sábado, 5 de agosto de 2023

Luiz Gonzaga Belluzzo* -Vanguardeiros do avanço

Carta Capital

Apesar do notório fracasso, eles querem manter o roteiro da dupla Temer-Bolsonaro 

Inspirou-me, ainda uma vez, o editorial da Folha de S.Paulo intitulado “A Vanguarda do Atraso”. A peça opinativa condena a mobilização do BNDES em direção ao financiamento das empresas brasileiras, porventura empenhadas em empreendimentos no exterior.

Com argumentos do mesmo jaez, esses Vanguardeiros do Avanço contribuíram para a montagem do sólido arranjo conservador que avassalou o País na Era Temer-Bolsonaro. Em sua caminhada produziram o “encolhimento” da economia brasileira. Destruíram empresas, amofinaram a indústria, tudo em nome da modernidade e da globalização. Os resultados todos sabem: o desemprego, a deterioração das grandes cidades, a violência, que não para de aumentar.

As mudanças na composição da riqueza explicam a combinação entre as políticas econômicas de austeridade e a sanha das privatizações de bens públicos, sobretudo empresas estratégicas para o crescimento, tais como a Eletrobras. O privatismo à brasileira é irmão gêmeo do rentismo que exercita seus propósitos ao extrair valor de um ativo já existente e gerador de renda monopolista, criado com dinheiro público. A onda de privatizações obedece à lógica patrimonialista e rentista do capital financeiro, em seu furor de aquisições de ativos já existentes. Nada tem a ver com a qualidade dos serviços prestados, mesmo porque os exemplos são péssimos. Em geral, no mundo, a qualidade dos serviços prestados pelas empresas privatizadas declinou, acompanhando o aumento de tarifas e a deterioração dos trabalhos de manutenção.

A cumeeira da obra foi, sem dúvida, construída com o material produzido nas linhas de desmontagem do liberalismo das cavernas, que impôs juros de agiota, imobilizou as políticas fiscal e monetária, sufocando a capacidade de crescimento. A isto os profetas da turbulência permanente, os porta-vozes do “mercadismo”, chamaram de ajuste. A despeito do notório fracasso, os Vanguardeiros do Avanço pedem a manutenção do roteiro.  Mas quem é esperto já sabe: tocar a economia no diapasão da dupla Temer-Bolsonaro é comprar a receita para o desastre.

Daí a satanização do governo Lula e de suas propostas de política econômica. Diante do despotismo e da cegueira, inerentes aos mercados da riqueza, o problema não é mais o de arriscar o mandato ao tratar de questões econômicas, mas sim o de ganhar, mas, na prática, não levar.

É preciso ter claro que a tendência marcante do nosso tempo é a crescente separação entre o poder e a política: o verdadeiro poder, capaz de determinar a extensão das opções práticas, flui e, graças à sua mobilidade cada vez menos restringida, tornou-se virtualmente global, ou melhor, extraterritorial.

É o caso da famosa “mão invisível” celebrada pelos liberais e encarnada no capital financeiro. Os critérios da ação política racional, democrática e libertadora, não se aplicam à agenda criada pelas forças desses mercados em que circula e é avaliada a riqueza mobiliária. Tais forças não são racionais nem irracionais, simplesmente cumprem os desígnios de sua natureza, dilacerada entre a “ganância infecciosa” e o colapso da histamina.

Diante dessa configuração do poder, a esfera pública tornou-se prisioneira nos palácios de governantes reféns da opacidade da informação gerada nas grandes empresas de mídia. Para a vida privada sobrou o narcisismo e o voyeurismo dos reality shows.

Esses processos visíveis e simultâneos de crescente inacessibilidade do “público” e de espetacularização do “privado” decorrem da sociabilidade peculiar imposta pelo movimento “invisível” da mão que guia o curso dos mercados, em sua alternância de euforia e timidez.

“Não há alternativa”, proclamam os adeptos do neoliberalismo. Sobre esse pano de fundo Margaret Thatcher foi capaz de anunciar a morte da sociedade e o triunfo do indivíduo.

É duvidoso que o indivíduo projetado pelo Iluminismo tenha, de fato, triunfado. Triunfaram, sim, a insegurança e a impotência. Tal sensação de insegurança é o resultado da invasão, em todas as esferas da vida, das normas da mercantilização e da concorrência, como critérios dominantes da integração e do reconhecimento social. Nos países em que os sistemas de proteção contra os frequentes “acidentes” ou falhas do mercado são parciais ou estão em franca regressão, a insegurança assume formas ameaçadoras para o convívio social. •

*Economista

Publicado na edição n° 1271 de CartaCapital, em 09 de agosto de 2023.

 

3 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. AÍ NÃO DÁ, GILVAN:
    'Publicado na edição n° 1271 de CartaCapital, em 09 de agosto de 2023', NÃO MESMO.

    'Publicado na edição n° 1271 de CartaCapital, em 03 de agosto de 2023', ISTO SIM.

    09 DE AGOSTO SÓ VIRÁ LA PRO MEIO DA SEMANA QUE VEM, NÉ?

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