quinta-feira, 10 de agosto de 2023

Maria Hermínia Tavares * - Estamos condenados à barbárie?

Folha de S. Paulo

Em 2022, a violência tirou a vida de cerca de 48 mil brasileiros

Entre o final de julho e o começo de agosto, somaram 45 os mortos em operações policiais contra o tráfico de drogas na Bahia, em São Paulo e no Rio de Janeiro. Do total, uma vítima era agente da lei. A tragédia escancara a brutalidade em que estamos imersos.

Em 2019, segundo o Observatório Global da Organização Mundial da Saúde, só dez países tinham taxas de homicídio maiores do que o Brasil. Formávamos um time da pesada com países a que não costumamos nos comparar: África do Sul, Lesoto e oito vizinhos latino-americanos ­—El Salvador, Honduras, Colômbia e Venezuela, além de quatro nações caribenhas.

No ano passado, a violência tirou a vida de cerca de 48 mil brasileiros. Em média, polícias foram responsáveis por 17 mortos a cada dia, informa o Anuário do Fórum Nacional de Segurança Pública. Como seria de prever, a barbárie não se distribui igualmente pela federação. Amapá, Bahia, Sergipe, Pará e Goiás lideram o rol de homicídios; somados ao Rio de Janeiro, também o do uso abusivo da força policial. Tampouco a matança atinge todos na mesma proporção: de ambos os lados do tiroteio, homens negros, jovens e pobres correm risco sempre maior.

As estatísticas ajudam a perceber o tamanho da catástrofe, mas não dão a medida do sofrimento das famílias atingidas, nem do medo dos ameaçados mais de perto, nem do sentimento difuso de insegurança dos que temem a violência letal, ainda quando é menor o risco de vir a sofrê-la. Também não medem o impacto da violência sobre a vida política democrática.

A direita há muito descobriu que a exploração do medo —diariamente cevado pela mídia sensacionalista— e a defesa da força bruta contra suspeitos rendem votos. A cada eleição cresce a "bancada da bala" na Câmara dos Deputados, assim como o número de eleitos saídos dos aparatos policiais nos estados. Para os paulistas, a defesa brandida pelo governador Tarcísio de Freitas dos desmandos cometidos pela Operação Escudo, em Guarujá, exuma os tempos de Paulo "bandido bom é bandido morto" Maluf.

Bolsonaro e seus seguidores não fizeram mais que entoar aos berros refrão bem conhecido.

Os democratas comprometidos com o social têm o desafio —e o dever moral— de recorrer às experiências bem-sucedidas de governos subnacionais e de organizações da sociedade, além dos confiáveis dados disponíveis, para implantar formas civilizadas de garantir a segurança pública.

Nos 14 anos em que governou o país, a centro-esquerda não se destacou por inovar nessa matéria. Tem agora nova oportunidade de mostrar que não estamos condenados à barbárie.

*Professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.

 

4 comentários:

  1. Artigo muito precioso! Destaquei um veio especialmente caro do artigo::
    ▪" As estatísticas ajudam a perceber o tamanho da catástrofe, mas não dão a medida do sofrimento das famílias atingidas, nem do medo dos ameaçados mais de perto, nem do sentimento difuso de insegurança dos que temem a violência letal, ainda quando é menor o risco de vir a sofrê-la. Também não medem o impacto da violência sobre a vida política democrática. ".

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  2. Só observo à autora e a nós todos que não é "a direita" que faz uso da violência do Estado contra suspeitos para ter votos, como nós à esquerda costumamos carimbar, a despeito de os fatos não corroborarem com esse (e com outros) carimbo que usamos, mas sim políticos truculentos, abusados e oportunistas que tiram proveito do medo para conseguir votos e alimentar a carreira pessoal por poder.

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  3. O governo de esquerda é da Bahia.

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  4. O governo da Bahia é de esquerda - Isto que dá escrever sem concentrar,rs.

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