil desaparecidos, foi um número inventado”. E assegurou,
ainda, que “faltam muitos terroristas nas prisões”. Em matéria de segurança, a
candidata a vice, que tem um poder de oratória notável, também fez anúncios:
— O delinquente deve entender que, se está
armado, sua vida corre perigo. Tenha armas reais ou falsas, ele está exposto.
Com o pinochetismo saindo do armário no
Chile e Nayib Bukele, de El Salvador, como presidente mais popular da América
Latina, uma Argentina de Javier Milei e Victoria Villarruel não terá
dificuldade em encontrar parceiros políticos na região e no mundo. Os vínculos
com o bolsonarismo, trumpismo e partidos de extrema direita como o Vox espanhol
são fortes.
Mas os eleitores de Milei não estão
pensando em nada disso. Muitos votaram no kirchnerismo no passado, apoiando os
governos de Néstor e Cristina
Kirchner, que promoveram a condenação e prisão de centenas de
militares que atuaram na última ditadura. Esses argentinos não estão
preocupados com revisões do passado, nem com políticas de linha dura que em
outros países acarretam, segundo denunciam ONGs internacionais, violações dos
direitos humanos. São pessoas fartas de tudo e de todos, que chegaram a um
nível de esgotamento emocional tão profundo que fazem apenas uma avaliação do
dia a dia, dos perrengues da economia, da inflação sufocante e decidiram
acreditar que Milei, como ele mesmo diz, sabe como descascar o abacaxi
argentino.
O que vem por aí, se o candidato da extrema
direita se impuser nas urnas, vai muito além da dolarização e de um programa
que buscará a estabilidade econômica tão almejada pela sociedade argentina.
*Janaína Figueiredo é repórter especial do GLOBO e autora de “¿Qué pasa, Argentina? — História, política, manias e paixões dos nossos hermanos”, que será lançado em setembro
E o Brasil vem na mesma batida da Argentina, desabado que foi no início dos anos oitenta, de lá para cá só teve um pequeno respiro de esperança, entre 1993e2006.
ResponderExcluirDe 2007 para cá, com as asneiras cloroquínica e ozônicas praticadas na economia -com outro intervalinho, entre metade de 2016e2018, de alguma lucidezinha em especifico em uma ou outra medida na economia-- o Brasil retomou seu destino trágico que tem muita chance de repetir a Argentina ou situação ainda pior, se os populismos não forem contidos a tempo.
Mas os males que os populismos já causaram e continuam causando, males morais e técnicos graves, estes ja não podem mais ser mitigados.
Eu tenho medo.
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