terça-feira, 1 de agosto de 2023

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Copom deve manter diretriz técnica ao decidir sobre juros

O Globo

Perspectiva de corte na Selic abre oportunidade para Planalto praticar o comedimento e evitar conflito

Seja qual for a decisão sobre a taxa básica de juros (Selic) tomada na reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) que começa hoje e termina amanhã, o governo precisará ser contido na reação. Independentemente do teor do anúncio, novos ataques ao Banco Central (BC) vindos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ou do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, não contribuirão em nada para o país. A Selic não pode ser definida do alto de um palanque. Até aqui, o Copom tem se mantido imune a pressões políticas. É imprescindível que continue assim. Quando se trata de inflação, comedimento é sempre melhor que populismo.

O encontro deste mês é aguardado com ansiedade porque, pela primeira vez desde a posse de Lula, a expectativa de quase todos os analistas é que a Selic, fixada em 13,75% desde agosto de 2022, comece enfim a cair. Os agentes econômicos se dividem entre os que apostam na queda de 0,25 ou de 0,5 ponto percentual. Diante do bom trabalho do BC para conter a espiral inflacionária, o prognóstico é que os juros fechem o ano em 12%.

O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) em junho ficou em 0,08%. Com isso, a inflação acumulada em 12 meses está em 3,16%. Mesmo levando em conta que ela deverá subir no segundo semestre, a previsão das instituições financeiras é que feche o ano em 4,84%, muito perto do teto da meta (4,75%). Na semana passada, a prévia do IPCA para julho (IPCA-15) confirmou a tendência. Com deflação de 0,07%, o acumulado em 12 meses ficou em 3,19%.

Tais números são, contudo, contaminados por preços de alta volatilidade, como combustíveis, alimentos ou energia. Para obter uma leitura mais precisa da realidade, o BC usa outra medida, conhecida como núcleo da inflação. Ela identifica a tendência dos preços sem levar em conta choques temporários. A média dos cinco núcleos inflacionários monitorados pela MCM Consultores caiu de 6,72% em maio para 5,99% em junho. Em julho, com base no IPCA-15, a queda alcançou 5,53%. É um percentual ainda alto, bem acima do teto da meta.

Esta reunião do Copom será a primeira de Gabriel Galípolo. Ex-secretário executivo da Fazenda, ele foi indicado pelo governo e aprovado pelo Senado como diretor de política monetária. Na sua chegada, houve ruído com o presidente do BC, Roberto Campos Neto, sobre a autonomia dos integrantes do Copom para falar com a imprensa. As diferenças entre os dois parecem ir além da política de comunicação. Mesmo que a decisão de amanhã seja unânime, continuará a disputa entre falcões — mais austeros — e pombos — mais tolerantes com a queda de juros. É positivo que haja o debate entre visões antagônicas, e Galípolo certamente é um economista qualificado para defender pontos de vista divergentes.

O principal erro que o BC pode cometer, contudo, é ceder às pressões populistas do Planalto. Todo o êxito da política de combate à inflação até agora tem repousado justamente na resistência de Campos Neto a tais pressões. O corte dos juros precisa seguir as mesmas diretrizes técnicas que o Copom tem adotado com competência. Dentro do Copom, entre quem entende do assunto, a discussão é positiva. Fora, só atrapalha.

Prestação de contas das eleições expõe absurdo da PEC da Anistia

O Globo

Documentos entregues ao TSE comprovam gastos com carros de luxo e empresas de líderes partidários

A cada prestação de contas dos partidos à Justiça Eleitoral, fica evidente a farra cometida com dinheiro público em nome da política. Como revelou reportagem do GLOBO, documentos entregues ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostram que legendas compraram carros de luxo para as campanhas, contrataram frotas por valores exorbitantes e beneficiaram empresas ligadas a integrantes dos próprios partidos. As despesas estão sob análise da Corte.

O maior gasto com aluguel de veículos foi declarado pelo Avante, que relatou despesas de R$ 8,6 milhões com locação de bens móveis, rubrica que abarca uso de carros e ônibus. Um único contrato registrou o aluguel de 202 carros por R$ 1,3 milhão. O valor salta aos olhos quando comparado ao gasto por outros partidos. PL, PT e União Brasil, as três maiores bancadas da Câmara, gastaram juntos R$ 4 milhões no aluguel de bens móveis, de acordo com as informações repassadas ao TSE. Os três lançaram 4.200 candidaturas, quase o quádruplo do Avante. As notas expõem também o gosto pelo luxo. No Amapá,o DEM — partido que se fundiu com o PSL para formar o União Brasil — declarou a compra de uma picape Nissan por R$ 269 mil. O União comprou um Corolla por R$ 198 mil.

O compadrio permeia as despesas declaradas ao TSE. A empresa que mais recebeu recursos do diretório do PT do Rio foi a Click, agência de publicidade de Lenilson da Cruz, presidente da legenda em Japeri, Baixada Fluminense. Pelos serviços de gestão das redes sociais, monitoramento de mídia, produção de adesivos, cartazes e bandeiras, foi contemplada com R$ 269 mil. O Republicanos de Roraima gastou R$ 120 mil com combustível num único posto de gasolina, que tem como sócia a filha do senador Mecias de Jesus, presidente da legenda no estado.

Por mais que as extravagâncias e inconsistências venham a ser punidas pela Justiça Eleitoral, o castigo poderá ser em vão. Tramita no Congresso a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que promove a maior anistia da História recente a partidos que cometeram irregularidades na prestação de contas ou que descumpriram as cotas estabelecidas para mulheres e negros nas eleições. A PEC da Anistia foi aprovada por 45 votos a 10 na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, angariando apoio de todo o espectro partidário. No ano passado, já havia sido aprovada outra emenda com o mesmo objetivo.

Partidos alegam que as multas da Justiça Eleitoral inviabilizam as legendas. Ora, para não ser multado, basta não cometer irregularidades, como usar dinheiro público para fazer churrasco, construir piscina, comprar carros de luxo, contratar laranjas para fraudar as cotas e outros descalabros. Os parlamentares deveriam ser os primeiros a se preocupar com a destinação correta dos recursos dos fundos partidário e eleitoral e com o aumento da diversidade na Casa. A PEC da Anistia precisa ser barrada no Congresso. Com as carências que o país tem, não faz sentido dar aos partidos licença para torrar o dinheiro do contribuinte.

Ampliação do mercado livre de energia abre frente de debate

Valor Econômico

A pauta envolve temas como os subsídios cruzados do setor e os erros de governos passados que jogaram a conta no bolso do consumidor

Terminou na semana passada o prazo da consulta pública lançada pelo Ministério das Minas e Energia (MME) que discute as regras para a renovação das concessões das distribuidoras de energia que vão vencer entre 2025 e 2031. Esse marco deve impulsionar o debate a respeito do futuro do mercado brasileiro de energia uma vez que o governo federal indicou que a abertura é inevitável. Em reunião com representantes do setor na semana passada, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, anunciou a intenção de elaborar uma proposta de reforma regulatória do setor elétrico em 90 dias.

A pauta na mesa envolve temas espinhosos, como os subsídios cruzados do setor e como consertar erros de governos passados que jogaram no bolso do consumidor a conta de manobras para reduzir os preços, e como acabar com o paradoxo de os clientes cativos, geralmente os menores e os residenciais, terem de arcar com os principais custos do sistema enquanto os consumidores livres - as grandes empresas - pagam tarifas mais baixas.

A abertura total do mercado de energia está em discussão desde 1999, quando houve a primeira adesão ao Ambiente de Comercialização Livre (ACL). Até agora, apenas grandes empresas, com contas acima de R$ 50 mil mensais de alta tensão, podem participar desse mercado, que lhe permite escolher fornecedor, contrato, prazo e tipo de energia. São cerca de 11,5 mil empresas que negociam aproximadamente R$ 160 bilhões por ano (Valor, 24/7).

Em 20 anos, o sistema permitiu a redução de R$ 339 bilhões em gastos, sendo R$ 41 bilhões apenas em 2022. Em maio passado, o custo da energia, um dos componentes da tarifa elétrica, foi de R$ 284 por MWh no mercado regulado, enquanto os participantes do mercado livre pagaram 69% menos, R$ 89 por MWh. Em volume, o grupo representa perto de 40% do mercado e apenas 0,04% dos consumidores.

A partir de 1º de janeiro de 2024, todas as empresas ligadas à alta tensão, com contas de pelo menos R$ 5 mil por mês, poderão entrar nesse grupo privilegiado. O grupo inclui a maior parte do comércio de grande porte e da indústria de médio e grande porte. Como resultado, o ambiente de livre comercialização deverá receber mais de 70 mil a 100 mil empresas, estima a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE). O mercado livre saltará dos atuais 37,5% para 59% no total de contratação de energia em dois anos.

Os clientes residenciais, a maioria dos cerca de 90 milhões de consumidores de energia, conectados à baixa tensão, terão de esperar até pelo menos 2028 para terem acesso ao mercado livre. Isso se prevalecer o Projeto de Lei 414/2021, aprovado no Senado e em fase de recebimento de emendas na Câmara, que trata do acesso da baixa tensão ao mercado livre, mas cuja tramitação não tem um calendário definido e pode ser revisto pelo MME. O calendário do projeto de lei coincide com outro do Ministério de Minas e Energia, que define que os 6,4 milhões de consumidores de baixa tensão do comércio e da indústria tenham acesso ao mercado livre somente em 2026; e os 62,9 milhões de residências apenas em 2028.

Estudo da Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel) detalhado pelo Valor (24/7) estima que mais de 5 milhões de consumidores de baixa renda economizariam de 7,5% a 10% na conta de luz se tivessem acesso ao mercado livre de energia. Levando em consideração o total de 14 milhões de unidades de consumo desse segmento a economia seria de R$ 880,9 milhões anuais.

Há uma preocupação especial com a situação das distribuidoras, que mantêm contratos de longo prazo no modelo antigo. O atual modelo, de 2004, fixa que os geradores ofertam para distribuidoras contratos de longo prazo, de 25 a 35 anos. São os chamados contratos legados. Alguns vão até 2054. Exatamente nesse período de transição, entre 2025 e 2031, vão vencer os contratos de concessão de 20 das 53 grandes distribuidoras que atendem a cerca de 60% do país.

Até agora, o mercado cativo, no qual estão os consumidores residenciais, é que cobre em boa parte os subsídios da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), no montante de R$ 36 bilhões neste ano, que favorecem, entre outros beneficiados, a geração distribuída (principalmente energia solar), cooperativas, compra de carvão e, sobretudo, o item conta de consumo de combustíveis, voltado para a compra de óleo combustível para sistemas isolados. Esse é um dos fatores que encarece a conta dos cativos.

No entanto, há indicações que os consumidores residenciais não deverão gozar dos mesmos níveis de redução de preço da energia experimentado pelos grandes consumidores. O PL objetiva que a migração se dê de “forma sustentável” para as distribuidoras, ou seja, que não acarrete perdas para elas. A intenção é evitar que quem saia do mercado cativo deixe o prejuízo para quem fica, como tem acontecido até agora. Já se fala em ratear o ônus entre participantes dos dois mercados, o que, no limite, acabaria com a vantagem tarifária. Esse é mais um motivo para que a transição de modelos seja feita com cautela.

Vanguarda do atraso

Folha de S. Paulo

Lula quer reeditar crédito a empresas que gerou calote de US$ 1,1 bi no BNDES

Longe dos holofotes mais potentes de Brasília, órgãos importantes do governo federal com sedes no Rio de Janeiro vão se convertendo em bunkers da gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para abrigar ideias econômicas emboloradas ou equivocadas, numa espécie de vanguarda do atraso carioca.

Na semana passada, anunciou-se a indicação do economista Marcio Pochmann para o comando do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Para ele, as reformas previdenciária e trabalhista são uma regressão e o Pix, uma estratégia "neocolonial" contra o Brasil.

A Petrobras também acaba de proclamar que dará preferência à indústria naval brasileira, reeditando política dos governos petistas que acabou interrompida por escândalos de superfaturamento.

Agora, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, sob a batuta de outro petista histórico, Aloizio Mercadante, quer ressuscitar créditos à exportação para serviços de engenharia de empresas brasileiras.

Nessas operações, o BNDES desembolsa recursos em reais para financiar companhias nacionais que vendem seus serviços (geralmente grandes obras) a países estrangeiros. Estes, por sua vez, assumem o compromisso de devolverem os empréstimos depois —com juros, pagando em dólar ou euro.

O programa existe desde 1998 e já somou US$ 10,5 bilhões (R$ 50 bilhões). Mas foi nos governos Lula 2 e Dilma Rousseff que ganhou envergadura, com 88% dos desembolsos concentrados entre 2007 e 2015.

No período, o expediente ajudou a injetar bilhões de reais nas cinco maiores empreiteiras brasileiras, que receberam 98% dos financiamentos. Mais tarde, elas acabariam apanhadas na Operação Lava Jato, acusadas de financiar campanhas petistas e de outros partidos —o que acabou levando à suspensão do programa em 2016.

O mais grave, no entanto, é que o PT usou empréstimos de um banco público para agradar líderes de ditaduras acusadas de violar sistematicamente direitos humanos, como os de Venezuela e Cuba, com os quais se alinha ideologicamente.

Como se isso não bastasse, os dois países deram calote no BNDES: US$ 722 milhões pelo metrô de Caracas e uma siderúrgica; e US$ 250 milhões pelo porto cubano de Mariel. Houve inadimplência também de Moçambique, elevando o total devido pela trinca a US$ 1,09 bilhão —valor que tende a aumentar, pois há mais US$ 518 milhões em vias de vencimento.

O BNDES sustenta que, desta vez, as regras para os créditos serão avaliadas com o Tribunal de Contas da União e apresentadas como projeto de lei ao Congresso. A basear-se na experiência pregressa e na atual situação fiscal, o melhor que os parlamentares podem fazer é simplesmente derrubar a ideia toda.

Brutalidade policial

Folha de S. Paulo

Gestão paulista precisa investigar excessos em ação com cerca de 10 mortes

Algo vai muito mal quando cerca de uma dezena de pessoas são mortas durante uma operação policial e o governador do estado diz que "não houve excesso". O comentário de Tarcísio de Freitas (Republicanos) sobre ação perpetrada no último fim de semana no litoral paulista expõe uma visão nefasta do papel das polícias e sobre eficiência em política pública.

Na quinta (27), Patrick Bastos Reis, soldado da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar), foi assassinado a tiros enquanto realizava patrulha de rotina em Guarujá.

Por óbvio, o crime comoveu as forças policiais. Contudo, o Estado detém o monopólio do uso da força legítima justamente para agir com razão e técnica, evitando excessos e infrações de direitos.

Mas não foi o que se viu no litoral do estado. A megaoperação pela busca do suspeito do crime causou 8 mortes, segundo o governo (e no mínimo 10, segundo a Ouvidoria das Polícias). Moradores denunciam casos de tortura e ameaças. De acordo com Tarcísio, os relatos "não passam de narrativa".

O suspeito se entregou numa delegacia em Guarujá no domingo (30) e nega a autoria do homicídio.

Apesar de evitar radicalismos, é inegável o vínculo do governador com a bandeira ideológica e corporativista de Jair Bolsonaro (PL) na área da segurança, como mostram suas declarações, e de sua equipe, sobre o episódio no litoral.

Seria melhor se o governador mantivesse uma postura pragmática, com foco em gestão. Afinal, há muito trabalho a ser feito.

Entre janeiro e julho deste ano, os casos de estupros no estado tiveram alta de 15,5% em relação ao mesmo período de 2022, com 7.089 —maior número da série histórica iniciada em 2001. Na capital, a alta foi de 26%. Os furtos cresceram 2,8% no estado e 6,9% na capital.

Há que esclarecer, ainda, os dados sobre extorsão mediante sequestro, ocultados da plataforma da Secretaria de Segurança Pública.

Ademais, até agora não há medidas integradas para a cracolândia, que gera distúrbios para comerciantes e moradores do centro, região com alta na criminalidade.

O Ministério Público paulista abrirá investigação para apurar excesso de força policial em Guarujá. O governo do estado deveria seguir o exemplo, acionando corregedorias, em vez de considerar como sucesso uma ação do poder público que elimina vidas.

Crianças como protagonistas

O Estado de S. Paulo

Agosto agora é o Mês da Primeira Infância. Porém, para que frutifique, a atenção às crianças entre zero e 6 anos precisa ir muito além de um marco simbólico no calendário nacional

Recentemente, o Congresso aprovou a Lei n.º 14.617/2023, que torna agosto o Mês da Primeira Infância no Brasil. O objetivo da lei, sancionada pelo presidente Lula da Silva no dia 10 passado, é nobilíssimo: criar um marco no calendário nacional para chamar a atenção para a importância dos cuidados multidisciplinares que devem ser dispensados às crianças entre zero e 6 anos.

Em que pese o inequívoco acerto dos Poderes Executivo e Legislativo em lançar luz sobre a questão, o zelo com a primeira infância, para que frutifique, deve extrapolar o campo simbólico. Este jornal, não é de hoje, clama por ações mais bem planejadas e implementadas no sentido de dar a devida atenção às crianças, que historicamente têm sido relegadas às últimas posições no rol de prioridades do País.

É desumano que as crianças, em particular as mais vulneráveis social e economicamente, sigam sendo desrespeitadas por um Estado negligente, como se não fossem titulares de direitos assegurados pelas leis e pela Constituição. Seus interesses têm sido olimpicamente ignorados, ano após ano, década após década, apenas porque essas crianças não votam. Quando é que governo e sociedade vão acordar para o fato incontestável de que o desenvolvimento individual durante a primeira infância é o principal – se não o único – caminho para o progresso do País?

Graças aos avanços científicos, é sabido que os primeiros anos de vida são cruciais para a evolução cognitiva, emocional e social de uma criança. Investimentos nessa fase da vida, sobretudo em saúde e educação, resultam em benefícios significativos a longo prazo – e não apenas para as crianças e suas famílias, como também para o País. “Se não resolvermos o problema da primeira infância, não conseguiremos solucionar outros”, disse ao jornal Valor o economista Naercio Menezes, há anos dedicado à pesquisa na área de educação.

De fato, não faltam estudos que comprovam a relação direta entre a atenção que os países dão às suas crianças na primeira infância e seu grau de desenvolvimento econômico e social. Ou seja, além de ser uma obrigação moral para qualquer país decente, cuidar da saúde física e emocional das crianças, além, é óbvio, de garantir a todas elas o acesso à educação básica de qualidade, pode se revelar um investimento extremamente recompensador. Como lembrou Menezes, citando os estudos conduzidos pelo economista James Heckman, estima-se que cada dólar que um país investe na primeira infância pode representar um ganho de até US$ 7 no futuro.

A compreensão do impacto financeiro do investimento na primeira infância é muito importante, não resta dúvida. Mas o Brasil precisa dar um passo anterior: pensar na adoção de políticas públicas em áreas-chave para o desenvolvimento das crianças que sejam reconhecidamente bem-sucedidas. Já defendemos nesta página que o País estabeleça um plano de ação bem estruturado voltado à educação básica, tratando-o como prioridade nacional (ver editorial Não há saída fora da educação pública, 2/6/2023). O País não carece de recursos nem de profissionais ou bons projetos para o desenvolvimento da primeira infância. O diagnóstico está feito. Falta ação concreta e mensurável.

Além de seus evidentes impactos no desenvolvimento individual das crianças, projetos voltados à primeira infância têm profundos reflexos macroeconômicos. Afinal, crianças bem cuidadas e educadas tendem a se tornar adultos mais produtivos. Esse investimento, portanto, é fundamental para reduzir um estado de desigualdade obscena que, a um só tempo, marca a trajetória de formação desta Nação e obnubila olhares mais otimistas sobre o futuro. Outro ponto a ser considerado é que dar atenção à primeira infância é também, e sobretudo, dar apoio às famílias em que elas crescem.

Anualmente, nascem cerca de 2,6 milhões de brasileiros. Cada nascimento representa bem mais que o início de uma vida. A chegada desses pequenos novos cidadãos renova a esperança por um Brasil mais próspero, justo e seguro. Transformar crianças vulneráveis em adultos dignos, felizes e independentes é construir uma sociedade cada vez mais fraterna.

A angustiante espera por hemodiálise

O Estado de S. Paulo

Milhares de cidadãos sofrem com a falta de vagas em centros de hemodiálise conveniados ao SUS. Estado tem o dever de dar atenção a isso por imperativos constitucionais e humanitários

A sociedade deve se orgulhar da posição do Brasil como segundo maior realizador de transplantes de órgãos do mundo, atrás somente dos Estados Unidos. Ainda mais porque cerca de 90% dessas cirurgias, nada menos, são realizadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), de forma integral e gratuita. No entanto, é fundamental que esse mesmo Brasil, que há muitos anos é tido como referência internacional em transplantes de órgãos por meio de sua rede pública de saúde, seja capaz, também, de dar aos pacientes que aguardam ansiosos por essas intervenções a chance de chegar vivos ao centro cirúrgico.

A situação é particularmente dramática para os doentes renais crônicos, ou seja, os indivíduos que precisam realizar sessões regulares de hemodiálise enquanto aguardam um transplante renal. De acordo com dados das Secretarias Estaduais da Saúde, compilados pelo Jornal Nacional, falta cerca de 1,5 mil vagas nos centros de hemodiálise conveniados ao SUS. O problema, classificado pela Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN) como uma “grave crise humanitária”, faz com que a espera angustiante por um leito para sessões ambulatoriais de hemodiálise signifique vida ou morte para milhares de brasileiros.

Não falta ao País capacidade técnicofinanceira para cuidar dos cidadãos que necessitam de algum tipo de transplante de órgãos, ou o Brasil não seria o paradigma internacional que é nessa seara. No que concerne ao atendimento dos doentes renais, há profissionais extremamente qualificados e cerca de 850 centros de hemodiálise em âmbito nacional. Porém, em alguns desses centros há leitos desabilitados por falta de manutenção dos equipamentos ou por incapacidade financeira para expansão de vagas, haja vista que havia muito não se fazia reajuste da tabela de remuneração dessas clínicas especializadas pelo SUS, o que torna sua operação inviável do ponto de vista econômico.

No dia 30 de junho, o Ministério da Saúde editou uma portaria reajustando de forma escalonada o valor do serviço de hemodiálise pago pelo SUS, que passou de R$ 218,47 por sessão para R$ 229,40, em julho, e R$ 240,97, a partir de setembro. Sem dúvida é um avanço, considerando que, como muitos outros, esse é um serviço essencial cronicamente subfinanciado. Contudo, especialistas do setor calculam que o valor adequado para manter uma vaga de hemodiálise ativa no País seja de, aproximadamente, R$ 285,00, cerca de 18% acima do valor que passará a ser pago pelo SUS às clínicas conveniadas em setembro.

O governo federal, por meio do Ministério da Saúde, e o Congresso têm o dever de enfrentar urgentemente essa grave crise humanitária, como bem a classificou a SBN. Afinal, é a vida de milhares de brasileiros que está em jogo. É imperativo que os dois Poderes se unam para garantir que os recursos necessários sejam alocados adequadamente, a fim de fornecer acesso imediato e adequado à hemodiálise para todos os cidadãos que necessitam desse tipo de atendimento médico no País. Eis aí uma primeira oportunidade para a recémcriada Frente Parlamentar da Nefrologia, que conta com mais de 200 parlamentares só na Câmara dos Deputados, mostrar a que veio.

Há razões de sobra para o País celebrar suas conquistas na área de transplante de órgãos, mas as realizações nem de longe podem ofuscar os desafios que ainda têm de ser enfrentados. Urge, portanto, encontrar meios de investir na ampliação da capacidade de atendimento dos centros de hemodiálise na rede pública, mas não só. A pandemia de covid-19 comprometeu severamente o processo de doação e captação de rins, entre outros órgãos, o que elevou o tempo de espera por um transplante renal. Consequentemente, mais pessoas ocupam vagas de centros de hemodiálise por mais tempo, obstando a entrada de novos pacientes. Uma campanha governamental de incentivo à doação de órgãos decerto ajudará a retomar o patamar de doações aos níveis pré-pandemia.

Por fim, cabe lembrar que a saúde, como determina a Constituição, é um direito de todos e dever do Estado. É hora, pois, de o Estado brasileiro honrar esse imperativo constitucional e humanitário.

Putin vai à África

O Estado de S. Paulo

Ditador russo tenta mostrar que não está isolado, mas países africanos são reticentes

Quando a invasão da Ucrânia completou um ano, o ministro das Relações Exteriores russo, Sergei Lavrov, se vangloriou: “Os planos do Ocidente para isolar a Rússia cercando-nos com um cordão sanitário foram um fiasco. Estamos fortalecendo boas relações de vizinhança (...) com a maioria internacional”. Com efeito, apesar das sanções, o desempenho da economia russa tem surpreendido. No entanto, as “relações de vizinhança” russas são hoje bem menores e mais ambivalentes. A recente cúpula organizada pelo Kremlin em São Petersburgo com países africanos ilustra esse estado de coisas.

As estratégias de Vladimir Putin para seduzir o “Sul Global” são variadas. Na América Latina e Oriente Médio sua propaganda insufla ressentimentos antiamericanos. Na África, em particular, Putin tenta comprar apoio com recursos naturais e armas. Mas os resultados têm sido limitados. Dos 54 países africanos, 19 apoiaram a Ucrânia nas deliberações sobre a guerra na Assembleia-Geral da ONU e só 2 apoiaram a Rússia; os demais se abstiveram.

Há mais de uma década a Rússia é o maior fornecedor de armas para a África e é um parceiro importante para regimes autoritários que buscam se manter no poder, alguns com o apoio dos mercenários russos do Grupo Wagner. Favores estabelecidos com elites locais à época da União Soviética também contam para a simpatia de alguns países. A propaganda antiocidental é particularmente efetiva em ex-colônias francesas. De resto, Moscou vem canalizando grãos para Estados amistosos. Economicamente, no entanto, a Rússia é pequena na África em comparação com os EUA ou a Europa.

A cúpula deveria mostrar força diplomática, mas, como outras iniciativas de Putin, ela expôs suas fraquezas. Na cúpula precedente, em 2019, participaram 43 chefes de Estado africanos. Agora, foram só 21. Parte dessa baixa reflete a retirada da Rússia da iniciativa acordada com a Ucrânia para liberar a exportação de grãos no Mar Negro, o que agravará a fome e a inflação na África.

Em reunião com jornalistas africanos, o presidente ucraniano, Volodmir Zelenski, comparou a guerra às lutas anticoloniais na África e advertiu que as exportações de grãos replicam a estratégia de usar petróleo e gás na Europa para criar dependência política.

Essa situação ambivalente sugere que o Ocidente também precisa diversificar suas estratégias para robustecer o “cordão sanitário” desprezado por Lavrov. Sanções voltadas a reprimir o comércio de bens não militares com os países em desenvolvimento impactam suas populações e tendem a excitar antipatias. No caso da África, em especial, seria importante auxiliar as forças regionais de segurança para dissuadi-las de apelar à Rússia. De resto, é preciso desmascarar a propaganda russa, em termos similares ao de Zelenski.

Em relações exteriores não há amizades, só interesses. Quando se trata da Rússia, esses interesses tendem a ser manietados para criar relações de vassalagem. A resposta ambígua dos africanos ao convite de Putin mostra que eles estão cada vez mais alertas para esse risco.

Congresso precisa desarmar a bomba fiscal

Correio Braziliense

As expectativas para a economia são promissoras, mas também estão associadas à aprovação da reforma tributária e do novo arcabouço fiscal

O Congresso retoma suas atividades nesta semana com duas matérias prioritárias na ordem do dia: a reforma tributária, que será examinada pelo Senado, e o novo arcabouço fiscal, que volta à Câmara para apreciação de emendas feitas pelos senadores. Sem essas medidas, a economia será prisioneira do seu próprio passado, porque a PEC da Transição aumentou o deficit fiscal e a regra que continua valendo é a do antigo Teto de Gastos. As expectativas para a economia são promissoras, mas também estão associadas à aprovação dessas mudanças. Sem reformas, a tendência é a taxa de juros ser mantida num patamar muito alto pelo Banco Central.

Neste semestre, o governo Lula foi beneficiado pela "pedalada fiscal" que herdou do governo Bolsonaro. Entretanto, isso gerou uma armadilha: os precatórios que não foram pagos pelo ex-ministro da Fazenda Paulo Guedes. Serviram para uma grande maquiagem na dívida pública. Em 2022, nas contas do Tesouro, o calote dos precatórios e das requisições de pequeno valor (RPV) chegou a R$ 142 bilhões (1,4% do PIB) e pode chegar a R$ 200 bilhões, em 2026. É uma bola de neve.

Mesmo assim, são números controversos. A Instituição Fiscal Independente (IFI), do Senado Federal, em 2021, avaliava que dívida com precatórios poderia chegar, em 2026, a R$ 420,9 bilhões, em um cenário otimista, ou a R$ 744,1 bilhões, em um cenário mais pessimista. A redução da inflação também tem impacto na gestão do déficit público, ainda mais quando a taxa de juros se mantem nos mesmos patamares.

O mercado está otimista com os indicadores de curto prazo mais positivos e a expectativa de aprovação da reforma tributária e do arcabouço fiscal, mas teme os o seus jabutis, que precisam ser expurgados do texto final, para evitar que percam a eficácia necessária.

Na semana passada, a notícia boa para o governo veio da Fitch, a segunda agência de risco norte-americana, que melhorou a perspectiva da nota do Brasil pela primeira vez desde 2019. Ao elevar rating da dívida de longo prazo em moeda estrangeira do Brasil em um degrau, de BB- para BB, com perspectiva estável, a Fitch animou o mercado, que aposta numa redução imediata da taxa básica de juros (Selic), de 13,75% ao ano, em 0,50 ponto percentual, para 13,25% na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), nesta semana.

Fatores externos, porém, podem influenciar o cenário: a alta do preço do barril de petróleo no mercado internacional, que está sendo absorvida pela Petrobras, porém em algum momento os preços de combustíveis terão que saber realinhar pela estatal brasileira, e a crise de abastecimento do trigo, com o bloqueio das exportações ucranianas pela Rússia.

Diante dessa situação, é preciso que todos façam o dever de casa: o governo precisa contingenciar os gastos, como foi anunciado; e o Congresso, aprovar o texto final do novo arcabouço fiscal, na Câmara, e da reforma tributária, em tramitação no Senado.

Nesse aspecto, as negociações entre o presidente Lula e os líderes do Centrão, para incorporação do PP e do PR à base do governo, com ocupação efetiva de espaços na Esplanada dos Ministérios, podem realmente garantir mais governabilidade, mas precisam aumentar a blindagem da política econômica. Ou seja, esses partidos precisam demonstrar responsabilidade com o equilibrio fiscal. Se pressionarem para o governo aumentar o deficit fiscal, com adoção de medidas populistas, a emenda será pior do que o soneto.

 

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