segunda-feira, 14 de agosto de 2023

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Com escassez de recursos, Lula lança PAC de R$ 1,7 tri

Valor Econômico

A situação fiscal recomenda um programa mais focado e menos ambicioso

O novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), anunciado na sexta-feira, em tudo se parece com os dois PACs anteriores, salvo nas condições financeiras, agora bem mais hostis aos investimentos públicos do que o foram entre 2007 e 2018. Os métodos do programa parecem ser os mesmos - discernem-se pouco as prioridades nas várias centenas de obras e programas listados. A rigor, é um ajuntamento de tudo o que pode vir a ser feito com tudo o que já vem sendo feito nos âmbitos federal, estadual e municipal, mais o desejo de obter investimentos privados da ordem de R$ 612 bilhões. O país precisa urgentemente ampliar investimentos em infraestrutura e a preocupação do governo é correta. O programa pode dar alguns bons frutos. O voluntarismo, a falta de gestão competente e truques contábeis para prover recursos transformaram os programas anteriores em um fracasso do tamanho das enormes expectativas que foram criadas.

A situação fiscal recomenda um programa mais focado e menos ambicioso. O primeiro PAC e o anúncio do segundo conviveram com superávit primários robustos. A execução do PAC revigorado, na gestão de Dilma Rousseff, contribuiu para afundar as contas públicas, ao ser envolto em pedaladas contábeis e corrupção. A defesa do presidente Lula do Estado “indutor” contra a “austeridade fiscal”, quando ambos não precisam se contrapor, dá ao novo PAC um sabor de velho e insinua um mesmo destino ruim, que deveria ser a todo custo evitado.

O governo pretende que o novo PAC movimente R$ 1,7 trilhão, sendo R$ 1,4 trilhão até o fim do mandato de Lula, em 2026. Os programas estão divididos em 9 eixos, mas dois deles (cidades sustentáveis e resilientes) e transportes consumirão R$ 969 bilhões, ou mais da metade do total previsto.

Acrescido da transição e segurança energética, com R$ 540 bilhões, somam R$ 1,4 trilhão, ou 82,3% do total. Nessa última rubrica estão os investimentos da Petrobras, com R$ 335 bilhões já incluídos anteriormente no programa de investimentos da estatal. Os gastos de capital de Petrobras e do Minha Casa Minha Vida totalizam R$ 680 bilhões.

Em suma, são os programas tradicionais de infraestrutura e mais petróleo que serão o centro do PAC, com incursões periféricas de R$ 53 bilhões em Defesa, R$ 45 bilhões em Educação e R$ 31 bilhões em Saúde, mais R$ 28 bilhões em inclusão digital e conectividade.

A intenção de investimentos em várias obras mostra contradições do governo não pacificadas. O desejo de combater o aquecimento global e preservar o ambiente se choca com as obras da Ferrogrão, que corta a floresta amazônica, e os 19 poços a serem perfurados pela Petrobras na foz do Rio Amazonas, na margem equatorial.

O ministro da Casa Civil, Rui Costa, disse, após elogiar a ex-presidente Dilma Rousseff, presente ao lançamento, que o governo não pretende com o novo PAC “criar cemitérios de obras paradas” - uma herança clara do megalomaníaco e heterodoxamente financiado PAC gerido por Dilma. Das milhares de obras paradas ou inconclusas voltam ao PAC a Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol), a Transnordestina, a transposição do Rio São Francisco e Angra 3.

O novo programa abriga também a refinaria Abreu e Lima, vítima da corrupção da Lava-Jato. Orçada em US$ 2,4 bilhões em 2003, em 2015 já havia consumido US$ 18,9 bilhões, até ser paralisada. Na área do petróleo merecem destaque negativo o plano de construção de 25 navios para a Petrobras, depois de mais um desastre, com enorme desperdício de recursos, na tentativa de reerguer a indústria naval nacional.

O governo destinará R$ 371 bilhões do Orçamento Geral da União ao novo PAC. Na atual gestão, serão R$ 60 bilhões por ano, mas essa despesa está condicionada à aprovação do novo regime fiscal, que voltou à Câmara dos Deputados e está sendo protelada pelo Centrão, que visa mais cargos e aguarda uma reforma ministerial. O regime fiscal estabeleceu um valor nominal mínimo para investimentos, próximo dos R$ 70 bilhões, que será corrigido pela inflação. Como é um gasto discricionário, e recorrente variável de ajuste para excesso de despesas, há dúvidas sobre sua viabilidade. Se for derrubado pelo reexame da Câmara, o PAC fica sem injeção de recursos orçamentários. Se aprovados os recursos, o mais provável, o governo terá de cortar outras despesas discricionárias, já uma parcela ínfima diante de mais de 93% de gastos obrigatórios.

Outras ideias ruins vêm com os bilhões do PAC. Segundo o ministro Rui Costa, o governo Lula fará esforços para recuperar as empreiteiras que desapareceram com a Lava-Jato e “reabilitar a indústria nacional, para que voltem a ser referência no mercado internacional de construção”. Elas também foram referência continental em corrupção. Ainda não está morta no governo a ideia de que as empreiteiras paguem as indenizações acertadas por suas falcatruas com a conclusão de obras públicas que deixaram de realizar.

Estabelecido um núcleo de obras prioritárias, com gestão eficiente, o programa pode contribuir para melhoria significativa da infraestrutura. O governo deve evitar cometer os erros do passado.

Proposta do MEC para ensino médio pode ficar melhor

O Globo

Aperfeiçoamentos ainda serão necessários, mas ao menos governo descartou revogar e reforma

Quatro meses depois de suspender a implantação do Novo Ensino Médio, em meio a um bombardeio descabido contra a reforma aprovada em 2017, o ministro da Educação, Camilo Santana, apresentou na semana passada uma proposta para retomá-la, incorporando sugestões da consulta pública feita pelo MEC. Entre acertos, erros e pontos ainda obscuros, pode-se dizer que o maior mérito da iniciativa está no que ela não propõe: a revogação das mudanças, como defendiam partidos de esquerda, sindicatos, corporações, entidades estudantis e setores do próprio MEC.

Entre os acertos, está o aumento da carga horária na formação geral básica (comum a todos os estudantes), antes limitada a 1.800 horas. O governo agora propõe pelo menos 2.400 horas no ensino regular de 3 mil horas. O pouco tempo dedicado à formação geral, em comparação com a parte flexível do currículo, era uma das principais críticas à nova política, porque poderia prejudicar o aprendizado dos alunos e o desempenho no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).

Embora seja ainda um esboço, que passará por discussões até chegar ao texto final a ser enviado ao Congresso, é louvável que a proposta preserve pontos essenciais da reforma: expansão da carga horária, currículo mais flexível — de modo a despertar maior interesse e combater a evasão — e integração do ensino médio com a educação profissional e tecnológica, fundamental para dar perspectivas aos jovens no mercado de trabalho e contribuir para o desenvolvimento do país. Também são pontos positivos o incentivo à escola em tempo integral, as restrições à educação à distância (EaD) e a intenção manifestada pelo governo de construir uma política nacional, articulada com os estados, para enfrentar os problemas estruturais do setor.

Há, apesar de tudo isso, pontos questionáveis. Um deles é a proposta para que a formação geral básica dos cursos técnicos tenha carga horária de 2.200 horas, diferentemente dos cursos regulares, com 2.400 horas. Além de criar dificuldades de implementação, pois uma mesma escola teria de trabalhar com grades horárias distintas, a medida prejudicaria a formação nos cursos técnicos, contrariando a intenção da reforma.

Também se critica a mudança radical em relação à parte flexível do currículo. Na tentativa de corrigir a flexibilização exagerada da primeira versão, o MEC agora propõe apenas três itinerários em vez de cinco: 1) linguagens, matemática e ciências da natureza; 2) linguagens, matemática e ciências humanas e sociais; 3) formação técnica e profissional. “Saímos de uma proposta extremamente aberta para uma extremamente fechada, sem olhar para o que os estados estão fazendo. Cria-se uma camisa de força”, afirma Priscila Cruz, presidente executiva do Todos Pela Educação.

Os meios pedagógicos também receberam com ressalvas a ideia de aumentar o número de disciplinas obrigatórias, que chegariam a um total de 12, apesar de a proposta do MEC não ser muito clara sobre isso. Governos, profissionais de educação, estudantes e legisladores ainda devem sugerir ajustes à proposta, para que ela seja aperfeiçoada e cumpra seus objetivos de melhorar o ensino médio e torná-lo mais atraente. Pelo menos até aqui, o governo não sucumbiu à tentação de revogar a reforma. Já é um avanço.

Câmara deve prorrogar desoneração da folha para preservar empregos

O Globo

Medida já aprovada no Senado evitou perda de 1,6 milhão de postos de trabalho entre 2018 e 2022

O peso dos encargos trabalhistas sobre a folha de salários sempre foi fator de desestímulo à criação de empregos formais no Brasil. Por isso o Congresso tem, nos últimos anos, prorrogado sucessivamente o regime de desoneração de 17 setores, por meio do qual as empresas, em vez de recolher ao INSS 20% sobre o gasto com a folha salarial, contribuem com 1% a 4,5% do faturamento. Já aprovado no Senado, o Projeto de Lei que prorroga a desoneração até 2027 chega à Câmara em condições de ser levado nesta semana ao plenário para aprovação final. Os deputados deveriam aprová-lo.

A medida tem recebido duas críticas, ambas descabidas. Primeiro, contesta-se que valha a pena renovar a desoneração num contexto em que a reforma tributária modificará toda a estrutura de impostos paga pelas empresas. Segundo, critica-se o impacto da renúncia da contribuição previdenciária para os cofres públicos e questiona-se o alcance restrito dos setores abrangidos, em detrimento dos demais.

A primeira crítica não tem fundamento, já que a reforma tributária, se aprovada neste ano, só passará a ter efeito a partir de 2027, ano em que expiraria a renovação. A segunda crítica se choca com a realidade: está comprovada a eficácia da desoneração na manutenção e geração de postos de trabalho. Se não houver renovação, o impacto negativo será imediato.

Entre as 17 atividades abrangidas pela medida estão os principais empregadores do país: construção civil e pesada, informática, infraestrutura de telecomunicações, centrais de atendimento, comunicação, transporte urbano e intermunicipal, ferroviário e metroviário e, na indústria, os ramos têxtil e de confecções, calçados, couro, proteína animal, veículos e carrocerias. Ao todo, os setores cujas folhas salariais foram desoneradas geraram 1,2 milhão de empregos entre 2017 e 2022 — alta de 15,5%, para 8,93 milhões.

Em 2018, o governo Temer reonerou 13 setores sob a justificativa de compensar a perda de arrecadação com a retirada de impostos federais sobre o diesel por pressão dos caminhoneiros. Com base no ocorrido naquela época, calcula-se que, se fossem reonerados os 17 setores atualmente desonerados, teria havido perda de 1,6 milhão de postos de trabalho entre 2018 e 2022, 621 mil apenas no ano passado.

É também falsa a ideia de que a desoneração desequilibra a Previdência Social. A preservação de empregos e a expansão do mercado de trabalho elevam a renda e evitam perdas no INSS. Sem a contribuição dos empregos resultantes da desoneração, a Previdência teria deixado de receber R$ 34,3 bilhões entre 2017 e 2022, segundo cálculo da Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação e de Tecnologias Digitais (Brasscom).

Em 2021, a desoneração foi prorrogada por dois anos. Havia expectativa de que a pauta avançaria no Congresso para todos os segmentos da economia. Mesmo que isso não tenha ocorrido como desejável (a expansão foi vetada na reforma da Previdência), os benefícios em vigor são suficientes para justificar a prorrogação por quatro anos.

A fórceps

Folha de S. Paulo

Lira mostra pragmatismo ao dizer que governo deve debater reforma administrativa

Com votação final esperada neste mês na Câmara dos Deputados, o novo marco fiscal, mesmo sem um controle rígido de gastos, representará um desafio para o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

A tarefa será garantir sua credibilidade por meio do pleno cumprimento dos limites das despesas e da redução contínua do déficit das contas do Tesouro. As metas traçadas são de cumprimento muito difícil nas condições atuais.

O rombo de R$ 145,4 bilhões (1,4% do PIB) projetado para este ano, segundo os cálculos mais recentes da área econômica, terá de se transformar num superávit equivalente a 1% do PIB até 2026.

A diferença, próxima a R$ 250 bilhões, representa o tamanho do ajuste necessário, que demanda ações do lado da receita e dos gastos. O governo erra ao sinalizar que só dará atenção a coletar mais impostos —como se houvesse grande margem para elevar uma carga tributária já exorbitante.

Qualquer esforço sério de saneamento de contas também precisa passar pelas despesas, que se concentram em Previdência, assistência social e salários do funcionalismo. O pouco que sobra, cerca de 10%, tem destinação mais livre, incluindo investimentos, que deveriam ser preservados.

A rubrica mais promissora a ser trabalhada é o custo dos servidores ativos, que, pela metodologia do Fundo Monetário Internacional (FMI), ronda 12% do PIB nos três níveis de governo, um dos maiores patamares do mundo.

Uma reforma administrativa, contudo, é tabu para a Planalto, dadas as origens sindicalistas do PT e de Lula. O partido e o governo já fizeram saber que trabalharão contra qualquer tentativa de conter remunerações e reduzir o alcance da estabilidade funcional.

Mas nos últimos anos, felizmente, o Congresso deu mostras de pragmatismo em temas de interesse nacional —tomando as rédeas da reforma previdenciária sob Jair Bolsonaro (PL) e sustando a ofensiva petista contra o marco do saneamento, por exemplo.

É positivo que parlamentares compreendam a necessidade de enfrentar as distorções do serviço público, a despeito do lobby das corporações. É relevante a afirmação do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), de que o governo terá de entrar na discussão da reforma administrativa "forçadamente" ainda neste ano.

Os deputados já aprovaram uma proposta de emenda constitucional que modifica critérios de estabilidade, institui novos modelos de contratação e abre espaço para mudanças nas carreiras. O texto decerto merece debate e aperfeiçoamento, mas pode ser um bom ponto de partida para a tramitação a recomeçar no Senado.

Prende-se muito e mal

Folha de S. Paulo

Com lei nebulosa, combate às drogas no Brasil não distingue usuário e traficante

No Brasil, a repressão a drogas se caracteriza, em grande medida, por prender por tráfico pessoas sem qualquer relação com facções criminosas, como mostram resultados preliminares da pesquisa "Perfil do processado e produção de provas nas ações criminais por tráfico de drogas".

O levantamento, elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), aponta que em apenas 13% dos processos analisados há menção às facções. Confirma-se em números o que já se intui a partir das práticas judicial e policial: prende-se muito e mal por tráfico de entorpecentes no país.

A Lei de Drogas, de 2006, não definiu a quantidade de substância ilícita que qualificaria uso individual, o que torna nebulosa a distinção entre usuário e traficante.

Ao analisar 41 mil processos de tribunais estaduais com decisões no primeiro semestre de 2019, o estudo esmiúça a engrenagem judicial que produz desigualdades sob a justificativa do combate ao crime.

A maioria dos processados é homem (87%) jovem (72%) negra (67%), com baixa escolaridade (75%), desempregada ou autônoma (66%) —e possui passagem anterior pela Justiça (50%).

Em 80% dos casos, os réus permaneceram presos de forma preventiva durante o processo, inchando ainda mais o sistema carcerário.

A forma como as denúncias chegam ao Judiciário é digna de nota. Investigação por órgãos especializados, como Polícia Civil, responde por apenas 20% dos processos. A maioria do restante tem origem em ações nas ruas da Polícia Militar.

Revela-se, assim, a preferência pelo policiamento ostensivo, em detrimento da inteligência em apuração, que pode atingir facções criminosas ligadas ao tráfico.

O levantamento mostra ainda que as polícias usam justificativas genéricas para abordagens, como patrulhamento (32,5%) e denúncia anônima (30,9%). Neste último caso, em 93% dos processos, há só menção genérica às denúncias, sem registro do autor ou do conteúdo do relato.

O tema está em debate no Supremo Tribunal Federal. O julgamento se encontra suspenso com placar de quatro votos a zero em favor da descriminalização do porte de drogas para uso pessoal.

Trazer mais objetividade à lei pode contribuir para a redução do encarceramento massivo de negros e pobres como traficantes. Já o Congresso deveria desenhar uma política de drogas que seja justa e eficaz.

A falência de um Estado em tempo real

O Estado de S. Paulo

A selvageria no Equador é só um episódio do teatro de horrores do narcotráfico na América Latina. O Brasil é protagonista-chave e, se não for implacável na repressão, pode mergulhar no caos

O assassinato de um dos candidatos à presidência do Equador, Fernando Villavicencio, é só o episódio mais recente e dramático de uma tragédia a que o mundo assiste em tempo real: o desmoronamento do Estado Democrático de Direito e a ascensão de um narcoestado.

No último mês foram assassinados um prefeito e um secretário municipal. Um candidato à Assembleia sofreu um atentado. A saraivada de balas que matou Villavicencio na saída de uma escola deixou nove feridos, entre eles um candidato legislativo. No dia seguinte, outra candidata foi alvejada.

Jornalista, Villavicencio se notabilizou por denunciar a corrupção política. “O Equador está praticamente submerso no crime organizado”, disse em entrevista ao Financial Times. “Declararei guerra às economias criminosas e essa é uma estratégia central da campanha.” Supostos líderes da facção Los Lobos reivindicaram o crime como uma retaliação por “promessas” não cumpridas. Seja lá o que as investigações apurem, quando um presidenciável cercado por uma escolta policial é morto à luz do dia, a 11 dias das eleições, mais que um acerto de contas ou a execução de um adversário, trata-se de um recado a todos os políticos e à população: vocês podem brincar de democracia, mas quem manda somos nós.

Como outros países latino-americanos, o Equador prosperou no ciclo das commodities. Passado o boom, a crise fiscal, o desemprego, a instabilidade política, a corrupção e forças de segurança precárias revelaram-se um terreno fértil para narcotraficantes do país e de fora, como mexicanos e albaneses. Outrora um enclave pacífico entre os dois maiores produtores de cocaína do mundo, a Colômbia e o Peru, o Equador ultrapassou as taxas de homicídio da Colômbia, do México e do Brasil. Em quatro anos, essas taxas, que eram de 5,6 por 100 mil habitantes, uma das mais baixas da América Latina, quadruplicaram. Tiroteios em portos, massacres em presídios, corpos decapitados pendurados em pontes, sequestros, carrosbomba, crianças mortas a tiros diante de suas casas ou escolas tornaram-se rotina. A segurança é a maior preocupação dos eleitores, e candidatos os seduzem com propostas autoritárias.

O Equador é só um dos palcos do festival de selvageria latino-americano. No ano passado, o principal procurador antidrogas do Paraguai foi executado. No Uruguai, 14 cadáveres apareceram num período de 10 dias. Nas eleições mexicanas de 2021, mais de 80 políticos foram mortos. Segundo o Escritório da ONU para Drogas, só três nações latino-americanas não são “países principais de fonte e trânsito” de cocaína.

Nesse teatro de horrores, o Brasil é protagonista. As similaridades com o Equador são pavorosas. Lá como aqui, as facções recrutam e operam dos presídios, tornaram-se grandes exportadoras de drogas para países ricos e estão se internacionalizando em parcerias com as máfias desses países. Entre 2015 e 2019, as apreensões anuais de cocaína nos portos passaram de 1,5 tonelada para inacreditáveis 67 toneladas. Na Amazônia e centros urbanos, o crime organizado diversifica suas operações em grilagem, extorsão, serviços ilegais ou contrabando, infiltrando-se nos mercados e elegendo políticos. A violência política se agrava a cada eleição. Quase todo o território da cidade do Rio de Janeiro está sob domínio ou disputa das milícias e facções. Como advogam pesquisadores do Fórum de Segurança Pública, é a dinâmica dessas organizações, e não as políticas públicas, que determina a oscilação das estatísticas de violência. O Brasil está sentado sobre um barril de pólvora que pode explodir a qualquer momento.

“Não entregaremos o poder e as instituições democráticas ao crime organizado, ainda que ele se disfarce de organizações políticas”, disse o presidente do Equador, Guillermo Lasso. Mas, quando um chefe de Estado fala nesses termos, é indisfarçável que parte desse poder e instituições já foi sequestrada. O Brasil está longe do caos em que mergulhou o Equador, mas isso não significa que não avance na mesma direção. Ainda há tempo de desarmar essa bomba-relógio. Mas o ponteiro não para de rodar.

Pagar emenda é prerrogativa do governo

O Estado de S. Paulo

Fixar calendário para pagamento de emendas na LDO é invadir competências. Legislativo pode fazer indicações, mas cabe ao governo decidir quando deve executá-las

O relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2024, Danilo Forte (União-CE), estuda incluir no projeto a fixação de um calendário para o pagamento de emendas parlamentares. Ao Estadão, o deputado explicou que a liberação de recursos para essas indicações tem sido condicionada ao humor do governo. O calendário evitaria o que ele considera ser uma “manipulação política” do Orçamento. “A vontade de celeridade é unânime no processo da execução orçamentária”, disse.

Por ora, a ideia de Forte não passa de um blefe do Centrão para pressionar o governo a ceder espaço para novos aliados na reforma ministerial. Mas não é a única. Enquanto a fatura de distribuição de cargos não é quitada, deputados não votam a proposta que cria o novo arcabouço fiscal. Obviamente, o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), nega haver relação entre os fatos e justifica não haver incluído o texto na pauta por falta de consenso, entre os deputados, sobre a manutenção ou a derrubada das alterações que ele recebeu no Senado.

A LDO, por si só, já é um projeto muito relevante, pois norteia a elaboração do Orçamento. A data final para apreciação da proposta, estabelecida pela Constituição, é 17 de julho – ou seja, o prazo já foi vencido, tanto que os parlamentares não puderam entrar em recesso formalmente. Há uma relação direta entre o arcabouço e a LDO: ele precisa ser aprovado antes da lei; do contrário, a LDO terá de se submeter aos termos do teto de gastos, que é ainda mais rígido.

A despeito do jogo político, é bem provável que o Executivo e o Legislativo cheguem a um acordo para garantir a aprovação do arcabouço antes da apreciação da LDO. É do interesse de ambos os Poderes. Assim, o que deveria ser motivo de real preocupação para o governo é a ameaça, do relator da LDO, de impor um calendário para o pagamento de emendas.

Como já dissemos muitas vezes neste espaço, não há nada de antirrepublicano, a priori, nas emendas parlamentares. Por meio de indicações transparentes, com autoria e destino definidos, bem como finalidades vinculadas a políticas públicas, deputados e senadores podem sugerir de que forma o dinheiro do Orçamento deve ser gasto – diferentemente do que ocorria no orçamento secreto, revelado pelo Estadão e derrubado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Porém, além de terem alcançado um peso cada vez maior no Orçamento, a maioria das emendas se tornou impositiva nos últimos anos, o que reduziu significativamente o poder discricionário do Executivo para gerenciar suas despesas – especialmente quando 95% delas têm caráter obrigatório. Assim, a única prerrogativa que restou ao governo, no que diz respeito às emendas, consiste justamente no prazo para pagá-las.

Ao longo do ano, à medida que submete proposta de seu interesse à apreciação dos parlamentares, o Executivo pode fazer uso do pagamento de emendas para angariar apoio para aprová-las. Quem vota com o governo garante verba para suas indicações antes dos demais; quem vota contra, seja por ideologia ou por convicção de que o projeto é ruim, também terá o dinheiro liberado, mas em um momento posterior.

Foi o que ocorreu, por exemplo, na votação da reforma tributária. Um calendário fixo para execução de emendas retiraria das mãos do governo um mecanismo que indubitavelmente contribuiu para a aprovação de um projeto que está na lista de prioridades do País já há mais de 30 anos.

Longe de ser um “toma lá dá cá”, o processo de liberação de emendas é democrático e reflete, de forma transparente, o custo de fazer oposição ao governo. É do Executivo a função de editar decretos que fixem limites mensais de empenho e pagamento de recursos públicos. Ao Legislativo, cabe aprovar a LDO e o Orçamento, não gerenciá-lo.

Espera-se, portanto, que o relator tenha consciência de sua responsabilidade na elaboração do parecer da LDO e que não invada competências que não dizem respeito nem a ele nem ao Legislativo. Do governo, espera-se que faça valer a maioria que busca construir no Congresso e não deixe passar este verdadeiro absurdo.

O País precisa do Marco das Garantias

O Estado de S. Paulo

Fará bem o Congresso se aprovar o projeto que amplia segurança jurídica e reduz custo do crédito

Tramita no Congresso um projeto de lei (PL) apresentado pelo governo Bolsonaro em 2021 e que o governo Lula corretamente tem apoiado: o Projeto de Lei 4.188/2021, que dispõe sobre o Marco das Garantias. A Câmara e o Senado aprovaram a proposta, mas como os senadores fizeram alterações no texto aprovado pelos deputados, o PL 4.188/2021 precisa de nova análise pela Câmara. O projeto representa um avanço importante, que pode contribuir para uma maior segurança jurídica e um maior dinamismo do ambiente de negócios. A expectativa do Ministério da Fazenda é que o Marco das Garantias ajude a reduzir o custo do crédito no País e, assim, estimular o consumo e o crescimento.

Entre as mudanças propostas, o novo marco permite que um mesmo imóvel seja usado como garantia em mais de um empréstimo, na mesma instituição ou em instituições diferentes. Pelas regras atuais, o imóvel fica restrito a um único financiamento até a quitação do crédito, mesmo que a operação tenha um valor inferior ao bem. Pela nova regra, será possível fracionar o valor e, assim, obter lastro para diversos empréstimos.

Outra novidade do PL 4.188/2021 é a possibilidade de exploração de um serviço de gestão especializada de garantias, por meio das instituições gestoras de garantia (IGG). Assim, em vez de ter de tratar e negociar com cada instituição financeira, para obter a melhor proposta, o tomador de crédito pode recorrer a uma IGG para avaliação de seu bem. Essa possibilidade aumenta a concorrência entre as instituições financeiras, facilita a avaliação da garantia e contribui para a redução das taxas de juros.

A Câmara tinha aprovado um capítulo sobre desjudicialização de títulos de execução de títulos executivos judiciais e extrajudiciais. Hoje, o credor tem de entrar com uma ação na Justiça para recuperar a garantia dada pelo devedor, o que é, muitas vezes, fonte de muitos problemas. Em geral, processos judiciais são longos, caros e repletos de percalços. Originalmente, o PL 4.188/2021 permitia, por exemplo, a busca e apreensão extrajudicial de veículos, realizada via cartórios, com o auxílio dos Departamentos Estaduais de Trânsito (Detrans). No entanto, o Senado retirou do projeto o capítulo da desjudicialização da execução das garantias, tema que deverá ser analisado em um projeto de lei específico.

O Senado também restaurou o monopólio da Caixa Econômica Federal para a penhora de bens móveis, como joias, relógios e pratarias. A Câmara havia excluído essa limitação como meio de aumentar a concorrência nos penhores e baratear o crédito.

Na prática, os pontos do PL 4.188/2021 que os partidos de esquerda haviam tentado, sem sucesso, retirar na Câmara foram excluídos do texto durante a votação do Senado. Tal como aprovado pelos senadores, o projeto atual está mais distante da proposta original do Executivo, especialmente em relação à execução das garantias. Mesmo mitigado, o projeto do Marco das Garantias continua sendo benéfico para o País. Que possa ser logo aprovado pelos deputados.

 

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