Valor Econômico
Voto de Zanin se explica por ataque ao
ativismo judicial e reconquistas dos evangélicos
“A
gente tem que fazer tudo de bom aqui, sem precisar esperar o paraíso”. A
pregação foi feita pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva na sua última
“live”. Fica difícil entender o voto do ministro Cristiano Zanin na
descriminalização do usuário da maconha sem assisti-la.
Os votos de Zanin não convergem apenas com
suas convicções, mas também com a estratégia do presidente da República de
recuperar um naco do eleitorado perdido para o bolsonarismo.
O foco na recuperação do eleitorado
pentecostal das periferias tem começo e meio. Lula não se limita a disputar o
discurso dos pastores. Vale-se de seus aliados evangélicos para o mesmo fim.
Basta ver como a relatora da CPMI dos atos golpistas, a senadora Eliziane Gama (PSD-MA), partiu para cima do deputado Marco Feliciano (PL-SP), de quem se disse admiradora no fervor religioso da adolescência, questionando os propósitos de sua fé.
É cedo para dizer que Lula abandonou os
conceitos que lhe permitiram formar um ministério (um pouco) mais diverso do
que aqueles que de seus dois primeiros mandatos. Mas parece estar movido pela constatação
de que não é no identitarismo que recuperará o eleitor perdido para o
bolsonarismo.
O roteiro, mais uma vez, estava na “live”
semanal, que está longe de mobilizar uma audiência semelhante àquela do
ex-presidente, mas se tornou obrigatória para entender a estratégia do atual
inquilino do Palácio do Planalto. É de lá, e não da indignação da esquerda, que
se pode mapear aonde Lula vai.
O presidente citou a sanção da lei que
recria uma política nacional de valorização do salário mínimo e reajusta a tabela
do Imposto de Renda e o envio do projeto de lei da taxação das offshores e da
medida provisória da taxação dos fundos exclusivos.
Se a turma que puxa o tapete do ministro
Fernando Haddad ainda não percebeu, ele e o presidente falam exatamente a mesma
coisa. É com a pauta do “rico no IR e pobre no Orçamento” que Lula pretende
redirecionar o chamariz da periferia evangélica dos costumes para a renda.
Felipe Nunes, professor da Universidade
Federal de Minas Gerais e diretor da Quaest, cada vez mais ouvido no Palácio do
Planalto, não tem dúvidas de que Lula precisa se desviar da pauta dos costumes
para não cair na cilada bolsonarista que quase custou sua eleição.
Lula não se imiscui com a CPMI dos atos
golpistas, mas são os escândalos lá amplificados que pavimentam a estratégia
lulista de mudar o canal. Nunes vê uma avenida aberta para Lula conquistar,
pelo bolso, o eleitor de oposição abatido pelas joias, especialmente a mulher
evangélica, numa tentativa de devolver o bolsonarismo ao seu núcleo duro e
estreito.
É a oportunidade que se apresenta para o
presidente dividir o eleitorado do ex e reconquistar aquele eleitor que um dia
foi seu. Como se ouve hoje no Planalto, Zanin se insurgiu contra o “beque
recreativo” da classe média, mas confortou a mãe da periferia, no medo que, em
2018, pavimentou o bolsonarismo.
Por esta pegada, pode-se até inferir o voto
de Zanin no marco temporal das terras indígenas mas não a escolha do próximo
ministro do Supremo. A ministra Rosa Weber só deixará o tribunal no dia 28 de
setembro. Na escolha de Zanin, muito mais previsível, passaram-se 50 dias desde
a saída do antecessor, Ricardo Lewandowski, até a publicação no “Diário
Oficial”. Não será mais rápido desta vez.
O que os votos de Zanin neste e noutros
temas permitem é antecipar o conflito contratado com a próxima presidência do
Supremo Tribunal Federal.
O ministro Luís Roberto Barroso, como se
sabe, vê nos poderes contramajoritários da Corte um meio de empurrar a
história, especialmente em temas como drogas e aborto, em que o Brasil se
mantém atrasado não apenas em relação aos ricos e desenvolvidos, mas na
comparação com os vizinhos.
Quanto mais Barroso for bem-sucedido em seu
intento, pior para Lula. As cortes superiores foram tão determinantes para a
posse do presidente que, para uma fatia importante do bolsonarismo - e além
dele - os dois Poderes até se confundem.
Na equiparação da homofobia e transfobia ao
crime de injúria racial, vê-se a reprise da linha que marca os votos de Zanin,
a devolução ao Congresso do poder de legislar.
Seria ingenuidade imaginar que este será o
desejo do Executivo quando a pauta do STF se debruçar, por exemplo, sobre
alguma contenda orçamentária com o Congresso, mas naquilo que hoje interessa a
Lula, que é a corrosão da base bolsonarista, o mote é intransponível.
A pegada lulista invade, inclusive, a
Esplanada. Ao oferecer o ministério do empreendedorismo ao Republicanos, ligado
à Igreja Universal, Lula não se limita a preservar o espaço de um aliado,
exageradamente contemplado, como o PSB, em Portos e Aeroportos.
O presidente sinaliza que pretende
arrematar a conquista da periferia cooptando uma das maiores denominações
pentecostais para a tarefa. A julgar pela proposta remuneratória das empresas
de aplicativos, equivalente a um terço do que pedem os entregadores, só
rezando.
E se, por fim, Lula pretende reduzir a
excessiva interferência do Judiciário na vida do país, ainda resta por conhecer
sua estratégia para mitigar o desmedido conservadorismo no Legislativo, pista
de decolagem do ativismo judicial.
Pois é.
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