O Globo
O ministro vem acumulando vitórias no seu
objetivo de reorganizar as contas públicas, mas aumentar a arrecadação não é
tarefa fácil
O ministro Fernando Haddad avança em seu
projeto de reorganizar as contas públicas. Na semana passada, conseguiu
encerrar a aprovação do arcabouço fiscal e, na Comissão de Assuntos Econômicos
do Senado, foi aprovada a mudança no Carf. Mesmo avançando, o governo está
ainda muito distante do ponto em que precisa estar. A ideia de Haddad, como se
sabe, é arrecadar mais eliminando buracos na legislação tributária brasileira.
Só que nada é simples quando se trata de cobrar impostos. Na sexta-feira,
aumentou a reação à mudança da taxação dos fundos dos super-ricos, os fundos
exclusivos.
O governo quer que os fundos exclusivos paguem a mesma tributação que os fundos de muitos cotistas. De seis em seis meses, o o imposto de renda é recolhido diretamente do rendimento dos fundos da classe média. Já os fundos fechados, de uma pessoa só, uma família, ou poucas pessoas, com valores altíssimos, pagam apenas no resgate ou na liquidação do fundo. O leão é rápido com a classe média, é lerdo com os muito ricos. Mudar isso é uma questão de justiça tributária, mas nunca se conseguiu aprovar essa medida.
Na sexta-feira, as jornalistas Lu Aiko Otta
e Jéssica Sant’Ana, do Valor Econômico, revelaram que a Medida Provisória que
tratará do assunto vai propor a cobrança de 10% de taxa sobre o estoque
investido nos fundos exclusivos, a ser pago em cinco parcelas. A alternativa
seria pagar 15% semestralmente por dois anos. Isso incidiria sobre um total de
R$ 400 bilhões a R$ 600 bilhões das famílias muito ricas. O jornal informou que
será apresentado também um projeto de lei extinguindo os juros sobre capital
próprio, outra forma de os ricos pagarem menos impostos. O chamado JCP abriu a
porta para muitas manobras contábeis e tributárias. Há ainda a proposta para
taxar as aplicações feitas em paraísos fiscais, os fundos offshore.
Em cada uma dessas medidas — cobrar imposto
sobre fundos exclusivos, exigir pagamento de tributo de quem foge para paraísos
fiscais, ou fechar uma porta das manobras tributárias — o que a gestão de
Haddad está fazendo é cobrar imposto de quem é subtributado.
É o correto, mas não há tarefas fáceis no
país do truque contábil, da exceção à regra, das vantagens setoriais. A nova
reforma tributária já está nascendo com o mesmo DNA, os benefícios para alguns
em detrimento de todos.
As vitórias da semana passada foram
importantes. Haddad tinha prazo para apresentar seu projeto da nova regra
fiscal até o fim do segundo trimestre. Mas antecipou-se. Mostrou habilidade de
negociação e agora já tem todo o projeto aprovado. Como o fim do teto de gastos
significa automaticamente a volta do mínimo constitucional para a saúde e
educação, as despesas vão crescer. Para que suas metas sejam atingidas será
preciso aumentar a arrecadação.
O governo espera muito do Carf. O Conselho
Administrativo de Recursos Fiscais é um órgão paritário entre contribuintes e a
Receita Federal para a discussão de grandes contenciosos. Grandes mesmo, tipo a
Petrobras, que é um contribuinte com grandes questões bilionárias no Carf. Com
a mudança feita no governo anterior, o conselho ficou excessivamente favorável
ao contribuinte. O “voto de qualidade”, que o governo quer trazer de volta,
favorece a Receita, é certo, mas não impede que o contribuinte contrariado leve
sua contenda à Justiça. O relatório do senador Otto Alencar foi aprovado na CAE
do Senado e agora vai a plenário. Pode ser aprovado na terça-feira.
O governo acha que arrecadará R$ 50 bilhões
com a mudança no Carf. O senador Eduardo Braga acredita que haverá uma vantagem
a mais: reduzir o volume de precatórios que, com a PEC dos Precatórios do
governo Bolsonaro, virou, na expressão de Braga, “uma bomba de efeito
retardado”. O senador avalia que o novo conselho administrativo pode estimular
a solução de disputas judiciais através da negociação, reduzindo a bola de neve
dos precatórios.
O ministro Fernando Haddad não é bem
entendido pela esquerda do PT, mas está querendo cobrar mais dos ricos em todas
as modalidades de aplicação em que eles são favorecidos ou fogem do pagamento
de tributos. E quer tornar o Estado mais eficiente na cobrança de tributos.
Deveria ser visto como de esquerda, já que no meio desse caminho pedregoso, o
ministro vai desagradar muita gente e contrariar diversos interesses
econômicos.
Pois é.
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