quinta-feira, 10 de agosto de 2023

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Governo busca atalhos para gastar com meta fiscal sob risco

Valor Econômico

“Jeitinhos” minam grande esforço da equipe econômica para dar confiabilidade ao novo regime fiscal

O governo terá dificuldades para cumprir as metas que estabeleceu no novo regime fiscal. Antes, porém, que as regras para as contas públicas sejam aprovadas - elas voltaram para o exame da Câmara, após modificações no Senado que podem ser rejeitadas - o Planalto já manobra para encontrar “jeitinhos” de excluir despesas do teto de gastos renovado. Em mensagem modificativa ao Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO), pediu exclusão de R$ 5 bilhões de gastos que as estatais federais que não dependem de recursos do Tesouro farão no PAC. O sinal emitido pela manobra é muito ruim, pois põe em xeque antecipadamente a disposição de cumprir as próprias regras, que sequer estão em vigência.

O novo regime fiscal é mais condescendente com os gastos e a governança que o teto de gastos que o antecedeu. Mesmo assim, estabeleceu um sistema de contenção de gastos que não será de fácil execução. Os analistas de mercado e consultoria ouvidos pelo boletim Focus, do Banco Central, e Prisma Fiscal, do Ministério da Fazenda, não acreditam que as metas de resultado primário serão atingidas até 2026.

Pelo novo regime, há o compromisso de déficit de 0,5% do PIB este ano, déficit zero em 2024, superávits de 0,5% e 1% do PIB em 2025 e 2026, com uma banda de adequação de 0,25 ponto percentual para mais ou para menos. As estimativas contidas no Focus preveem déficits de 1%, 0,8% e 0,5% nesse ano e nos dois seguintes. O Prisma Fiscal antevê déficits de R$ 101,7 bilhões em 2023 e de R$ 88,3 bilhões em 2024.

Há vários motivos para o ceticismo em relação ao cumprimento dos objetivos fiscais. Os investidores receberam com alívio o novo regime fiscal porque esperavam algo muito pior - uma gastança desenfreada e sem limites. As mudanças afastaram o pior cenário e limitaram muito as chances de um crescimento acelerado dos déficits. Como as regras preveem aumento real de gastos em quaisquer circunstâncias (mínimo de 0,6% real e máximo de 2,5%) há a suspeita de que o governo não se empenhará fervorosamente para atingi-las. Não há penalidades para o estouro das metas fiscais.

Outro motivo de descrença é a tentativa antecipada de encontrar atalhos para mais gastos no orçamento. A regra original previa que o limite de gastos seria corrigido pela inflação de doze meses terminados em junho do exercício anterior. Como a inflação subirá no fim do ano em relação a junho (3,16%), o governo se esforça para que uma estimativa do IPCA entre julho e dezembro seja incluído como despesa condicionada no PLDO de 2024, uma modificação aceita pelo Senado que pode ser recusada pela Câmara, que aceita a correção, mas vinculada a um crédito suplementar durante o ano fiscal de 2024.

A PEC de Transição permitiu ao governo Lula um aumento de despesas de R$ 165,7 bilhões. O déficit primário estabelecido para o ano é de R$ 228,1 bilhões, mas a equipe econômica pretendia reduzi-lo a algo em torno dos R$ 100 bilhões. A intenção pode se frustrar, um destino que começa a aparecer nas estatísticas de execução fiscal recentes. O rombo primário no ano até junho foi de R$ 41,3 bilhões, ante superávit de R$ 59 bilhões no mesmo período em 2022. A terceira revisão bimestral realizada pelo Tesouro projetou o déficit primário em R$ 145,5 bilhões, um acréscimo de R$ 37,8 bilhões em relação à primeira revisão, em fevereiro, quando o estimava em R$ 107,6 bilhões.

Segundo o Ipea (Carta de Conjuntura), as despesas do governo central no primeiro semestre aumentaram 5,1% em termos reais (descontada a inflação), enquanto as receitas caíram de 14,2% do PIB para 13,7% do PIB no ano em relação ao exercício anterior. Chegaram a 23,7% do PIB em setembro de 2022 e estavam em junho em 22,3% do PIB. A queda da receita pode ser quase que totalmente debitada à diminuição de recursos obtidos com concessões, permissões, dividendos e participações em recursos naturais, que tiveram um recuo enorme de R$ 65,7 bilhões no ano em relação ao mesmo período do ano passado, ou -41,7%. Ironicamente, por insistência do governo, a Petrobras, a maior repassadora de dividendos, reduzirá seus pagamentos ao longo do tempo.

Com a deterioração do resultado em 2023, as metas até 2026 correm mais riscos. Segundo o Ipea, para cumpri-las seria necessário elevar as receitas em 1,4% do PIB (até 2026), isto é, de 22,1% para 23,5% e reduzir as despesas em 1,5% do PIB, de 19,2% para 17,7% do PIB. O avanço teria de ocorrer nas receitas administradas pela Receita, porque as não administradas tenderão à redução, como já ocorre. Elas teriam de aumentar 1,9% do PIB entre 2022 e 2026, chegando ao fim do mandato de Lula em 15,9% do PIB que, segundo o - o maior nível de arrecadação desde 1997, segundo o Ipea.

Mesmo que o ministro Fernando Haddad tenha sucesso em ampliar receitas em R$ 130 bilhões, a conta das despesas cresceu, com aumento real do mínimo (R$ 18 bilhões), volta da vinculação de receitas de saúde e educação (R$ 36 bilhões) e outras atinge cerca de R$ 120 bilhões e pode crescer. A única solução é o governo gastar menos do que pretende e desistir de atalhos, que minam o grande esforço da equipe econômica para dar confiabilidade ao novo regime fiscal.

Agenda presidencial deve ser pública

O Globo

Não há motivo para esconder quaisquer encontros do presidente da República que não ofereçam riscos

Com exceção dos casos em que há risco à segurança ou à saúde do presidente da República e de seus familiares, a agenda presidencial deve ser divulgada sem omissões. É direito da população saber quem o principal mandatário da nação recebe, onde e quando. Encontros com congressistas, ministros, lobistas, advogados, empresários, representantes de sindicatos ou integrantes do Judiciário e do Ministério Público (MP) nada têm de privado. Conversas com novos e velhos conhecidos são todas de interesse nacional. Passou da hora de o governo brasileiro adotar uma política de transparência total.

O medo do grampo telefônico e da divulgação de conversas por mensagens aumentou a predileção por encontros pessoais, especialmente aqueles que os participantes preferem deixar nas sombras. Isso ficou claro com reportagem do GLOBO sobre as “agendas privadas” de Jair Bolsonaro quando ainda estava no poder. Mensagens analisadas pela CPI dos Ataques Golpistas revelaram conversas, à noite, no Palácio da Alvorada entre o então presidente, o procurador-geral da República, Augusto Aras, e seu braço direito, a vice-procuradora Lindôra Araújo.

Estranhamente, nenhuma dessas reuniões apareceu na agenda presidencial. Tampouco foram divulgadas pelo MP. Pela inexistência de qualquer risco à segurança dos envolvidos, o sigilo é injustificável. O presidente estava na residência oficial, com o aparato de proteção a postos. Também não tem cabimento chamá-las de reuniões “privadas”. Certamente Aras e Lindôra não foram ao Alvorada tomar cerveja, assistir a um jogo de futebol ou falar de amenidades. Por isso as razões para tanto mistério são motivo de especulação.

Coincidência ou não, Lindôra afirmou ao STF em abril de 2022 não ver indício de crime de Bolsonaro no inquérito que apurava a atuação de dois pastores lobistas no MEC, oito dias depois de encontro com Bolsonaro e seu filho, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ). Em maio, houve novo encontro entre Bolsonaro e Lindôra, desta vez com a presença de Aras. Três semanas mais tarde, ela entendeu que Bolsonaro não cometera o crime de racismo ao perguntar a um apoiador negro se pesava “mais de 7 arrobas”. Outra reunião “privada” entre os três aconteceu em agosto. Duas semanas depois, Lindôra defendeu o arquivamento de um pedido de investigação por Bolsonaro ter atacado o sistema eleitoral em encontro com embaixadores.

Pelo texto da Constituição, cabe ao MP a defesa do regime democrático, da ordem jurídica e dos direitos sociais e individuais. Não consta a defesa do presidente da República. Ainda assim, a Procuradoria-Geral da República se alinhou aos interesses do governo passado em 95% das 184 acusações contra Bolsonaro e seus filhos apresentadas ao Supremo entre início de 2019 e o final de 2022.

Ao assumir, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva manteve o entendimento de que a lista de visitantes ao Palácio da Alvorada deveria ser sigilosa. Pelo menos criou exceções no caso de pessoas com interesses junto ao governo (provavelmente em razão da visita noturna do empresário Joesley Batista ao então presidente Michel Temer em 2017). Só que o registro da agenda oficial é falho. Desde a posse, autoridades participaram de encontros que não constaram da agenda. A transparência deve ser a regra. Nem Lula nem nenhum presidente devem manter a herança bolsonarista da agenda sigilosa.

De nada adianta impor câmeras nas fardas se regra não for respeitada

O Globo

No Rio, operação policial na Penha não foi gravada. No Guarujá, não há imagem para ao menos seis mortes

A instalação de câmeras portáteis nas fardas de policiais — realidade, mesmo que parcial, em estados como São Paulo, Rio de Janeiro, Santa Catarina e Rondônia — é um avanço, por dar maior transparência às ações de segurança e por permitir que investigadores requisitem as imagens quando houver dúvidas sobre a conduta dos agentes. Funciona tanto em benefício deles próprios quanto da sociedade. Mas de nada adianta uma política pública bem-intencionada, de resultados comprovados na redução da letalidade policial, se o equipamento não for usado em operações críticas, como tem acontecido.

No Rio, depois de uma ação das polícias Militar e Civil que deixou dez mortos e cinco feridos no complexo de favelas da Penha em 2 de agosto, descobriu-se que não havia imagens das ações, pois câmeras corporais ainda são artigo raro nas tropas de elite. Faz um ano que o Supremo Tribunal Federal determinou ao governo fluminense a instalação do equipamento. Não só nas fardas, como também nas viaturas policiais. Mas a implantação tem sido lenta. Depois das mortes na Penha, a PM informou que todas as unidades, inclusive os batalhões especiais, terão câmeras até o fim deste ano. A ver.

Em São Paulo, a Operação Escudo, deflagrada depois do assassinato de um policial da Rota em emboscada quando fazia patrulhamento numa comunidade do Guarujá no fim de julho, causou a morte de pelo menos 16 civis. Embora o governo paulista alegue que as baixas ocorreram em confrontos entre policiais e suspeitos de tráfico, há denúncias de abusos que precisam ser investigadas. O combate ao crime organizado é legítimo e necessário, mas evidentemente precisa ser feito dentro da lei.

As imagens das câmeras corporais ajudariam os investigadores a esclarecer o que aconteceu, mas isso será possível apenas em parte dos casos. Seis das 16 mortes não foram gravadas, pois os policiais não usavam câmeras. Nas outras dez, os agentes tinham o equipamento, mas nem todas as imagens estão disponíveis devido a problemas técnicos, como falta de bateria ou falhas de sinal, segundo explicações dadas ao Ministério Público (MP).

De que servem as câmeras corporais se não forem usadas nas operações com maior letalidade, quando são ferramenta essencial? Usá-las no patrulhamento de áreas turísticas ou no policiamento de proximidade é importante, mas não basta.

É verdade que existem resistências ao equipamento, especialmente das tropas de elite, sob o argumento de que pode expor estratégias e tornar os agentes mais vulneráveis. Mas são situações específicas, que devem ser analisadas individualmente. De modo geral, não há por que não usar as câmeras. Além do mais, as imagens ficam sob a guarda da própria polícia, e nem todos podem acessá-las. Como se vê no caso do Guarujá, até para o MP é difícil.

É louvável que governos invistam recursos públicos para dar maior transparência às operações das forças de segurança, num país em que a letalidade policial ainda é um problema grave. Mas a iniciativa precisa ser para valer.

Partidos perdulários

Folha de S. Paulo

De novo, siglas querem elevar fundo público para campanhas, que saltou em 2022

Tão previsível quanto a realização de eleições é a ofensiva dos partidos políticos em busca de mais dinheiro do contribuinte para financiar suas campanhas. Não seria diferente neste 2023, quando se definem os recursos para as disputas municipais do próximo ano.

Desta vez, busca-se uma alteração de última hora no projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2024, que, na versão enviada pelo Executivo ao Congresso, limita a dotação do Fundo Especial de Financiamento de Campanha —ou fundão eleitoral, como é conhecido— aos mesmos R$ 4,96 bilhões autorizados em 2022.

A LDO deveria ter sido aprovada até o início de julho, segundo condição imposta pela Constituição para o recesso de deputados e senadores. Os parlamentares recorreram a um período de folga informal sem tampouco terem concluído a votação da nova regra fiscal.

Com isso, estão em suspenso os parâmetros para a elaboração do projeto de Orçamento do próximo ano, que precisa ser remetido ao Legislativo até 31 de agosto.

Em meio à barafunda, o mundo político ensaia aumentar a despesa nas já muito incertas finanças públicas de 2024. Ressalte-se que a verba do fundão na eleição passada já representou um salto ante as cifras de pleitos anteriores, que não chegaram a R$ 2,5 bilhões em valores corrigidos pela inflação.

Acrescente-se que os partidos já recebem todos os anos dinheiro de outro fundo orçamentário, que hoje tem quase R$ 1,2 bilhão, destinado ao custeio de suas atividades e frequentemente empregado em gastos questionáveis.

Não se desconhece que campanhas são caras em um país tão grande, nem que o financiamento público contribui para mitigar o peso do poder econômico nas disputas. Mas não se vê justificativa para expandir ainda mais um gasto que, segundo pesquisa do Movimento Transparência Partidária, já é elevado para padrões internacionais.

Em universo de 25 países, entre os quais EUA, Alemanha, França Reino Unido, México, Argentina e Chile, apenas o Brasil destina algo como US$ 1 bilhão em dinheiro do contribuinte para eleições —na grande maioria, a conta fica abaixo dos US$ 100 milhões.

Os partidos brasileiros devem buscar inserção na sociedade e mais recursos de filiados e simpatizantes. A extração crescente de verba do erário alimenta a proliferação de siglas amorfas, desprovidas de conteúdo programático.

Investimento do PAC também é gasto

O Estado de S. Paulo

Com dificuldade de zerar o déficit em 2024, governo busca alternativa para atingir a meta com subterfúgios contábeis que corroeram a credibilidade da política fiscal no passado recente

O governo quer descontar, da meta fiscal, R$ 5 bilhões em despesas de empresas estatais relacionadas a investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O pedido consta de uma mensagem modificativa ao projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), assinada pelo presidente Lula da Silva com aval do ministro da Casa Civil, Rui Costa, e da ministra do Planejamento, Simone Tebet. Se acatada pelo Legislativo, a proposta garantirá que essas obras não sejam contabilizadas como gastos, facilitando o cumprimento da promessa de zerar o déficit em 2024.

Embora esdrúxula, a ideia está longe de ser inovadora. Em seu segundo mandato, Lula da Silva enviou ao Congresso um Orçamento com previsão de superávit de 3,8% do Produto Interno Bruto (PIB). Tal projeção, no entanto, já considerava a possibilidade de abater quase R$ 14 bilhões em investimentos enquadrados na primeira edição do PAC.

Nos anos seguintes, essa prática foi mantida – e, como não poderia deixar de ser, foi expandida. As possibilidades de abatimento de despesas aumentaram paulatinamente, erodindo, aos poucos, a credibilidade dos resultados primários. Em 2014, auge de um período marcado pela contabilidade criativa, os descontos atingiram o valor global do PAC, mas nem assim o governo Dilma Rousseff conseguiu registrar um superávit.

Foi o primeiro de muitos rombos. Desde então, o País registra um saldo negativo estrutural entre receitas e despesas. O teto de gastos proposto pela administração Michel Temer foi uma tentativa de reduzir o buraco no médio prazo. A despeito do superávit pontual registrado no ano passado, as exceções patrocinadas pelo ex-presidente Jair Bolsonaro arruinaram a confiabilidade do instrumento enquanto âncora fiscal.

O que é realmente inovador é o fato de que o governo começou a trabalhar para corroer a credibilidade do arcabouço recém-proposto por seu próprio ministro da Fazenda, Fernando Haddad – e antes mesmo que ele entrasse em vigor. A proposta já saiu da Câmara com algumas exceções e o Senado ampliou essa lista. O texto, agora, está pendente de uma última apreciação pelos deputados, análise para a qual não há data fixada.

O arcabouço, desde a origem, já desconsiderava, para fins de apuração do resultado fiscal, as despesas da Petrobras e da estatal responsável pela gestão de Itaipu e das usinas nucleares (ENBPar). Com a proposta enviada pelo governo, investimentos de empresas como Banco do Brasil, Caixa, Correios e Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) também poderão ser excluídos da meta. A medida, segundo o Ministério do Planejamento, visa a proporcionar “flexibilidade na execução desses investimentos”, tendo em vista “sua importância para o desenvolvimento econômico e social do País”.

Já se sabia que o atingimento das metas traçadas pelo arcabouço fiscal seria desafiador, uma vez que o dispositivo depende muito da recuperação de receitas para se materializar. O governo, no entanto, apostou em apresentar projeções otimistas e incertas de arrecadação, ignorando o fato de que o problema das contas públicas está no comportamento das despesas, que avançam de forma contínua há anos.

Agora, começa a ficar mais claro que o governo tem uma alternativa: atingir a meta por meio de subterfúgios contábeis. Contrário à urgente revisão das despesas públicas, Lula da Silva faz uso da retórica política para justificá-las. Para ele, desembolsos com saúde, educação e programas sociais não são gastos, mas investimentos. Não passa de uma tentativa de tapar o sol com a peneira.

Como já dissemos muitas vezes neste espaço, meritório ou não, gasto é gasto e deve ser contabilizado como tal. Se hoje as exceções somam R$ 5 bilhões, nada impede que amanhã elas sejam ampliadas de forma a alcançar a meta. Isso pode servir para o governo bater o bumbo sobre seu compromisso com a responsabilidade fiscal. Na prática, porém, tal conquista não terá qualquer valor, muito menos capacidade para conter a trajetória ascendente da dívida pública – o que parecia ser a intenção da equipe econômica.

A realidade se impôs na cúpula amazônica

O Estado de S. Paulo

Reunião de Belém refletiu a maturidade diplomática do Brasil e de seus vizinhos amazônicos ao definir os habitantes da floresta como prioridade e ao afastar o radicalismo ambiental

O Brasil resgatou a maturidade e a consistência histórica de sua diplomacia ao encabeçar a Cúpula da Amazônia, no último dia 8. A Declaração de Belém, documento final do encontro, expôs o consenso de oito países presentes sobre a necessidade de dar pesos iguais ao combate ao desmatamento e ao desenvolvimento econômico. Para a parcela do mundo que já devastou sua cobertura florestal, coletou os maiores benefícios das emissões de gás carbônico e que atualmente pressiona por medidas ambientais radicais, a tradução do texto é simples: o fim da destruição das matas originais seguirá a possibilidade e a conjuntura particulares de cada nação amazônica e a prioridade comum à prosperidade das populações que ali vivem.

Tal orientação foi reiterada pelo presidente Lula da Silva em seu discurso em Belém. “A pobreza é um obstáculo à sustentabilidade. Precisamos de uma visão de desenvolvimento sustentável que coloque as pessoas no centro das políticas públicas e que inaugure um ciclo de prosperidade baseado na floresta em pé”, afirmou, logo depois de destacar que as localidades onde há mais desmatamento são as mesmas que registram os piores indicadores sociais do Brasil.

Há de notar que um dos mais contundentes defensores do ambientalismo radical e do protecionismo disfarçado de preservação de florestas, o presidente francês, Emmanuel Macron, ausentou-se do encontro. Embora convidado por Lula para representar a amazônica Guiana Francesa, território ultramarino de seu país, Macron não apenas declinou, como também deixou de enviar alguma autoridade de Paris ao encontro.

O documento do bloco amazônico traçou compromissos de cooperação em campos distintos e essenciais – dos direitos humanos à inovação tecnológica – que somente quem tem os pés fincados na região seria capaz de enumerar e entrelaçar a bem da preservação da floresta e de seus habitantes. Entre outros, a criação, para a Amazônia, de um órgão equivalente ao IPCC (sigla em inglês do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, da ONU).

Em um de seus principais tópicos, os países amazônicos deixaram claro o compromisso comum de evitar o ponto do não retorno, ou seja, de impedir que a destruição da floresta chegue ao nível que não mais permita sua recomposição. No entanto, dispensaram a negociação de uma meta temporal para a região, como um todo, alcançar o desmatamento zero. Preferiram a compreensão dos limites financeiros e de gestão de cada país. Na Aliança Amazônica de Combate ao Desmatamento, criada durante o encontro, serão depositados os objetivos nacionais – o do Brasil, fixado no Acordo de Paris, continuará em 2030. Considerada por ambientalistas como falha da reunião de Belém, a ausência dessa meta regional expôs, na verdade, o reconhecimento de um dado da realidade.

O consenso em Belém resultou no fortalecimento da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (Otca), mantida em ostracismo desde 2009 e que será a responsável, em especial, por criar um mecanismo financeiro de captação de recursos para os projetos de combate ao desmatamento e de promoção do desenvolvimento sustentável. Não haverá um país no comando da agenda regional, mas um organismo regional. A diplomacia brasileira, em especial, mostrou-se hábil ao neutralizar a proposta do presidente da Colômbia, Gustavo Petro, de proibir novos projetos de exploração petrolífera. Ao omitir o tema na declaração final, prevalece o entendimento de que o desenvolvimento sustentável pode muito bem incluir a atividade responsável do setor de petróleo e gás, conforme o interesse de cada país.

A Cúpula de Belém deu a diretriz justa e necessária para a região atuar nos foros internacionais como um corpo coeso. Mostrou-se suficientemente forte para evitar a absorção de compromissos ambientais caros ao mundo desenvolvido, que desconsideram o valioso e carente fator humano na floresta. Igualmente permitiu a construção de vias de cooperação para a exploração sustentável do tesouro da biodiversidade, estimado em US$ 317 bilhões ao ano pelo Banco Mundial, de forma a reduzir os alarmantes níveis de pobreza da Amazônia. O resultado, se não foi o ideal, tampouco deve ser lamentado.

Política 1 x 0 Ciência

O Estado de S. Paulo

Lei que libera ozonioterapia é um equívoco do Congresso Nacional e do Executivo, na forma e no conteúdo

O Congresso aprovou e o presidente Lula da Silva sancionou uma lei autorizando a ozonioterapia no Brasil. Contudo, a autorização a tratamentos e medicamentos é uma atribuição exclusiva da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Assim, mais uma vez o Executivo e, sobretudo, o Legislativo extrapolaram suas competências em prejuízo das agências reguladoras, com danos à normalidade institucional e, no caso, riscos à saúde pública.

As agências foram um marco criado na gestão FHC, no contexto da transição do Estado empresário para o Estado regulador, com o objetivo de regulamentar e fiscalizar a execução de serviços públicos transferidos ao setor privado. Por óbvio, elas não estão acima dos Três Poderes. O Legislativo é responsável pelas leis de cada setor e o Executivo, pela implementação de políticas públicas. Mas, uma vez definidos esses parâmetros, as agências têm autonomia para decidir sobre assuntos de natureza técnica.

Mais de uma vez o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu que o Congresso não tem competência para autorizar substâncias para fins médicos, notadamente quando declarou inconstitucional a lei que liberava a “pílula do câncer”.

A Anvisa já autoriza a aplicação do ozônio para fins odontológicos ou estéticos, mas afirma que não há evidências de eficácia para outras aplicações médicas. Pelo contrário: se seus benefícios são inconclusivos, o uso indiscriminado comporta riscos. Por isso, a Associação Médica Brasileira e o próprio Ministério da Saúde se manifestaram contrariamente à liberação.

A lei não só ignora as constatações da comunidade científica, como amplia a margem de risco. O projeto do Senado autorizava apenas médicos a usarem a ozonioterapia. Mas os deputados modificaram o texto para permitir que outros profissionais de nível superior também atuem na área.

A rigor, a lei reconhece que a ozonioterapia somente poderá ser aplicada por meio de equipamento “devidamente regularizado” pela Anvisa. Nesse sentido, ela é ociosa. Nem por isso deixa de ser deletéria. Ela pode encorajar pacientes a acreditar que se trata de um tratamento válido; e profissionais de saúde a recomendar usos não aprovados pela Anvisa, fomentando insegurança jurídica e uma judicialização contraproducente – sem falar dos riscos para os usuários.

E há os danos institucionais. Além do lobby dos produtores farmacêuticos, a lei foi motivada por evidentes intuitos demagógicos: a ozonioterapia se tornou uma causa política ao ser advogada por certa militância bolsonarista como mais um tratamento alternativo – embora comprovadamente ineficaz – contra a covid-19. Pode-se especular que o presidente Lula a sancionou talvez para azeitar a relação com o Congresso. De resto, não deixa de ser uma oportunidade de fustigar a autonomia das agências, às quais o PT sempre se opôs justamente por imporem limites técnicos e isentos à arbitrariedade política.

A liberação, por meio de uma lei inepta, de um tratamento ineficaz e arriscado só realça a importância desses limites. Tão logo seja acionado, cabe ao STF restabelecê-los.

Declaração de Belém, ações indefinidas

Correio Braziliense

Chefes de Estado dos países amazônicos não definem prazo para conter o desmatamento na região, nem medidas para a implantação de um modelo econômico verde

As mudanças climáticas têm sido mais agressivas a cada ano. A onda de calor, com temperatura próxima a 50ºC, nos Estados Unidos e Europa mostrou que os alertas dos cientistas e climatologistas, entre os séculos 17 e 18, tinham sentido. Os estudiosos identificaram que havia uma correlação entre redução da umidade, das chuvas e dos mananciais de água e o desmatamento. Hoje, não há mais dúvida de que a suspeita do passado é uma realidade e vem se agravando à medida que as advertências dos ambientalistas foram e têm sido ignoradas.

Brasil e os sete países da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OCTA) — Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela —, depois de 14 anos, voltaram a promover a Cúpula da Amazônia — desta vez em Belém, capital do Pará — e a anunciaram a formação da Aliança Amazônica de Combate ao Desmatamento. Construíram também a Declaração de Belém, assinada nesta terça-feira, com 113 compromissos, cuja meta principal é evitar o "ponto de não retorno", ou seja, afastar a possibilidade de a maior floresta tropical se transformar em savana, com perdas irreversíveis da flora e da fauna, devido às ações predatórias na região.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva reafirmou que a meta é alcançar desmatamento ilegal zero até 2030 — objetivo anunciado no Acordo de Paris, em 2015. Nos últimos oito anos, o Brasil se afastou do compromisso assumido na capital francesa. Entre 2018 e 2022, a Amazônia brasileira perdeu mais de 31 mil km² de cobertura vegetal, o que dificulta muito a possibilidade de eliminar definitivamente a extração de madeiras ou desflorestamento para atividades agropecuárias no prazo de sete anos.

A Declaração de Belém mostrou que os países têm interesse em preservar o bioma. Reconheceram como desafios a crise climática, a perda de biodiversidade, a poluição e o desmatamento. Mas não estabeleceram prazo para conter o desmatamento na região, com exceção do Brasil. Todos têm ciência de que a derrubada da floresta contribui para o agravamento das condições climáticas em toda a Amazônia e com impacto em todo o planeta. Entretanto, deixaram de anunciar também investimentos financeiros para a transição da economia exploratória para um modelo sustentável.

O presidente da Colômbia, Gustavo Petro, divergiu. Ele defende o fim da exploração de petróleo na Amazônia, supostamente com base na ciência. Os climatologistas condenam a emissão de gases fósseis (petróleo, gás e carvão) pela sua contribuição ao aquecimento global. O presidente Lula da Silva, por sua vez, afirmou que a exploração de petróleo na Foz do Rio Amazonas não seria debatido no encontro. Estudo do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama) negou autorização à Petrobras avançar com o seu projeto de exploração na Foz do Amazonas, uma extensão de 2,2 mil km ao longo da costa brasileira — do extremo norte do Amapá, na fronteira com a Guiana Francesa, até o litoral do Rio Grande do Norte, com a perfuração de 16 poços exploratórios.

A divergência entre Petro e Lula ficou clara, quando o presidente colombiano declarou: "Cada vez mais, o movimento social se junta com a ciência. E a política, cada vez mais, está presa na retórica". O comentário deixa claro que ainda há muito a ser debatido para que haja entendimento e a Amazônia e os demais biomas, sobretudo o cerrado — alvo da vez, dos predadores ambientais —, a fim de que a transição para um modelo econômico verde seja o padrão da América Latina e, principalmente, das nações amazônicas. Hoje, não há tempo para estender a transição. Os fenômenos climáticos extremos também ameaçam o Brasil e os países vizinhos. É preciso fazer mudanças o mais rápido possível. Não é a economia que está em risco, mas a vida no planeta.

 

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