quinta-feira, 3 de agosto de 2023

Míriam Leitão - BC começa bem o ciclo de queda

O Globo

O Copom cortou a Selic em meio ponto porque havia espaço e isso até os que apostavam em 0,25 ponto concordam. É o início do ciclo de redução que irá até o ano que vem

O que o Banco Central iniciou ontem foi um ciclo de queda dos juros que vai se estender até o ano que vem. A queda de 0,5 ponto percentual era a previsão minoritária no mercado, mas foi a decisão acertada, já que todas as condições estão dadas para isso. A mais importante delas é a desinflação que, em um ano, levou o índice de preços dos dois dígitos aos 3%. Parte desse resultado é trabalho do próprio Banco Central. A decisão de ontem não foi resposta à pressão política nem reflexo das críticas de autoridades do governo, mas sim consequência natural da evolução dos indicadores. Havia espaço para a queda.

O BC votou dividido e os dois indicados pelo governo Lula fizeram a diferença. Os diretores de política monetária e de fiscalização, Gabriel Galípolo e Ailton de Aquino votaram com outros três dirigentes, entre eles, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, pela redução de meio ponto. Quatro diretores ficaram em minoria na defesa de um corte de 0,25 ponto. Essa divisão vai desaparecer, e nas próximas três reuniões do ano, a taxa deve cair outros 0,5 ponto e com a unanimidade dos votos porque isso foi dito no comunicado.

“Em se confirmando o cenário esperado, os membros do comitê, unanimemente, anteveem redução da mesma magnitude nas próximas reuniões e avaliam que este é o ritmo apropriado para manter a política contracionista necessária para o processo desinflacionário”.

É importante deixar isso claro: juros de 13,25% ainda são altos demais para uma conjuntura de inflação baixa, portanto segue sendo uma “política contracionista”. E a economia já está com sinais de fraqueza.

No mercado era comum nos últimos dias ouvir que a conjuntura permitiria ao BC reduzir meio ponto, mas o órgão seria “parcimonioso”, “conservador” e escolheria 0,25 ponto. É um fenômeno curioso esse. Pelo fato de os analistas acharem que o BC reduziria apenas 0,25 ponto, eles passaram a adaptar as suas análises para a projeção de uma queda menor, independentemente dos fatos.

O economista de um grande banco, que havia apostado em 0,25 ponto, me disse que o fez porque a comunicação do BC o levou a isso, mas admitiu que havia espaço para o corte de meio ponto. Ontem, no mercado, já havia quem acreditasse que o próximo corte pode ser até maior, de 0,75 ponto.

A inflação caiu em todas as medidas, o núcleo caiu, os preços por atacado estão em deflação, a inflação de alimentos caminha para ser negativa, a economia está desacelerando, o dólar cedeu, as projeções de inflação para este ano e nos próximos estão caindo. No mercado, a maioria aposta em 11,75% no final do ano. Diante disso, por que não reduzir os juros em meio ponto?

No tempo entre uma reunião e outra, a projeção de inflação para 2023 caiu de 5,12% para 4,84%. Para 2024, caiu de 4% para 3,89%, e a de 2025, de 3,8% para 3,5%. Portanto, todas as projeções estão se aproximando do espaço de flutuação.

Desde que Roberto Campos assumiu, as taxas de juros foram reduzidas para 2% e depois subiram para 13,75% e agora começam nova descida, uma gangorra cheia de emoções. Quando ele assumiu o cargo, a Selic estava em 6,5%. Em julho de 2019, com a inflação a 3,22%, os juros começaram a cair. Em agosto de 2020, já em plena pandemia, a Selic foi levada ao seu menor valor histórico: 2%. Os juros, então, ficaram negativos. Quando a inflação já estava subindo, e em março de 2021 era 6,1%, a Selic teve a primeira elevação, de 0,75 ponto. E foi uma escalada de alta de juros até agosto de 2022, pleno ano eleitoral. Naquele momento, o Ministério da Economia fazia política expansionista. Já o Banco Central contrariava o governo fazendo uma política contracionista.

O BC poderia já ter reduzido a Selic, mas é forçoso reconhecer que ele usou sua autonomia contrariando dois governos e assim conseguiu deter o surto inflacionário. Não trabalhou só, nos últimos meses. Teve a companhia do ministro Fernando Haddad que atuou para restaurar instrumentos de política fiscal.

Nos tensos meses recentes, em que o presidente Lula fez críticas à política monetária e à pessoa de Roberto Campos Neto, uma coisa ficou comprovada: goste-se ou não das decisões do BC, tudo funciona melhor quando o Banco Central é independente. Os juros ainda estão altos, mas a tendência é continuar a queda e o sinal já foi dado nesse comunicado. O fim da autonomia teria sido um tiro no pé, se tivesse sido tentado.

 

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