Folha de S. Paulo
'Gostinho do proibido' culturalmente está
neste momento com conservadores
Você já ouviu a nova sensação do country
americano, Oliver Anthony? Até poucas semanas atrás ele era desconhecido. Eis
que sua
canção "Rich Men North of Richmond" viralizou nas redes.
A música é um manifesto doído de um
eu-lírico que representa o trabalhador comum, esquecido e espremido entre as
elites governantes —que querem o controle total da sociedade— e os imprestáveis
que sugam do Estado de bem-estar.
Anthony se diz contra os dois partidos, mas está bem claro que a mensagem de suas músicas ressoa muito mais com um lado do espectro. A referência à suposta pedofilia das elites governantes não deixa dúvida.
O hit vem menos de um mês depois de outro
sucesso da contracultura, o country-rock "Try That in a Small Town"
("Tente fazer isso numa cidade pequena"), de Jason Aldean. O título é
um desafio: condutas criminosas ou rebeldes, comuns em cidades grandes, seriam
violentamente combatidas por cidadãos patrióticos armados nas cidades pequenas.
Acha que pode roubar carros ou queimar a
bandeira americana impunemente? Então tente fazer isso numa cidade pequena para
ver o que te acontece. No clipe oficial a mensagem é ainda mais explícita: vemos
cenas não só de criminalidade, mas também de protestos do Black
Lives Matter.
Indo para o audiovisual, o mesmo fenômeno:
entre os recordes de Barbie e Oppenheimer,
a grande surpresa
do ano é o filme "Sound of Freedom", sobre um agente federal que
combate o tráfico de crianças e pedofilia (de novo o mesmo tema…).
Espectadores do filme —que estão lá quase
sempre pela mensagem política que seu ato representa— alegam que há uma
sabotagem intencional do sistema para tirá-lo
de circulação. Reproduzem relatos do ar condicionado sendo desligado
durante a projeção.
Embora os relatos de perseguição sejam
fantasiosos, o fato é que há sim uma má vontade, um desdém, das vozes culturais
dominantes com esse tipo de conteúdo, e essa atitude ajuda a obra provocadora
vinda de baixo. Algo saiu do controle.
Já no campo progressista, vemos o fenômeno
diametralmente oposto. As grandes marcas, estúdios e gravadoras adotam uma
agenda de inclusão e diversidade mais agressiva, mas colhem resultados pífios.
Há uma lacuna entre certas bandeiras e o grande público.
O filme
"Elementos", animação 3D da Pixar, é o primeiro da empresa ter um
personagem não-binário, que é referido com pronome neutro. O filme,
contudo, foi
um fracasso na estreia e, mesmo com desempenho bom ao longo das
semanas seguintes, não tem um resultado espetacular.
O live-action
de Pequena Sereia, com a Ariel negra, também decepcionou. A presença de
valores progressistas não é o bastante para levar as multidões a consumir a
obra.
Outro exemplo: a campanha
da cerveja Bud Light com uma mulher trans —Dylan Mulvaney. A campanha
foi um tiro no pé e é reconhecida como uma das causas da perda de liderança da
cerveja no mercado.
Um lado tem o dinheiro, o know-how técnico
e os meios de distribuição. O outro tem baixo orçamento e depende do boca a
boca. No entanto, só um deles consegue transformar sua agenda em sucesso
financeiro e de público. É um fato: hoje, a direita sabe ser mais subversiva
culturalmente do que a esquerda. O gostinho do proibido está com ela.
No Brasil, essa divisão já é realidade no
mercado de livros faz alguns anos, e temos a
produtora Brasil Paralelo que faz documentários com esse espírito de
"direita subversiva". Que eu saiba, no entanto, não temos ainda
filmes de ficção e músicas no filão. Ainda.
Associar a esquerda ao tráfico de crianças e pedofilia é um despropósito sem fim.
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