O Estado de S. Paulo
A falta de uma força democrática organizada é prejudicial à sociedade e ao próprio governo Lula, que poderia estar instalado no Planalto com muito mais folga e sentido de projeto
Há um vazio político entre nós: o Brasil
está sem uma oposição democrática articulada. Democratas espalham-se por toda
parte, fazem ouvir suas vozes e suas postulações, mas não conseguem atuar de
modo claro e vigoroso. O quadro é de dispersão e, em política, como se sabe, a
dispersão é sintoma de fraqueza.
Os democratas estão hoje cortados por
dúvidas e disputas estéreis. Mostram-se inoperantes e divididos, sem
referências institucionais e éticas, o que abafa suas vozes.
Há, evidentemente, democratas no governo
Lula, no PT e nos partidos de esquerda aliados. Mas eles agem como personagens
do poder, da situação, pagando o preço necessário para não serem acossados.
Aliam-se ao Centrão, a Arthur Lira e a grupos de perfil fisiológico, ávidos
pelo controle de pedaços rentáveis do aparelho de Estado. A aliança é complexa
e delicada, pois o governo não tem maioria no Congresso e necessita de apoio
para governar e aprovar medidas. Entrega alguns anéis para não ter de entregar
os dedos. Mas qualquer erro de cálculo, qualquer concessão mal planejada pode
desconfigurar o governo e deixá-lo de mãos amarradas. Algo assim tem acontecido
desde o início do ano, a ponto de se poder especular que, em nosso
presidencialismo, o Congresso é mais poderoso do que o Executivo. A cada
entrega de Arthur Lira (ou seja, a cada projeto ou proposta aprovada) segue-se
uma nova demanda fisiológica ao governo.
A situação seria diferente se houvesse uma oposição democrática com um mínimo de vibração e noção do que fazer. Partidos que antes ocupavam esse espaço, como o PSDB e o Cidadania, desidrataram e se arrastam em litígios internos. Particularmente o PSDB, que anos atrás se vangloriava de ser uma máquina que mudaria a face do País, hoje é uma caricatura de si mesmo, luta para não desaparecer. Outros partidos, como o MDB, o PSB, o PDT, a Rede Sustentabilidade, enfiaram-se na articulação governamental e praticamente não têm atuação autônoma.
Sobram alguns pequenos partidos
progressistas, como o Partido Verde, e o mundão dos partidos de centro (União
Brasil, Podemos, Solidariedade, Republicanos, Progressistas). Na outra ponta,
as correntes de extrema direita, hoje pouco articuladas.
A falta de uma força democrática organizada
é prejudicial à sociedade e ao próprio governo Lula, que poderia estar
instalado no Planalto com muito mais folga e sentido de projeto. Sem os
democratas fazendo-lhe sombra, apoiando-o e o cobrando de modo propositivo e
civilizado, o governo cede à sua direita e perde propulsão, ficando como que
desorientado.
A política atual é feita de polarizações,
retóricas inflamadas e guerras culturais. Seus protagonistas atuam para
aprofundar divisões sociais, aguçar disputas estéreis e denunciar “inimigos”,
não para agregar pessoas e promover o avanço democrático e social. A
contraposição entre lulistas e bolsonaristas, por exemplo, nada acrescenta à
democracia.
A democracia não funciona somente com
participação eleitoral. O cidadão precisa receber mais do que o direito de
votar. Precisa ser visto e ouvido pelos governos, ter suas demandas atendidas
ou, ao menos, discutidas e examinadas com critério. Precisa ser conclamado a
participar politicamente: tomar posição no processo político, atuando tanto
dentro quanto fora do sistema.
Os cidadãos não podem chegar diretamente,
sem mediadores, às instâncias superiores do Estado. Necessitam de partidos e
associações que com eles dialoguem, os organizem e representem. Como os
partidos não estão fazendo isso, desconstruídos que foram pela globalização,
pela revolução tecnológica e pelas transformações socioeconômicas
hipermodernas, a exasperação social não se converte em conflito político, não
chega às instituições e tende a se dissipar. A sociedade se agita, mas não
produz mudança política. Os partidos existentes olham para o Estado, o poder.
Ao receberem passivamente recursos dos fundos partidário e eleitoral, não têm
incentivos para buscar filiados e apoiadores.
A intervenção organizada dos democratas
poderia ajudar a cimentar o que se fragmentou: reunir pessoas, compreender e
traduzir os processos em termos pedagógicos. As democracias hipermodernas
dependem dramaticamente de interações dialógicas e reflexivas. Os democratas
conversam pouco entre si. Não dispõem hoje de um programa, de um desenho
compreensível do que pensam a respeito do País e de seu futuro. Em decorrência,
não conseguem se comunicar com os cidadãos.
Os valores democráticos – liberais e socialistas
– continuam vivos. Se levados à prática, serão decisivos para soltar a
democracia das limitações estruturais, das oligarquias, da corrupção e da
degradação ética que imperam nos sistemas políticos atuais. A única exigência
para que isso se efetive é que os democratas sejam a corrente mais coerente e
avançada da própria democracia. Exigência que implica algumas operações de
renovação: no léxico, nas formas de organização e de atuação, na concepção de governo
e no modo de governar.
*Professor titular de Teoria Política da Unesp
Corcordo perfeiramente!
ResponderExcluir▪As forças democráticas estão dispersas em vários partidos e o 1° movimento de quem quer fazer um projeto sério para o país é ajudar a articular um partido político que junte os democratas. Até no PT e no PL há democratas.
■Eu cheguei a observar isto aqui, no início do ano, propondo que um partido que agregasse estes democratas dispersos fosse articulado, para possibilitar uma condução política não fisiológica e também não viciada ideologicamente.
Nas contas que eu fiz, quando comentei, os democratas eram mais ou menos uns 100 parlamentares, se não fossem contados os democratas que estão na coligação original do governo e que acompanham e votam com o governo incondicionalmente.
Como o governo, naquelas contas que eu fazia, tem ~130 parlamentares em sua base original::
▪Democratas+Base original
do governo somam ~230 parlamentares.
Mas para ter um projeto democrático primeiro teria que ser formulado um programa de reformas estruturais, crescimento econômico (o que inicialmente exige austeridade), combate sério à corrupção e uma política internacional alinhada com os países democráticos e progressistas, e não alinhado com países misóginos como o Irã, homofóbicos como China e Rússia e assassinos, como Venezuela e Cuba, de quem Lula e o PT são aliados atualmente.
O governo teria que encontrar 27 parlamentares, dentre os 283 restantes, para ter minoria simples garantida. E já há mais parlamentares que flutuam por perto do governo e que aceitariam se articular em torno de um projeto tecnicamente pensado, e não um projeto eleitoreiro e gastador, sustentado em uma política fiscal 'feijão com farinha' e que não vai resolver nada, só levando o país a ficar dando voltas em torno do próprio rabo.
E até mesmo este projeto enganador que estão tentando eles não conseguem fazer, e com isso estamos já com quase um ano deste governo sem que haja sequer uma política fiscal em implantação, quanto mais sendo implementada.
O país está parado! De movimentação no país, apenas as liberações do "Orçamento Secreto", agora distribuido por Lula e comandado pelo mesmo Arthur Lira, e as falas abusadas, muitas vezes absurdas e popularescas de Lula, isso quando Lula está no Brasil e nào viajando e gastando com diárias internacionais de hotel que só o quarto dele e de Janja costumam custar dezenas de milhares de reais (cada diária!).
E um governo que seja baseado em uma força democrática, portanto, progressista, não pode se alinhar com a barbárie das ditaduras, dos populistas e dos autocratas, quanto mais virar tchutchuca destes bostas e ficar defendendo os abusos dos autoritários e agredindo as democracias, especialmente em um momento em que a democracia sofre uma agressão tão grave como está ocorrendo na Europa.
Apoiado.
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