Carta Capital
Apesar do notório fracasso, eles querem manter o roteiro da dupla Temer-Bolsonaro
Inspirou-me, ainda uma vez, o editorial
da Folha de S.Paulo intitulado
“A Vanguarda do Atraso”. A peça opinativa condena a mobilização do BNDES em
direção ao financiamento das empresas brasileiras, porventura empenhadas em
empreendimentos no exterior.
Com argumentos do mesmo jaez, esses
Vanguardeiros do Avanço contribuíram para a montagem do sólido arranjo
conservador que avassalou o País na Era Temer-Bolsonaro. Em sua caminhada
produziram o “encolhimento” da economia brasileira. Destruíram empresas,
amofinaram a indústria, tudo em nome da modernidade e da globalização. Os
resultados todos sabem: o desemprego, a deterioração das grandes cidades, a
violência, que não para de aumentar.
As mudanças na composição da riqueza explicam a combinação entre as políticas econômicas de austeridade e a sanha das privatizações de bens públicos, sobretudo empresas estratégicas para o crescimento, tais como a Eletrobras. O privatismo à brasileira é irmão gêmeo do rentismo que exercita seus propósitos ao extrair valor de um ativo já existente e gerador de renda monopolista, criado com dinheiro público. A onda de privatizações obedece à lógica patrimonialista e rentista do capital financeiro, em seu furor de aquisições de ativos já existentes. Nada tem a ver com a qualidade dos serviços prestados, mesmo porque os exemplos são péssimos. Em geral, no mundo, a qualidade dos serviços prestados pelas empresas privatizadas declinou, acompanhando o aumento de tarifas e a deterioração dos trabalhos de manutenção.
A cumeeira da obra foi, sem dúvida,
construída com o material produzido nas linhas de desmontagem do liberalismo
das cavernas, que impôs juros de agiota, imobilizou as políticas fiscal e
monetária, sufocando a capacidade de crescimento. A isto os profetas da
turbulência permanente, os porta-vozes do “mercadismo”, chamaram de ajuste. A despeito
do notório fracasso, os Vanguardeiros do Avanço pedem a manutenção do
roteiro. Mas quem é esperto já sabe: tocar a economia no diapasão da
dupla Temer-Bolsonaro é comprar a receita para o desastre.
Daí a satanização do governo Lula e de suas
propostas de política econômica. Diante do despotismo e da cegueira, inerentes
aos mercados da riqueza, o problema não é mais o de arriscar o mandato ao
tratar de questões econômicas, mas sim o de ganhar, mas, na prática, não levar.
É preciso ter claro que a tendência
marcante do nosso tempo é a crescente separação entre o poder e a política: o
verdadeiro poder, capaz de determinar a extensão das opções práticas, flui e,
graças à sua mobilidade cada vez menos restringida, tornou-se virtualmente
global, ou melhor, extraterritorial.
É o caso da famosa “mão invisível”
celebrada pelos liberais e encarnada no capital financeiro. Os critérios da
ação política racional, democrática e libertadora, não se aplicam à agenda criada
pelas forças desses mercados em que circula e é avaliada a riqueza mobiliária.
Tais forças não são racionais nem irracionais, simplesmente cumprem os
desígnios de sua natureza, dilacerada entre a “ganância infecciosa” e o colapso
da histamina.
Diante dessa configuração do poder, a
esfera pública tornou-se prisioneira nos palácios de governantes reféns da
opacidade da informação gerada nas grandes empresas de mídia. Para a vida
privada sobrou o narcisismo e o voyeurismo dos reality shows.
Esses processos visíveis e simultâneos de
crescente inacessibilidade do “público” e de espetacularização do “privado”
decorrem da sociabilidade peculiar imposta pelo movimento “invisível” da mão
que guia o curso dos mercados, em sua alternância de euforia e timidez.
“Não há alternativa”, proclamam os adeptos
do neoliberalismo. Sobre esse pano de fundo Margaret Thatcher foi capaz de
anunciar a morte da sociedade e o triunfo do indivíduo.
É duvidoso que o indivíduo projetado pelo
Iluminismo tenha, de fato, triunfado. Triunfaram, sim, a insegurança e a
impotência. Tal sensação de insegurança é o resultado da invasão, em todas as
esferas da vida, das normas da mercantilização e da concorrência, como
critérios dominantes da integração e do reconhecimento social. Nos países em
que os sistemas de proteção contra os frequentes “acidentes” ou falhas do
mercado são parciais ou estão em franca regressão, a insegurança assume formas
ameaçadoras para o convívio social. •
*Economista
Publicado na edição n° 1271 de CartaCapital,
em 09 de agosto de 2023.
Lendo e tentando aprender.
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirAÍ NÃO DÁ, GILVAN:
ResponderExcluir'Publicado na edição n° 1271 de CartaCapital, em 09 de agosto de 2023', NÃO MESMO.
'Publicado na edição n° 1271 de CartaCapital, em 03 de agosto de 2023', ISTO SIM.
09 DE AGOSTO SÓ VIRÁ LA PRO MEIO DA SEMANA QUE VEM, NÉ?