O Globo
O Copom cortou a Selic em meio ponto porque
havia espaço e isso até os que apostavam em 0,25 ponto concordam. É o início do
ciclo de redução que irá até o ano que vem
O que o Banco Central iniciou ontem
foi um ciclo de queda dos juros que vai se estender até o ano
que vem. A queda de 0,5 ponto percentual era a previsão minoritária no mercado,
mas foi a decisão acertada, já que todas as condições estão dadas para isso. A
mais importante delas é a desinflação que, em um ano, levou o índice de preços
dos dois dígitos aos 3%. Parte desse resultado é trabalho do próprio Banco
Central. A decisão de ontem não foi resposta à pressão política nem reflexo das
críticas de autoridades do governo, mas sim consequência natural da evolução
dos indicadores. Havia espaço para a queda.
O BC votou dividido e os dois indicados pelo governo Lula fizeram a diferença. Os diretores de política monetária e de fiscalização, Gabriel Galípolo e Ailton de Aquino votaram com outros três dirigentes, entre eles, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, pela redução de meio ponto. Quatro diretores ficaram em minoria na defesa de um corte de 0,25 ponto. Essa divisão vai desaparecer, e nas próximas três reuniões do ano, a taxa deve cair outros 0,5 ponto e com a unanimidade dos votos porque isso foi dito no comunicado.
“Em se confirmando o cenário esperado, os
membros do comitê, unanimemente, anteveem redução da mesma magnitude nas
próximas reuniões e avaliam que este é o ritmo apropriado para manter a
política contracionista necessária para o processo desinflacionário”.
É importante deixar isso claro: juros de
13,25% ainda são altos demais para uma conjuntura de inflação baixa, portanto
segue sendo uma “política contracionista”. E a economia já está com sinais de
fraqueza.
No mercado era comum nos últimos dias ouvir
que a conjuntura permitiria ao BC reduzir meio ponto, mas o órgão seria
“parcimonioso”, “conservador” e escolheria 0,25 ponto. É um fenômeno curioso
esse. Pelo fato de os analistas acharem que o BC reduziria apenas 0,25 ponto,
eles passaram a adaptar as suas análises para a projeção de uma queda menor,
independentemente dos fatos.
O economista de um grande banco, que havia
apostado em 0,25 ponto, me disse que o fez porque a comunicação do BC o levou a
isso, mas admitiu que havia espaço para o corte de meio ponto. Ontem, no
mercado, já havia quem acreditasse que o próximo corte pode ser até maior, de
0,75 ponto.
A inflação caiu em todas as medidas, o
núcleo caiu, os preços por atacado estão em deflação, a inflação de alimentos
caminha para ser negativa, a economia está desacelerando, o dólar cedeu, as
projeções de inflação para este ano e nos próximos estão caindo. No mercado, a
maioria aposta em 11,75% no final do ano. Diante disso, por que não reduzir os
juros em meio ponto?
No tempo entre uma reunião e outra, a
projeção de inflação para 2023 caiu de 5,12% para 4,84%. Para 2024, caiu de 4%
para 3,89%, e a de 2025, de 3,8% para 3,5%. Portanto, todas as projeções estão
se aproximando do espaço de flutuação.
Desde que Roberto Campos assumiu, as taxas
de juros foram reduzidas para 2% e depois subiram para 13,75% e agora começam
nova descida, uma gangorra cheia de emoções. Quando ele assumiu o cargo, a
Selic estava em 6,5%. Em julho de 2019, com a inflação a 3,22%, os juros
começaram a cair. Em agosto de 2020, já em plena pandemia, a Selic foi levada
ao seu menor valor histórico: 2%. Os juros, então, ficaram negativos. Quando a
inflação já estava subindo, e em março de 2021 era 6,1%, a Selic teve a
primeira elevação, de 0,75 ponto. E foi uma escalada de alta de juros até
agosto de 2022, pleno ano eleitoral. Naquele momento, o Ministério da Economia
fazia política expansionista. Já o Banco Central contrariava o governo fazendo
uma política contracionista.
O BC poderia já ter reduzido a Selic, mas é
forçoso reconhecer que ele usou sua autonomia contrariando dois governos e
assim conseguiu deter o surto inflacionário. Não trabalhou só, nos últimos
meses. Teve a companhia do ministro Fernando Haddad que atuou para restaurar
instrumentos de política fiscal.
Nos tensos meses recentes, em que o
presidente Lula fez críticas à política monetária e à pessoa de Roberto Campos
Neto, uma coisa ficou comprovada: goste-se ou não das decisões do BC, tudo
funciona melhor quando o Banco Central é independente. Os juros ainda estão
altos, mas a tendência é continuar a queda e o sinal já foi dado nesse
comunicado. O fim da autonomia teria sido um tiro no pé, se tivesse sido
tentado.
Muito bom.
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